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20/03/2008 - 10:32

A Aracruz Celulose e a construção do Terminal Marítimo de Navios - Barcaça Luciano Villas Boas Machado

O caso aqui narrado envolve eventos relacionados com o projeto de um terminal marítimo no litoral da Bahia, nordeste do Brasil. A região onde ele seria instalado é muito próxima de um parque nacional composto por ilhas com recifes, piscinas naturais e vasta fauna marinha. Anualmente, de junho a dezembro, a área é visitada por baleias jubarte que saem da Antártica à procura de águas mais quentes para sua reprodução.

A empresa responsável pelo projeto era a Aracruz Celulose, líder mundial na produção de celulose branqueada de eucalipto, utilizada na fabricação de diversos tipos de papéis. Temendo os riscos ambientais envolvidos, a empresa desenvolveu atividades destinadas a evitar ou minimizar os possíveis impactos. Caso isso não fosse possível, a decisão já estava tomada: aquele projeto não sairia do papel.

Quando a Aracruz Celulose anunciou a construção de um terminal marítimo em Caravelas, na Bahia, a população se dividiu. Para alguns, a notícia trazia esperanças de que a cidade, que já fora uma das mais importantes do sul do Estado, voltasse a crescer. Para outros, ela gerava preocupações de que a chegada da empresa abalasse o meio ambiente da região, um dos mais ricos do país.

A cidade está muito próxima do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, um conjunto de cinco ilhas com recifes, piscinas naturais e vasta fauna marinha. Anualmente, a área é visitada por baleias jubarte, que saem da Antártica a procura de águas mais quentes para sua reprodução.

O projeto do terminal marítimo representaria para a Aracruz a diminuição dos gastos no transporte da madeira que seria utilizada na sua fábrica do Espírito Santo. Para a comunidade, geraria cerca de 300 empregos na fase de construção e 600 postos de trabalho diretos e indiretos quando em operação. Além disso, reduziria o tráfego de carretas nas estradas da Bahia e do Espírito Santo, onde fica a fábrica da empresa. Mas o investimento de US$ 51 milhões poderia nem sair do papel se as ameaças ambientais fossem comprovadas.

O que fazer para conhecer a extensão dos riscos ambientais? Era possível evitá-los ou minimizá-los? O que a empresa deveria fazer para trazer a comunidade para o processo de discussão? Se ela não conseguisse convencê-los, mesmo com as licenças necessárias, valeria a pena construir o terminal?

Foi assim, com muitas perguntas, que a Aracruz começou seu trabalho em Caravelas. Os primeiros encarregados de respondê-las foram o gerente florestal Tadeu Mussi de Andrade, responsável geral pelos estudos de viabilidade técnica e financeira da obra e o gerente de Transporte e Movimentação de Madeira, Fábio Velloso, que em 1998 começaram o trabalho de reconhecimento na pequena cidade baiana. Com o estudo aprovado pelos acionistas da Aracruz, em novembro de 2001, o gerente de Meio Ambiente e Segurança Industrial da empresa, Alberto Carvalho de Oliveira Júnior e o diretor de Meio Ambiente e Relações Corporativas, Carlos Alberto Roxo, passaram a trabalhar no processo de licenciamento.

II – A empresa - A Aracruz Celulose é líder mundial no mercado de celulose branqueada de eucalipto, utilizada na fabricação de diversos tipos de papéis. Ela é responsável por cerca de 20% da produção internacional. Mais de 95% do que a empresa produz é exportado para Europa, América do Norte, América Latina e Ásia.

Composto por três unidades de operação, seu complexo fabril em Barra do Riacho (Espírito Santo) é o maior do mundo no mercado de celulose, com capacidade para produzir 2.000.000 t/ano. A fábrica de Guaíba (RS) amplia a capacidade em 400.000 t/ano. A Aracruz Produtos de Madeira, unidade industrial destinada à fabricação de produtos sólidos de madeira, em Nova Viçosa (BA), e os terminais marítimos de Portocel (ES) e Caravelas (BA) completam o sistema operacional da empresa. Ela tem ainda participação de 50% do controle acionário da Veracel Celulose, que está sendo construída no município de Eunápolis, sul da Bahia, em parceria com a sueco-finlandesa Stora Enso, maior produtora de papel do mundo. A fábrica deve começar a operar em 2005 e terá capacidade para produzir 900.000 t/ano de celulose branqueada de eucalipto.

As áreas florestais da Aracruz, divididas pelos Estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul, ocupam 363 mil hectares. Destes, 242 mil são destinados ao plantio de eucalipto e 121 mil representam reservas nativas de propriedade da empresa, respeitando uma política interna de manter um hectare de floresta nativa para cada dois hectares de plantação de eucalipto.

Seu controle acionário é exercido pelos grupos Lorentzen, Safra e Votorantim, com 28% das ações ordinárias cada, e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES, com 12,5%. As ações preferenciais da empresa, que representam mais de 50% do total, são negociadas nas Bolsas de Valores de São Paulo, Nova York e Madri.

Estar sediada no Brasil é uma vantagem competitiva para a Aracruz. O país é responsável por mais de 50% da celulose branqueada de eucalipto produzida no mundo. E a tendência é o crescimento de sua importância nesse mercado. Isso porque a produtividade das florestas plantadas nos trópicos é significativamente maior do que no hemisfério norte.

A Aracruz e o meio ambiente - A demanda mundial por papel é crescente. E sua fabricação se dá a partir da madeira. No hemisfério norte, florestas nativas são ainda destruídas para produzir celulose, enquanto que no Brasil toda a indústria utiliza exclusivamente florestas plantadas. O eucalipto, devido a seu rápido crescimento, sempre despertou o interesse das empresas, mas inicialmente foi usado apenas como enchimento. A Aracruz desenvolveu a tecnologia que viabilizou plantios comerciais de eucalipto para a produção de celulose utilizada na fabricação de papéis de primeira linha.

Por essa história de alta demanda por madeira e tecnologias de manejo ainda incipientes, o setor de celulose teve um relacionamento com os ambientalistas bastante tumultuado. O desenvolvimento de novas técnicas de manejo e monitoramento contribuiu para que o diálogo começasse a ocorrer de forma mais interativa. Junte-se a isso a crescente consciência das próprias empresas quanto ao seu impacto e à necessidade de minimizá-lo. Segundo o gerente de Comunicação Corporativa da Aracruz, Luiz Fernando Brandão, o desafio da empresa é ”ficar do tamanho de seus clientes”, acompanhando o seu crescimento, mas “provendo o mercado com base em plantios manejados de forma sustentável”.

O Sistema de Gestão Ambiental da Aracruz é certificado pela ISO 14001 desde 1999 e renovado regularmente. Além da manutenção de um hectare de área florestal nativa para cada dois hectares de plantio de eucalipto, a empresa realiza projetos de monitoramento da biodiversidade animal em suas reservas e, com o Projeto Microbacia, estuda, desde 1993, a relação do plantio de eucalipto com o meio ambiente da região.

Nos últimos dez anos, o investimento em equipamentos e tecnologias de última geração possibilitaram à Aracruz atingir melhora significativa nos principais indicadores de ecoeficiência na produção de celulose. Além disso, a empresa usa o vapor da queima de partes do eucalipto, resíduos do processo industrial, como combustível e é auto-suficiente na geração de energia elétrica.

O processo de branqueamento da polpa, que antes era feito com uso de cloro, foi modificado. Havia sido comprovado o impacto ambiental dessa tecnologia em outros países onde era utilizada, mas cujos efluentes eram lançados em ecossistemas fechados, como lagos e lagoas. Embora não tenham sido comprovados impactos no caso brasileiro, optou-se pela substituição da tecnologia.

Ainda dentro do Sistema de Gestão Ambiental, a Aracruz monitora o ambiente marinho nas proximidades de suas instalações e, com o programa Rede de Percepção de Odor, controla os gases emitidos pela fábrica, com a ajuda de moradores de áreas distantes dela até 70 km. Também são realizadas ações de prevenção e controle de emissões atmosféricas, lançamentos de efluentes e geração de resíduos, além das atividades de educação ambiental.

III – A experiência da Aracruz em Caravelas - Chegamos a Caravelas com a missão de conhecer e relatar a experiência da Aracruz na cidade. Começaríamos entrevistando o Gerente de Meio Ambiente e Segurança Industrial da empresa, Alberto Carvalho de Oliveira Filho, que foi um dos que primeiro viveram a experiência do processo de implementação do Terminal.

“Quem primeiro vislumbrou esse projeto foi o sr. Erling Lorentzen, que é um grande líder e um dos maiores ambientalistas que eu conheço”, Alberto começa a nos contar a história, elogiando um dos acionistas da empresa. “A fábrica A, em 1978, já foi construída com base no conceito de desenvolvimento sustentável, quando pouca gente sabia o que era isso. Ele é presidente do Conselho há muitos anos e um homem de muita visão”, continua. “Em uma de suas viagens por aqui, o sr. Lorentzen comprou o terreno onde hoje é a Aracruz, já pensando no transporte marítimo”, conta.

A empresa já possuía algumas áreas de plantio na Bahia quando uma lei no Espírito Santo a proibiu de ampliar suas plantações de eucalipto no Estado. Os investimentos para aumentar a produtividade nas áreas já plantadas e a idéia de aumentar as plantações na Bahia ganharam importância. Mas havia a preocupação com o transporte. “Um dos riscos era a rodovia federal ser privatizada. Com pedágios, o preço do transporte subiria muito. A construção da fábrica C aumentava a demanda por madeira e levá-la por terra seria inviável. Não só o custo ia ser alto como a estrada ficaria extremamente congestionada, com cerca de 500 carretas da Aracruz por dia”, explica Alberto.

Era preciso viabilizar um modal novo, que reduzisse custo, evitasse acidentes e congestionamentos nas estradas. Diante desse desafio, a direção da Aracruz decidiu que era hora de colocar em prática a idéia do transporte marítimo e formou uma equipe para estudar a viabilidade do projeto. Em 1998, o gerente florestal Tadeu Mussi de Andrade, responsável geral pelo projeto, e o gerente de Transporte e Movimentação de Madeira, Fábio Velloso, começaram os estudos técnicos e financeiros para verificar se seria viável a instalação do terminal marítimo em Caravelas.

Concluída a primeira etapa de análises, o projeto foi apresentado ao Conselho de Administração da Aracruz, que o aprovou. Começava, então, o processo de licenciamento, que dependia diretamente da aprovação de órgãos ambientais. “Foi quando eu entrei no circuito”, lembra Alberto de Oliveira.

Nesse momento, somos interrompidos por Ismail, funcionário da Aracruz, que trazia um budião, peixe muito comum no sul da Bahia, para o jantar. Alberto pediu que o peixe fosse deixado no tempero enquanto ele nos contava toda aquela história.

Aracruz apresenta o projeto à comunidade - Para viabilizar as operações, seria necessário construir, além das instalações do porto no Rio Caravelas, um novo canal de acesso do rio ao mar, com 3,8 km de comprimento, 90 m de largura e 5 m de profundidade. Duas dragas retirariam um volume de 880.000 m3 de sedimentos do fundo do mar. Essa obra, projetada pelo Danish Hydraulic Institute, DHI, um dos três principais centros de estudos de hidráulica do mundo, seria necessária porque o acesso existente só poderia ser utilizado pelas barcaças durante a maré alta.

“Sentimos que quando a comunidade percebesse que teríamos que fazer a dragagem poderia reagir de forma negativa. Viemos conversar com o prefeito para mostrar o projeto para todo mundo, porque achávamos na Aracruz que seria importante fazer isso antes mesmo de dar início ao processo de licenciamento”, analisa o Gerente de Meio Ambiente e Segurança Industrial.

“Ele reuniu cerca de 400 pessoas no clube dos 40 (maior espaço de eventos da cidade) e nós fomos lá apresentar, só que tínhamos pouca informação na época. Esse foi talvez o nosso principal erro. Devíamos ter nos informado melhor antes de mostrar o projeto”, admite. “Eles perguntaram, por exemplo, qual seria a velocidade da barcaça e nós não sabíamos, aí alguém falou 48 nós, que é uma coisa absurda, quatro vezes a velocidade real, e as pessoas que estavam assistindo ficaram impressionadas”.

Mas a população não parecia muito preocupada com a velocidade da barcaça. “O que aconteceu foi que a comunidade vibrou, porque viu o terminal como uma chance de trabalho, além da possibilidade de aumentar a arrecadação de impostos”, conta Alberto. O vereador Hideraldo Beline Passos confirma. “A cidade esperava uma coisa assim, para acabar com o marasmo, a morbidez. Caravelas já teve transporte de madeira, sal, café, teve porto, aeroporto, estrada de ferro, aos poucos fomos perdendo tudo. Estava fadada a ser uma cidade fantasma. A população inteira queria o terminal”.

“Mas as ONG’s caíram em cima”, Alberto continua, lembrando da reunião com a comunidade: O Instituto Baleia Jubarte, o IAPA, a Patrulha Ecológica e a Conservation International. O Instituto Baleia Jubarte jogou duro demais. Eles falavam que o projeto era inviável, que essa região era sagrada e precisava ser preservada. E nós não sabíamos ainda o que dizer. Foi quando começamos a perceber que eles também tinham poucas informações e que faltavam estudos sobre a região. Então a Aracruz se comprometeu a dar todas as respostas para as questões que fossem levantadas”.

A partir daí, Alberto explica que a participação das ONG’s passou a ser importantíssima, porque eram elas que colocavam as questões e a Aracruz, assumindo como seu o risco ambiental, se empenhava em buscar respostas consistentes que as satisfizessem.

Primeiro desafio: os corais - A principal preocupação no primeiro momento era com os corais da região, que poderiam ser atingidos por sedimentos durante o processo de dragagem. Estudos do Danish Hydraulic Institute, que projetou o canal, apontavam que não havia riscos. Mesmo assim, a Aracruz começou a monitorar a influência da dragagem nos corais.

“Se houvesse qualquer ameaça, nós íamos desistir. Uma das ONG’s chegou a procurar o sr. Lorentzen durante o processo e ele garantiu que se ficasse comprovado que a obra causaria qualquer dano, ele próprio cancelaria o projeto”, lembra Alberto.

“Saímos, então, para procurar os maiores especialistas em corais do Brasil. Descobrimos que eram dois: a professora Zelinda, da Universidade Federal da Bahia, e o professor Clóvis de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Fui conversar com eles e a prof. Zelinda disse que aceitaria ver o projeto, mas que não trabalharia para a Aracruz, porque não trabalha para empresa nenhuma. O prof. Clóvis de Castro disse que aceitava, mas avisou que o que ele escrevesse estava escrito e seria aceito e publicado sem modificação. A Aracruz aceitou a exigência dele e nós o trouxemos para Caravelas”, conta.

Teve início o processo de monitoramento que verificaria os riscos que corriam os corais da região caso acontecessem as obras de dragagem. Por sugestão do professor Clóvis de Castro, os corais ao norte de Caravelas também seriam monitorados, apesar de a corrente marítima ser no sentido de norte para sul e, portanto, a dragagem apresentar maior risco aos corais ao sul da cidade, como Nova Viçosa e Sebastião Gomes.

O monitoramento é feito da seguinte maneira: coloca-se um copo no recife, depois ele é retirado e levado para o laboratório no Rio de Janeiro e seu conteúdo é analisado. Caso apresente sedimentos semelhantes aos retirados na região da dragagem, fica comprovado que a obra pode prejudicar o coral. As principais ONG’s do sul da Bahia, ainda céticas, acompanhavam de perto o processo.

Quando acabamos de receber esta aula sobre monitoramento de corais, somos interrompidos pelo garçom do hotel, que vem nos avisar que o budião já está no tempero e que a grelha onde o peixe seria preparado está na churrasqueira. Pergunta se queremos beber alguma coisa. “Por enquanto não”, dissemos. Continuamos a conversa.

A parceria com o Instituto Baleia Jubarte - “As ONG’s estavam unidas e parecia que só queriam achar argumentos contra o projeto”, conta Alberto, com mais orgulho de a empresa ter superado o desafio que ressentimento. “Mas, quando trouxemos o professor Clóvis, o Instituto Baleia Jubarte viu que o trabalho da Aracruz era sério e decidiu que queria ler o projeto”, recorda.

“Na época existiram opiniões contrárias à nossa participação, porque a imagem de empresa no Brasil, até pela própria história das empresas, não é muito boa. Mas nós resolvemos internamente a questão e decidimos participar”, nos conta Valério Arbex, administrador do Instituto Baleia Jubarte. “Nós vimos que a Aracruz tinha uma preocupação que ia além das exigências do Ibama, se preocupava com a imagem da empresa. Nossa intenção era ajudar a minimizar o impacto do terminal, porque algum impacto sabíamos que ia ter”, completa.

“Para nós, o importante é termos autonomia. Temos patrocínio da Petrobrás e já nos manifestamos contra a exploração de alguns blocos que, na nossa opinião, seriam prejudiciais ao meio ambiente. A Aracruz também nunca pediu que mudássemos um relatório”, conta Valério.

A primeira questão levantada pelo Instituto foi sobre a rota das barcaças. Eles temiam que elas causassem desconforto às baleias ou que ocorressem atropelamentos. A Aracruz se ofereceu, então, para financiar estudos que possibilitassem ao IBJ determinar a melhor rota para os navios-barcaça e garantiu que seria seguida a rota escolhida.

Começava ali uma parceria que ajudaria os biólogos a conhecer melhor os hábitos das baleias jubarte e franca, que costumam freqüentar o litoral do sul da Bahia e norte do Espírito Santo todos os anos, de julho a dezembro. A jubarte é a quinta maior espécie de baleia no mundo e está ameaçada de extinção.

Com um investimento de R$700 mil (aproximadamente US$ 240 mil) em seis meses, os pesquisadores tiveram condições de fazer um estudo completo, que contava com sobrevôos para que fosse feita a contagem de baleias e cruzeiros de barco para identificação de cada uma delas, a partir da cauda, que é, para essa espécie, como uma impressão digital. De posse dos resultados desses estudos, o Instituto Baleia Jubarte conseguiu definir as rotas seguras pelas quais os navios-barcaça deveriam navegar.

“Aumenta o nosso custo e o tempo de viagem, mas seguimos a rota direitinho. Mesmo sabendo que um acidente com baleia é muito raro, que a Aracruz tem apenas três barcaças enquanto cerca de três mil navios passam por essas águas todo mês e nada acontece, não vamos arriscar”, explica Alberto.

A fase de licenciamento - “Então com a parceria com o IBJ as coisas ficaram mais tranqüilas?”, perguntamos. “Não, o licenciamento foi bem complicado”, lamenta o gerente de Meio Ambiente e Segurança Industrial. Em reunião com o Centro de Recursos Ambientais, CRA, órgão estadual, e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, IBAMA, órgão federal, ficou decidido que a licença para a dragagem seria de responsabilidade do IBAMA e a do porto ficaria a cargo do CRA.

No primeiro projeto do terminal entregue ao Centro de Recursos Ambientais, estava prevista uma barragem de pedras (enrocamento), que destruiria parte do manguezal da região. Os técnicos do CRA foram imediatamente contra, o que levou a Aracruz, em parceria com a Jaakko Poyry Tecnologia, empresa responsável pelo projeto do porto, a mudar de idéia e substituir o enrocamento por uma ponte sobre o manguezal. O custo foi maior, mas com essa atitude eles conseguiram suavizar a oposição dos técnicos do CRA.

O EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental / Relatório de Impacto Ambiental) foi protocolado no CRA, no IBAMA e na Marinha, que logo mostrou seu apoio à iniciativa, dizendo que o Brasil precisava explorar mais a costa. Duas audiências públicas foram realizadas em Caravelas, uma como parte do processo junto ao CRA e a outra relativa ao pedido de licenciamento no IBAMA.

“Nós participamos das audiências e sofremos muita pressão dos políticos, que queriam que a empresa viesse para Caravelas de qualquer jeito”, conta Henrique Horn Ilha, chefe do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, órgão do IBAMA. “Eles viam como uma possibilidade de retomar a importância econômica e tinham medo de que, se ficasse muito difícil, a Aracruz procurasse outras alternativas. A população também era a favor, tem mais gente que é contra hoje, porque tem pedidos que não foram atendidos, do que tinha na época. Só eu tinha a cara de pau de ser contra”, relata. “Eu era atacado na rádio, me abordavam na rua para reclamar, mas nós achávamos que tínhamos que mostrar para a empresa que esta é uma região ímpar e precisávamos estar certos de que ela entendia isso. Eu queria ter certeza absoluta de que nós não estaríamos causando danos aos corais nem aos camarões”.

“Essa fase das licenças foi um parto”, lembra Alberto. “Tinha hora que eu pensava: ‘Será que vai dar certo?’, mas aí mudava de idéia e falava: ‘Eu acredito nesse negócio, eu vou até o fim’. Uma vez nós fomos chamados para uma reunião no CRA que mais parecia uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). Ficamos lá de 9h às 17h, sem sair, explicando o projeto. A diretoria começou a perder a paciência. Mas não adiantava. A Aracruz não tinha interesse em exercer pressão política, conseguir as coisas vindo de cima e perder o apoio da população. Era pior para a empresa”, garante o gerente de Meio Ambiente e Segurança Industrial.

Licença de Localização - Alberto de Oliveira quase não acreditou quando a Aracruz, as ONG’s e os órgãos ambientais oficiais conseguiram chegar a um acordo. “Quando finalmente foi tudo aprovado, nós conseguimos a Licença de Localização, em julho de 2001. Ela vem com uma série de condicionantes e a posição da empresa sempre foi a de cumprir tudo o que fosse falado nas reuniões”, afirma.

“Depois que saiu a licença, acabaram os problemas. Na época pior chegou a acontecer de eu e alguns colegas sentarmos em um restaurante e um grupo levantar, se recusando a ficar no mesmo ambiente. Hoje os funcionários da Aracruz estão inseridos na cidade e a empresa tem reconhecimento”, comemora.

“Eu tive que agüentar muito ambientalista me xingando. Nós recebemos e-mails do mundo inteiro, me chamaram de insano, falaram mal de mim e da Aracruz em várias reportagens”, lembra Alberto de Oliveira. “Agora que o pior já passou, eu acho que o ambientalista tem um papel fundamental. Eram eles que levantavam as questões, perguntando: ‘Vocês pensaram que o motor pode alterar a audição das baleias?’, nós íamos, então, pesquisar isso. Os pescadores também deram opinião, participaram”, lembra.

A Aracruz recebeu a Licença de Instalação em fevereiro de 2002. O monitoramento dos corais, que começara um ano e meio antes, tem continuado durante a obra de dragagem. Até agora os relatórios confirmam que o sedimento não está afetando os corais. Estão sendo monitorados também os organismos marinhos da região da obra e os camarões das áreas próximas ao terminal.

O valor das compensações ambientais pedidas pelo CRA corresponde a R$ 500 mil (US$ 170 mil). Já o IBAMA pediu que a Aracruz patrocinasse iniciativas e obras no valor de R$ 1,6 milhão (US$ 510 mil). Uma região de manguezal, que é considerado o berçário da vida marinha, foi recuperada e, para possibilitar a recuperação de outras áreas, foi construído o Viveiro de Mudas Tadeu Mussi, onde são cultivadas espécies típicas dos manguezais. Além disso, mais de sete mil árvores nativas foram plantadas na área do terminal marítimo.

Ainda como compensação ambiental, está sendo construído um Centro de Visitantes do IBAMA em Caravelas, que poderá ser visitado tanto por turistas que se dirigem a Abrolhos quanto por moradores da cidade. A empresa contratou também, a pedido do Instituto, uma auditoria independente para monitorar as atividades do terminal.

A Aracruz financia ainda a instalação em Caravelas do Centro de Pesquisa e Gestão Pesqueira do Litoral Nordeste, CEPENE, também ligado ao IBAMA, que beneficiará as cerca de 350 famílias que vivem na região ribeirinha e retiram do manguezal seu sustento. O CEPENE tem como principais objetivos monitoramento e manejo dos recursos naturais, informação e educação ambiental, além de promover a formação de associações de populações ribeirinhas e realizar ações comunitárias para valoração e proteção dos recursos ambientais.

O arquiteto e urbanista Ulisses S. Scofield, natural de Caravelas, é o coordenador operacional do projeto. Ele voltou a sua cidade natal, depois de 27 anos, com o sonho de implantar o Centro e, com a ajuda da Aracruz, está realizando-o. “Mas a nossa idéia é ficar independente. Se não, o projeto não deu certo”, afirma.

As obras de instalação do terminal começaram com a reforma de uma casa antiga em Caravelas, que ganhou ainda um alojamento para a hospedagem de pesquisadores e um salão para reuniões comunitárias e aulas de educação ambiental e capacitação profissional. A segunda fase do projeto prevê uma área de apoio aos marisqueiros da região, com freezer para armazenamento da produção e unidade de beneficiamento. “Isso é importante para permitir que eles sejam menos dependentes dos atravessadores e se libertem dessa forma moderna de escravagismo, que é só poder vender para uma pessoa e a um preço específico”, explica Ulisses.

A experiência da Aracruz em Caravelas ainda pode render muitos frutos para o Sul da Bahia. “Uma universidade nos elogiou; disse que a contribuição científica que nós temos para essa região, ninguém tem”, conta Alberto de Oliveira, com entusiasmo. “Estamos pensando em contratar uma empresa para organizar e colocar toda essa informação à disposição da sociedade”, afirma.

Nessa hora, somos delicadamente interrompidos pela recepcionista do hotel, que vem nos trazer – em boa hora – um spray de repelente contra os mosquitos. Já anoitecia, era a hora do “jantar” deles e nós éramos o prato principal. Devidamente protegidos pelo repelente, partimos para explorar o último capítulo da história.

A Criação de Empregos - Entre as demandas da comunidade, a principal era a criação de empregos. Eles queriam que a população local ocupasse o maior número possível das vagas que seriam disponibilizadas com a construção do terminal. A empresa aceitou, mas logo percebeu que para isso precisaria capacitar os moradores de Caravelas que eram, em sua maioria, pescadores.

Em parceria com o Governo do Estado da Bahia, Prefeitura de Caravelas e Senai-BA, foi criado o Programa de Qualificação Profissional, que capacitou 1.416 pessoas em 28 cursos, 14 voltados para as necessidades da Aracruz e 14 em outras áreas.

A seleção dos candidatos às vagas oferecidas no terminal marítimo foi feita pelo Sistema Nacional de Emprego, SINE, sem a participação direta da empresa. Para que alguém fosse contratado, era preciso comprovar residência. Caso fosse necessário buscar um funcionário fora de Caravelas, era necessário provar diante de um comitê que não havia na cidade alguém com competência para ocupar aquele cargo.

IV – Terminal Marítimo de Navios-Barcaça Luciano Villas Boas Machado - As obras do terminal, iniciadas em fevereiro de 2002, geraram cerca de 400 empregos, 70% preenchidos por pessoas da região de Caravelas. Inaugurado em 23 de abril de 2003 em Caravelas (BA), o Terminal Marítimo de Navios-Barcaça Luciano Villas Boas Machado possibilita o transporte de madeira de eucalipto do extremo sul da Bahia até o Terminal de Navios-Barcaça Erling Sven Lorentzen, no Espírito Santo.

Os dois portos (Caravelas e Portocel, em Barra do Riacho) estão distantes 275 km em linha reta e o tempo de viagem dos navios-barcaça de um ao outro é de aproximadamente 12 horas, a uma velocidade de 12,5 nós. As barcaças medem 114 m de comprimento e podem transportar em média cerca de 5 mil m3 de madeira, o equivalente à carga de quase 100 carretas. Elas são impulsionadas por um empurrador, que tem capacidade de acomodação para 16 pessoas e transforma a barcaça em um navio, o que lhe dá o nome de “navio-barcaça”.

O nome Terminal Marítimo de Navios-Barcaça Luciano Villas Boas Machado foi escolhido em homenagem a um dos primeiros conselheiros da Aracruz Celulose, que era natural de Salvador, capital da Bahia, e faleceu em dezembro de 2002.

Para realizar o projeto do transporte marítimo, a Aracruz investiu US$ 51 milhões, sendo US$ 31 milhões na construção do empurrador e de três barcaças. Serão construídos ainda mais um navio-barcaça e outro empurrador. Hoje, enquanto um navio-barcaça é carregado em Caravelas, outro é descarregado em Portocel e um terceiro faz a viagem entre o Espírito Santo e a Bahia.

Dando continuidade à parceria com o Instituto Baleia Jubarte, a Aracruz cede espaço no empurrador de seus navios-barcaça para que os pesquisadores acompanhem todas as viagens, monitorando, com sonar e binóculos, alguma baleia que possa aparecer. “É importante continuar o monitoramento porque a rota não é uma coisa estática. Às vezes elas se afastam da costa em função de chuvas, por exemplo”, explica o veterinário Milton Marcondes, um dos funcionários acrescentados ao quadro do Instituto graças à parceria com a empresa. Criado em 1988 como Projeto Baleia Jubarte, dentro do Ibama, o Instituto ganhou autonomia em 1996 e teve um impulso muito grande depois da parceria com a Aracruz, que praticamente mantém o trabalho de educação ambiental.

O monitoramento das baleias continua e agora a empresa financia também o acompanhamento de botos, que ficam ao norte de Caravelas. “Ninguém sabe se o nosso terminal tem alguma influência nos botos, mas monitoramos mesmo assim”, afirma Alberto.

E continua: “Hoje o Instituto é um parceiro nosso. Em função dessa parceria, eles têm empregados próprios, equipamos o barco deles, o Tomara, demos um terreno. E, do nosso lado, é muito bom, porque quem responde pela Aracruz com relação às baleias é o Instituto Baleia Jubarte, que monitora tudo o que nós fazemos. No início, teve aquela desconfiança, mas aí começamos a analisar tudo o que podia acontecer, às vezes antes mesmo de os ambientalistas levantarem qualquer questão, e ganhamos a credibilidade deles”.

“A Aracruz fez tudo o que falou que ia fazer. Por isso, hoje a nossa palavra tem força aqui na cidade. Acabamos gerando o dobro de empregos daquilo que prometemos. E a cidade tem pousada nova, padaria nova, está crescendo”.

“É só andar pela rua Sete de Setembro para ver o ressurgimento do comércio”, concorda o vereador Beline Passos. “A Aracruz foi a tábua de salvação da cidade, virou a nossa mãezona. Muita coisa que nós sonhávamos já aconteceu. Agora precisa de alguns ajustes, porque tem gente que fala que foi bom para a cidade, mas que para eles individualmente não mudou muita coisa. Eu acho que a Aracruz poderia envolver mais a comunidade, fazer coisas pequenas, uma ponte, como a que já foi construída pela empresa e beneficiou muito a vida das 40 famílias que moram na região. Os projetos ambientais são importantes, mas não atingem diretamente a comunidade. Não tem praticamente ninguém de Caravelas envolvido com isso”, ele explica.

Logo depois, cuidadosamente ressalva: “mas foi ótimo a Aracruz ter vindo para cá, sem dúvida. Nós temos problemas, mas se a empresa não estivesse aqui, seria pior. Uma pessoa chave no processo foi o Alberto, ele soube conversar, convencer as pessoas, porque foi uma batalha muito grande. Nas audiências públicas, muita gente, até por saber pouco, falava bobagem, atacava a empresa, e a Aracruz paciência para lidar com isso”, ele afirma.

Henrique Ilha concorda que a capacidade de interlocução da Aracruz foi muito importante no processo de licenciamento. “Eram muitos atores, muitos interesses. Havia a disposição dos gestores em resolver os problemas e, tanto na Aracruz quanto no IBAMA, os interlocutores tinham experiência. Nós buscamos soluções que agradassem os dois lados, até porque existia interesse da empresa em que não houvesse o risco ambiental. Esse trabalho me traz muita satisfação, porque mostra que é possível fazer um empreendimento desse porte respeitando o meio ambiente”, comenta.

O Gerente de Meio Ambiente e Segurança Industrial da Aracruz garante que a filosofia da empresa em relação às questões sociais e ambientais ajudou muito o trabalho de convencimento da população. Alberto conta:

“A empresa não tinha realmente o interesse de chegar aqui e destruir tudo, poluir, até porque hoje quem faz isso, está perdendo dinheiro. Tudo pode ser reutilizado de alguma forma. Estamos estudando agora, por exemplo, junto com a Universidade de Uberlândia, uma maneira de transformar as cascas de madeira que sobram na barcaça em adubo. A idéia é doar as cascas para a população e ensinar a tecnologia para que eles possam ganhar algum dinheiro”.

A essa altura tínhamos que encerrar a entrevista e nos dedicar ao budião. Alguns colegas do Alberto, da Aracruz, tinham chegado e o peixe nos esperava já na grelha.

V – Conclusão - A política ambiental consistente da empresa e o apoio da população permitiram que a Aracruz enfrentasse os questionamentos na implantação do Terminal Marítimo de Navios-Barcaça Luciano Villas Boas Machado. As ONG’s se tornaram aliadas do projeto. O risco do projeto deixou de ser do meio ambiente para ser assumido pela empresa, que interromperia a implantação no momento em que o monitoramento sinalizasse algum dano ao patrimônio natural.

O tempo em que a empresa achava que as ONG’s só queriam criar problema e as ONG’s acreditavam que a empresa só estava preocupada com sua imagem já passou. Alberto foi paraninfo da turma da escola, jurado de concurso de Musa do Verão e vai ganhar o título de cidadão honorário.

Mas a Aracruz ainda tem um desafio pela frente: como conduzir o relacionamento com a comunidade sem cair no paternalismo, mas assegurando a boa convivência. O vereador Beline já quer que a Aracruz providencie água para uma comunidade, uma vereadora questiona porque o viveiro de mudas foi instalado em um distrito e não naquele onde ela tem seus eleitores e o projeto dos marisqueiros, embora sonhe com a sustentabilidade, ainda tem chão para caminhar até lá.

O budião estava uma delícia.

Na noite seguinte, depois de visitar o Terminal, as ONG’s, a Câmara Municipal e o IBAMA, fomos ao bar mais movimentado da cidade, enquanto esperávamos a hora de ir para a Festa da Baleia Jubarte, encerramento de uma semana cultural promovida pela Aracruz, ONG’s e escolas.

O pessoal das ONG’s também estava lá e ninguém levantou, a não ser para cumprimentar o Alberto. | www.aracruz.com.br

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