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23/06/2017 - 07:47

Cleptomania:quando o humano é demasiadamente humano


A informação surpreende: Winona Ryder, uma atriz americana, sendo presa por roubo numa loja, anos atrás. Assim como ela, muitas outras personalidades, de tempos em tempos, forneceram material para tabloides e seus leitores ávidos. Roubo, distúrbio psicológico, compulsão?

> Não somente a sua condição financeira afasta a primeira hipótese. Ela mesma admitiu que por anos vinha lutando contra a ansiedade e a depressão. E embora essa condição, a cleptomania, nem sempre seja fácil de diferenciar de furto simplesmente – em especial quando referente a um anônimo(a) – e também seja, essa condição, pouco conhecida e com causas não totalmente compreendidas, o uso de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos revela um fator importante, a depressão. Mas isso não basta.

O que caracteriza a cleptomania é o fato de que nesta, não é o objeto, a coisa em si que importa, mas o ato de subtrair , de furtar. Independe de necessidade por parte de quem comete o ato, ou de valor financeiro. O caso ilustrado é um bom exemplo: Ela teria condições financeiras de obter facilmente qualquer coisa material que desejasse. Ou seja, uma abordagem psicológica da situação revela detalhes importantes da vida emocional e psíquica de quem sofre do distúrbio.

A cleptomania, dentre outras condições, parece exigir, mais do que outras, pelo menos visivelmente, que visitemos a “vida interna” que em todos nós foi estruturada principalmente em nossa infância e adolescência, se queremos mesmo entender o que se passa. É importante notar que a cleptomania não se manifesta somente em adultos. É encontrada muitas vezes em crianças, que roubam coisas dos colegas da escola, de adultos, de irmãos, etc., embora nesse caso possa ter ocorrência limitada ou intermitente, desaparecendo, pelo menos enquanto sintoma, na idade adulta. A cleptomania é também encontrada em número duas vezes maior em mulheres do que em homens.

A ênfase no fato do furto em si, e não naquilo que é furtado; Impulsividade, ou seja, o ato é cometido sem avaliação prévia das consequências, mesmo quando o individuo tem formação que o capacita a julgar essas consequências. Alguns pacientes relatam uma espécie de “automatismo” na realização da ação; Pacientes relatam sentimentos de tensão que antecede a realização, seguida posteriormente por sentimentos de satisfação e prazer. Após, vergonha e culpa.

O que primeiro se destaca é aquilo que em linguagem popular é definido como carência, carência afetiva. Há como que um “vazio” que se busca preencher com os objetos. Histórias de um acompanhamento parental “frio”, distante, ausente, são lugares comuns. Num primeiro momento então, o furto compulsivo teria a função de preencher um vazio “afetivo”. Vejam que essa descrição não difere em essência da dos “comedores compulsivos” que desenvolvem obesidade, ou das do alcoolismo.

As “fronteiras” não são tão demarcadas e absolutas, mas há informação relevante encontrada quando focamos nos dois outros item mencionados: a impulsividade combinada com a experiência “visceral” de tensão inicial, seguida pelo sentimento de prazer e satisfação.

Uma forma mais simples de dizer a mesma coisa é caracterizar como nossas ações no mundo real e “externo” ( como furtar um objeto) são ao mesmo tempo determinadas por “objetivos”( dessas ações) que visam algo “dentro de nós”, nosso mundo subjetivo, onde o objeto furtado, ou o furto ele mesmo “representam” alguma coisa para alguém. A coisa furtada e o ato de furtar assim, “dirigem-se “ao mesmo tempo ao mundo interno, visando realizar algo nesse mundo interno.

Retomando a tentativa de compreensão da cleptomania, podemos agora definir que ao mesmo tempo em que há a busca de “preenchimento afetivo”, há também no ato uma “realização de desejo”, nos sinais fisiológicos, além de psicológicos.

A impulsividade, outro fator do conjunto, revela uma característica da personalidade onde nesta, falta o desenvolvimento de uma capacidade de evitar a realização (satisfação) de certos impulsos, ou mesmo adia-los. Grosseiramente falando, é como uma criança pequena que, dada a sua condição, precisa satisfazer de imediato qualquer necessidade que a ela se apresente. Mas na criança isso é o esperado, é próprio da condição do ser criança, não no adulto cleptomaníaco, ou na criança que furta, madura já o suficiente, em termos de desenvolvimento, pra ser esperado nela essa capacidade, e de rejeitar certos impulsos.

Podemos concluir novamente como, na cleptomania, o objeto é o que menos importa, e o ato de furtar condensa inúmeras funções e significados: satisfação afetiva, preenchimento de “vazio” e transgressão dos limites que se impõe à “aquilo ou quem” eu quero. Mas que o exame objetivo, racional dessa condição, tentando compreende-la, não nos faça esquecer que esta se dá em alguém que sofre, aprisionado que está. Não é uma escolha.

. Por: Nicolau José Maluf Jr. Psicólogo, Analista Reichiano, Doutor em História das Ciências, Técnicas e Epistemologia pelo HCTE/UFRJ. Coordenador do IFP-REICH.

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