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02/02/2018 - 07:40

Análise preliminar da licitação do transporte por ônibus em São Paulo

Nos últimos dias do ano passado, a Prefeitura de São Paulo, por intermédio da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes – SMT, colocou à disposição para consulta pública a minuta do edital que trata da “delegação, por concessão, da prestação e exploração do serviço de transporte coletivo público de passageiros, na Cidade de São Paulo”.

Para se ter uma ideia da complexidade desse processo licitatório, a minuta do edital e seus anexos somam mais de 39 mil páginas de documentos. As informações fornecidas contêm as justificativas para a realização do certame, a qualificação e as condições de participação das proponentes, as especificações técnicas de veículos, equipamentos, garagens e outras instalações, a proposta de uma nova rede de transporte e a minuta do contrato para as três modalidades consideradas: sistema estrutural, sistema de articulação regional e sistema de atendimento local.

É importante lembrar que a última licitação para a contratação do mesmo objeto, ou seja, a prestação e exploração do serviço de transporte coletivo público de passageiros, por ônibus, foi realizada no ano de 2002 e gerou contratos com as empresas concessionárias, para operar o subsistema estrutural, e com as permissionárias, para operar o subsistema local, que foram assinados em 2003.

Essa licitação foi feita com base na proposta de uma rede de transporte projetada e muito teórica que nunca foi totalmente implantada, mas que acabou criando problemas operacionais bastante sérios, tanto para o poder concedente, como para as empresas operadoras. O atual sistema de transporte por ônibus de São Paulo, com uma frota de quase 15 mil ônibus, é operado por 14 empresas concessionárias e por 12 empresas permissionárias. Essa frota circula em mais de 1,3 mil linhas e, diariamente, roda aproximadamente 3,5 milhões de quilômetros, transportando cerca de seis milhões de pessoas, que realizam 10 milhões de viagens.

Nem é preciso dizer que, ao longo de quase 15 anos de vigência dos atuais contratos, a falta de um planejamento estruturado, que determinasse revisões periódicas na maneira como as pessoas se deslocam pela cidade, bem como as demandas específicas e localizadas das comunidades e dos próprios passageiros introduziram mudanças e desequilíbrios que tornaram a atual rede de transporte por ônibus ineficiente e onerosa.

No processo licitatório colocado em consulta pública fica nítida a preocupação do Poder Público com a proposta de uma rede de transporte mais viável, mais racional e mais econômica e que possa ser instalada de forma gradativa e contínua. Mas, é de se esperar que as alterações propostas nas centenas de linhas e de atendimentos que compõem essa nova rede provoquem reações contrárias, principalmente se um determinado bairro deixar de ter uma linha exclusiva ou se os passageiros precisarem realizar mais baldeações, entre a origem e o destino das suas viagens.

Outro aspecto que merece especial atenção diz respeito ao material rodante. As exigências estabelecidas, quanto ao cumprimento da legislação ambiental e quanto à utilização de mais tecnologia embarcada nos veículos, são preocupantes porque determinam a renovação antecipada da frota, ou seja, o descarte de alguns veículos antes do término de sua vida útil.

Para o estrito cumprimento da Lei Municipal Nº 16.802/18, que trata da redução da emissão de poluentes, as tecnologias disponíveis no mercado ainda não foram suficientemente testadas e não há como estabelecer, com a precisão necessária, valores para os investimentos em veículos, equipamentos e instalações, e nem, tampouco, para o custo operacional dos ônibus que deverão utilizar combustíveis mais limpos. Por outro lado, a obrigatoriedade de se contar com ar condicionado em todos os ônibus, já a partir de 2022, impõe a aceleração da renovação da frota. Para o atendimento dessas exigências, as empresas terão que fazer altíssimos investimentos; mas, haverá recursos financeiros do poder concedente para suportar esses custos ?

No que diz respeito à remuneração das empresas, os serviços prestados pelas concessionárias deverão ser pagos com base numa fórmula que considera o custo dos insumos, divididos em custos fixos (pessoal e depreciação), custos variáveis (combustível, rodagem, peças e acessórios) e outros custos (despesas administrativas, tributos e lucro). Nada de novidade, exceto que o valor final da remuneração estará limitado a uma demanda de referência e sujeito a deduções decorrentes de fatores de desempenho, que consideram a disponibilidade da frota alocada e o cumprimento das viagens programadas.

Entretanto, essas deduções poderão ser compensadas por fatores de qualidade, que dependem de avaliações quanto ao cumprimento das partid as, à redução do número de acidentes com vítimas, ao controle da emissão de poluentes e à aferição da satisfação dos usuários, medida por pesquisas quantitativas, a serem realizadas periodicamente. Em resumo, um método inovador de remuneração que leva em conta a qualidade do serviço prestado; mas que, da forma como proposto, depende de avaliações um tanto quanto subjetivas.

Ainda no campo das novidades, na minuta do edital há exigências explícitas quanto ao desenvolvimento e criação de um programa de conformidade (compliance), incluindo a aplicação efetiva de código de ética e de conduta, para identificar e corrigir todo e qualquer ato ilícito praticado contra a Administração Pública. Essa obrigação, bem recebida pelas atuais empresas operadoras, vem ao encontro de todo um esforço que já vem sendo praticado, no sentido de aprimorar a gestão das empresas e aplicar as práticas da governança corporativa.

Mas, as milhares de páginas de exigências e obrigações impostas às empresas interessadas em participar da licitação, quer nos parecer, não estimularam a administração pública a assumir, minimamente, um compromisso maior com a prestação de um serviço de melhor qualidade. As futuras concessionárias não poderão prestar um serviço que atenda às exigências e expectativas dos clientes sem o envolvimento do poder público naquilo que é a sua função precípua, ou seja, priorizar o transporte coletivo sobre o individual, com a implantação de mais corredores, faixas exclusivas e gestão das vias por onde circulam os coletivos, dar preferência semafórica aos ônibus nos cruzamentos mais movimentados, criar campanhas para incentivar o uso do transporte coletivo e valorizar os serviços prestados pelas empresas operadoras.

. Por: Francisco Christovam, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo – SPUrbanuss. É, também, vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP e da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP e membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Engenharia.

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