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06/12/2018 - 09:58

Abuso de poder e aleijão jurídico

Luta histórica para livrarem-se do tacão autoritário do Ministério do Trabalho levou os sindicatos a conquistar liberdade e autonomia no processo constituinte de 1988, valores consagrados nos preceitos garantísticos do art. 8º da Constituição Federal.

Tendo o constituinte originário albergado, também, o requisito da unicidade sindical, o respectivo texto magno restou expresso pelo enunciado de que é livre a criação de sindicatos ("todo homem tem o direito de constituir e de participar de um sindicato", Declaração Universal dos Direitos do Homem), deliberada em assembleia geral da correspondente categoria, proibida sua duplicidade em determinado município, seu módulo mínimo.

Segue-se que nossa Lei Maior admitiu a existência de um sindicato por categoria e por município. Se considerarmos todas as categorias profissionais e todos os municípios do Brasil, veremos que a gritaria daqueles que, sem interesse legítimo, apregoam, inclusive como mote de campanha, o absurdo de termos mais de 15.000 sindicatos, entre sindicatos de trabalhadores, profissionais liberais e de empregadores, revela-se um alarde inconstitucional: basta multiplicar-se o número de categorias pelo número de municípios brasileiros para ver-se que, face ao comando constitucional, tal número é, inclusive, morigerado.

A regra da unicidade sindical, promulgada na Constituição, desde logo pôs em xeque o fenômeno jurídico da criação sindical: se bastante o registro nos Cartórios de Registro das Pessoas Jurídicas, como muitos sustentaram, inclusive o Colendo Superior Tribunal de Justiça, não se teria certeza quanto à observância da referida unicidade, pois os Cartórios não teriam condições e tampouco competência para certificar se a criação de uma nova entidade estaria a arrostar, ou não, o princípio constitucional. Depois de muitas idas e vindas da doutrina e da jurisprudência, naturais nos primeiros momentos de exegese de uma nova Constituição Federal, o excelso Supremo Tribunal Federal assentou uma sólida e iterativa corrente, liderada pelo ministro Sepúlveda Pertence, e firmou o entendimento segundo o qual, à falta de outro organismo, cabia ao Ministério do Trabalho, como autêntico organismo de controle estatístico - mas não mais que isso - certificar se, em determinada base territorial, se já se tinha em funcionamento sindicato da categoria em questão; em caso positivo, o novo sindicato não poderia ser criado, ocorrendo o contrário na hipótese oposta.

Salientou aquele douto e experimentado ministro que tal orientação o preocupava, no sentido de serem recriadas espécies de "Comissões de Enquadramento Sindical", próprias do "ancién regime", desde a era Vargas, a mola mestra do domínio dos sindicatos pelo Estado, como seu prolongamento, no mais eloquente modelo próprio do fascismo italiano. Posta a preocupação, a orientação do Supremo, contudo, passou a ser adotada; e ao Ministério do Trabalho deferida a atribuição de certificar a existência ou não de um sindicato anterior.

A preocupação do ministro era plenamente procedente e o Ministério do Trabalho começou a equivocadamente outorgar registros sindicais. Vale dizer: a formação dos sindicatos brasileiros voltou a depender de autorização do Estado; e, pior que na hipótese vencida das Comissões de Enquadramento Sindical, de uma Secretaria daquele Ministério, Secretaria de Relações do Trabalho, que logo impôs uma série de exigências por meio de Instruções Normativas e Portarias que deveriam ser necessariamente observadas pelos interessados. Foi-se a liberdade e a autonomia no processo de formação de sindicatos. Visto que, nas estruturas burocráticas de nosso País, dificultar para facilitar é o que há de mais corriqueiro nos atos de concussão e corrupção, tais exigências foram sendo aumentadas ou modificadas pelo secretário de Relações do Trabalho, titular de cargo almejado por todos, de enorme poder em nossa República. Tal Secretaria, não seria difícil prever, rapidamente transformou-se num balcão de negócios, onde o vil metal correu a rodo, de tal modo que nem todos, mas, pelo menos, os últimos burocratas que dela fizeram parte, estão encarcerados.

Tudo em razão de um equívoco fatal: a formação de sindicatos não depende de autorização do Estado, mas simplesmente de uma certificação, emanada daquela Secretaria.

Erros se sobrepõem e caminhos heterodoxos são abertos. Consequentemente, sem uma observação mais vertical e cuidadosa dos pronunciamentos do STF, o novo governo, segundo declaração do presidente eleito, Jair Bolsonaro, ao tempo em que enuncia a controversa extinção daquele Ministério, diz que a Secretaria malfadada ficará aos cuidados do ex-juiz Sérgio Moro, da Pasta da Justiça.

Nada mais exótico no mundo, nada mais contrário a inúmeras Convenções da Organização Internacional do Trabalho. Sindicatos somente poderão ser criados por autorização do Estado, dada pelo Ministério da Justiça, hipertrofiado e que sequer terá condições técnicas de manifestar-se sobre o princípio da unicidade sindical. Autoritarismo puro. Inconstitucionalidade chapada.

Para evitar-se a prática lodosa da corrupção em matéria de registros sindicais, basta uma leitura atenta das decisões proferidas pelo STF e concluir-se que o Estado deve limitar-se a certificar uma circunstância, não a conceder registros. Os sindicatos não são pessoas jurídicas cuja criação depende de autorização do Estado, distintamente de outras, previstas no art. 45 do Código Civil Brasileiro, "verbis": "Começa a existência das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedido, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo."

No caso de sindicatos, não só não é necessária autorização ou aprovação do Poder Executivo, como a Constituição da República afasta expressamente tais atos estatais. Logo, certificado se há espaço, ou não, para criação de um único sindicato, de uma única categoria profissional, em determinado município, segue-se o registro no Cartório de Pessoas Jurídicas, segundo a Lei de Registros Públicos. Se houver controvérsia sobre os fatos, ao Judiciário, por seu órgão competente, caberá conhecer da lide.

Esse o procedimento, sic et simpliciter.

. Por: Amadeu Garrido de Paula, Advogado, sócio do Escritório Garrido de Paula Advogados.

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