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21/02/2019 - 09:20

Avanço na liberalização da Telemedicina no Brasil se defronta com numerosos desafios

A Quarta Revolução Industrial em que estamos inseridos, marcada pelo avanço veloz no desenvolvimento e implementação de novas tecnologias, tem transformado a forma como vivemos, trabalhamos e até mesmo nos relacionamos e, como toda revolução, tem a força de mudar paradigmas. E, como não há campo imune às transformações, a medicina também tem se defrontado com novos problemas desafiadores.

No Brasil, a recente edição da Resolução CFM nº 2.227/2018, de 13/12/2018, com prazo de 90 dias para entrada em vigor, ao acelerar o passo no processo de liberalização da telemedicina no país, decide sobre temas que ainda são objeto de muitas controvérsias.

De acordo com definição da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1999) a telemedicina é a “oferta de serviços de cuidados à saúde a distância, utilizando as tecnologias de informação e comunicação, para a troca de informações válidas na promoção e prevenção à saúde, diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças e para a educação, pesquisa e gestão em saúde”. É certo que a regulamentação de um setor é condição indispensável para seu funcionamento e desenvolvimento e, no caso da telemedicina, tal processo envolve aspectos profissionais, legais e éticos além de significativos interesses econômicos. Se por um lado a criteriosa regulamentação do setor é vista como fundamental para a garantia da segurança e demais direitos dos cidadãos, por outro, se conservadora demais, é apontada como obstáculo para o desenvolvimento da área que, atualizada pelos avanços tecnológicos pode proporcionar ganhos de produtividade, qualidade e, especialmente, abrangência ao acesso à saúde, tendo esse último aspecto, grande importância para um país de dimensão continental e marcado por muitas assimetrias regionais como é o caso do Brasil.

Nas duas últimas décadas o CFM em interações com o Ministério da Saúde, Anvisa e Conselhos Regionais de Medicina, produziu uma série de resoluções que estabeleceram limites éticos e técnicos para as práticas da telemedicina no país. Tais resoluções buscaram estar em sintonia com o que determina a Constituição Federal, como por exemplo, o artigo 5º que assegura a inviolabilidade do direito à segurança, incluindo o sigilo de dados, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem. Compatibilizar essas garantias com o direito de acesso à saúde, conforme artigo 196 da mesma C.F., tem sido um dos desafios para o desenvolvimento deste complexo campo de inovação que é a telemedicina.

Nos últimos anos, acompanhando os avanços tecnológicos no campo da medicina e, particularmente, da telemedicina, pesquisadores de várias universidades brasileiras de diferentes campos de conhecimento desenvolveram importantes estudos sobre os potenciais benefícios e riscos da telemedicina em suas várias modalidades como teleconsulta, telediagnóstico, telemonitoramento e a teleconferência.

Neste contexto, em outubro de 2018 foi concluída uma pesquisa realizada no âmbito do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e do MackPesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, pelo grupo interdisciplinar de professores e pesquisadores formado por Andresa S. N. Francischini, Arnaldo F. Cardoso, Fátima G. Romito, Maria S. G. Saldanha e Paulino G. Francischini (USP), que teve como objetivos específicos conhecer como se dá o processo de internacionalização de serviços médicos e compreender a importância da regulamentação e normatização do setor, vis-à-vis com o que ocorre em outros países. A pesquisa terá seus resultados publicados brevemente em revista acadêmica especializada.

Ponto de partida para os pesquisadores foi o reconhecimento do que pode ser chamado de um verdadeiro complexo industrial da saúde, interligando empresas de diferentes setores como o de máquinas e equipamentos, software especializado para telemedicina, telecomunicações, seguros de saúde e, indiretamente, a poderosa indústria farmacêutica; setores predominantemente operados por grandes empresas internacionais.

Por meio de levantamento bibliográfico das mais recentes pesquisas sobre telemedicina, análíses de resoluções, pareceres e despachos do CF e CRM’s entre os anos de 2001 e 2018 e, realização de entrevistas junto a profissionais da área da saúde, destacadamente médicos de especialidades, a pesquisa constatou que há no país centros de excelência, públicos e privados, com consideráveis recursos humanos e tecnológicos habilitados para várias das modalidades da telemedicina, com casos bem sucedidos em Porto Alegre (RS), Recife (PE), São Paulo (SP), através de convênios entre universidades, hospitais públicos e privados. Estas boas experiências no país ocorreram especialmente por meio de convênios de pesquisa e qualificação profissional, envolvendo instituições públicas e privadas de excelência, sem a comercialização direta de serviços junto a pacientes.

Identificou-se também a presença de muitas empresas, nacionais e estrangeiras, com manifestos interesses em investir e operar em diferentes elos dessa extensa cadeia da telemedicina ainda pouco explorada no Brasil.

As experiências de países onde a telemedicina desfruta de maior liberalização, além de conquistas importantes registram também inúmeros problemas como o de empresas que driblam restrições e códigos de conduta e ofertam por sites de internet e call centers serviços médicos precários, muitas vezes disfarçados de “aconselhamento médico” com apelos a facilidade e economia, expondo a sérios riscos aqueles que compram tais serviços. A quebra do emblemático relacionamento médico-paciente abre brechas para muitas distorções.

Tais experiências mostram que concomitante à liberalização da telemedicina, faz-se imperioso o estabelecimento de criteriosos processos para a sua operação e, sobretudo, um rigoroso sistema de fiscalização da atividade. Também uma ampla e cuidadosa campanha de esclarecimento e orientação dos cidadãos, conduzida por autoridades públicas de saúde do país é fundamental para que a telemedicina atinja verdadeiramente seus melhores propósitos, propiciando a todas as regiões do país maior agilidade e qualidade no acesso a serviços de cuidados à saúde.

A história da humanidade pode ser contada através dos avanços tecnológicos que marcaram cada época e muito pode se aprender com essa história. Em pleno século XXI sabe-se dos riscos de uma concepção essencialista e triunfalista da ciência e da tecnologia. As radicais mudanças provocadas pela Quarta Revolução Industrial, da qual a telemedicina é uma das expressões, tem dado mostras da necessidade da atualização e robustecimento da Ética por meio de uma democrática e responsável participação social que promova uma equilibrada articulação entre inovações tecnológicas e desenvolvimento social.

. Por: Arnaldo F Cardoso, professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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