Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

01/06/2019 - 07:52

Possível impacto da saúde do trabalhador na saúde do homem

Durante recente conversa pública entre o presidente Jair Bolsonaro e o apresentador Silvio Santos, um dos temas citados foi a preocupação com a saúde do homem, uma vez que, tradicionalmente, o gênero masculino procura menos o sistema de saúde, apesar de a Política Nacional de Saúde do Homem (PNAISH) — criada por portaria em agosto de 2009 — completar 10 anos em breve.

O objetivo principal da política é a redução da mortalidade e morbidade da população masculina, sendo claramente relevante para todos os envolvidos na medida em que seus eixos temáticos estão voltados para doenças mais prevalentes na população masculina, prevenção de acidentes, saúde sexual/reprodutiva, acesso/acolhimento e paternidade/cuidado. Na prática, por outro lado, seu impacto foi bastante limitado, havendo quem diga que, por ter sido uma iniciativa pública e não de grupos populares como no caso das mulheres, o êxito realmente seria muito mais difícil.

Iniciativas como o “Novembro Azul” para conscientização da população masculina acerca do câncer de próstata merecem todo o apoio e respeito, mas podem também ser criticadas, pois além de incentivarem eventuais iatrogenias, apontam todos os holofotes para uma doença masculina que não é a principal causa de morte dos homens, embora seja o tipo de câncer mais prevalente nessa população. Nesse sentido, uma ampliação do foco do “Novembro Azul” para chamar a atenção aos outros fatores mais prevalentes de mortalidade seria também bem-vinda. Seria essa uma forma de vencer a resistência masculina em procurar serviços de saúde, uma vez que o rastreio do câncer de próstata pode não parecer muito atraente?

Fato é que a cultura masculina nacional realmente não colabora com as ações de prevenção, que poderiam aumentar a expectativa de vida do homem brasileiro, que é 7,1 anos inferior à das mulheres, segundo dados do Ministério da Saúde. O próprio Ministério reconhece que a população masculina busca o sistema de saúde através da atenção especializada — o que traz como consequência o agravamento de sua condição. Portanto, os homens frequentam pouco a atenção básica aonde a promoção e a prevenção acontecem.

Refletindo sobre o que ainda não foi tentado e que poderia ser implementado com possíveis impactos significativos nesta seara, deve-se considerar a utilização de informações que podem ser geradas nas visitas ao médico do trabalho, nos exames admissional, periódico e demissional, para os trabalhadores inseridos na economia formal.

A obrigatoriedade de tais exames é de amplo conhecimento público e está bem disposta na NR 7, emanada da Portaria nº. 3.214 de 1978 do extinto Ministério do Trabalho. O que, por vezes, pode ser esquecido é o que deve ser abordado nestas consultas, mas a norma mais uma vez é bastante clara: “avaliação clínica, abrangendo anamnese ocupacional e exame físico e mental”. Criou-se, portanto, antes mesmo da criação do SUS, uma obrigatoriedade de avaliação clínica com exame físico e mental que seria uma oportunidade para identificação de situações, comportamentos e necessidades de saúde que poderiam ser abordados e acompanhados nas Unidades Básicas de Saúde.

É fácil afirmar que as informações geradas nas consultas aos médicos do trabalho não chegam na atenção básica, e por isso não são usadas para permitir que as doenças crônicas sejam seguidas e tratadas com antecipação, para que seu impacto na saúde dos trabalhadores e na economia sejam minimizados.

Boas oportunidades não podem ser desperdiçadas e na saúde não pode ser diferente. A questão é como fazer essa interface com o menor desgaste possível entre as partes envolvidas para que a informação, que pode ser obtida pelos médicos do trabalho, chegue onde ela pode fazer diferença e seja útil a quem pode usar a informação em ações de prevenção, por exemplo.

Em uma reflexão rápida, chega-se a algumas formas diferentes de implementar essa interface através de regulamentação governamental. Seguem em ordem crescente de dificuldade de efetivação:

Na situação atual, em que sabemos que o prontuário eletrônico está implantado em um número pequeno de municípios, levando-se em conta o âmbito nacional, poder-se-ia criar um sistema web simples de notificação do médico do trabalho para o SUS, que distribuiria essas notificações por UBS através de um e-mail para o gerente da unidade, com vínculo através do CPF e endereço obtido através de registros oficiais.

Uma vez que o prontuário eletrônico esteja pronto e implementado em todas as Unidades Básicas de Saúde, poderia ser exigido que os médicos do trabalho registrassem no próprio prontuário eletrônico, através de um acesso especial, as condições daquele trabalhador que demandem uma busca ativa por parte da UBS.

Em um sistema mais radical e de muito mais difícil implantação, poderia ser vinculado/integrado de alguma forma o atendimento dos trabalhadores nos referidos exames a um atendimento de UBS. É um caminho mais difícil, por toda a turbulência que causaria, pela demora de implementação e em razão de todos os custos associados que diminuiriam sua eficácia.

Voltando a focar na saúde do homem, que comparativamente preocupa mais que a saúde feminina — tradicionalmente mais bem cuidada —, essa informação advinda da saúde do trabalhador pode gerar um agendamento de uma consulta proativa pela UBS adstrita, na qual o Agente Comunitário de Saúde, ao comunicar pessoalmente na casa do usuário, pode ressaltar novamente a importância da consulta oferecida ativamente, cuja necessidade foi sugerida pelo médico do trabalho.

O médico do trabalho portanto, além das importantes funções tradicionais atuaria como um informante oficial de condições de saúde que deveriam seriam acompanhadas na UBS, o que pode contribuir em última instância até para o aumento da expectativa de vida masculina no Brasil, além de se constituir também mais uma oportunidade de captura de situações femininas que possam passar despercebidas.

A transição demográfica e epidemiológica pela qual estamos passando demanda mais atenção e mais inteligência no investimento público em saúde para aumentarmos a eficiência do SUS, que já é sem dúvida um complexo caso de sucesso em constante evolução, mas que atualmente precisa conviver com as crescentes restrições orçamentárias.

. Por: Rodrigo Maluf Barella, empresário, engenheiro com mestrado e doutorado pela USP, advogado e acadêmico do terceiro ano de medicina da USCS

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira