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17/10/2019 - 08:38

Prisão em segunda instância ou presunção de inocência: quem vencerá?


O Supremo Tribunal Federal julga o mérito das Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 43 e 44, cujo objeto consiste na verificação da harmonização do artigo 283 do Código de Processo Penal ao artigo 5º, LVII, da Constituição da República. A tão discutida prisão em segunda instância.

Em decisão liminar proferida em 2016 a Corte Suprema decidiu por suspender, provisoriamente, a vigência do artigo 283 do CPP, reconhecendo sua inconstitucionalidade, ou seja, que não estava em consonância com o supramencionado preceito constitucional (art. 5º, LVII), para tanto fizeram uma reinterpretação do alcance do princípio da presunção de inocência, considerando que a decisão condenatória proferida pelos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais seria suficientes para afastar o estado de inocência e permitir o início do cumprimento provisório da pena. A mencionada decisão, proferida pela Corte guardiã da Constituição, a respeitou?

Referida decisão foi palco de intensos debates no meio jurídico, bem como nos mais vários meios de comunicação jornalísticos, e acendendo a questão da possibilidade ou não de se dar início ao cumprimento de uma sentença penal condenatória antes de esgotadas todas as vias recursais.

Não há como enfrentar esta celeuma sem cotejar a oportuna alteração legislativa introduzida pela minirreforma do Código de Processo Penal (Lei 12.403/2011), que trouxe importantes e sensíveis novidades ao estatuto processual de 1941, editado em pleno Estado Ditatorial de Getúlio Vargas, sem examinar a nova redação do mencionado artigo 283 com a Constituição Federal.

Com efeito, o citado artigo 283 dispõe da seguinte redação: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

O grande dilema estabelecido no Supremo e espraiado para os meios de comunicação, bem como para os bares e botequins do Brasil, é saber se é constitucional condicionar o início de cumprimento de pena ao trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória. Ou seja, o cidadão pode ser preso, em decorrência de uma sentença condenatória, fora das hipóteses de prisão em flagrante ou prisões cautelares (temporária e preventiva), antes de esgotados todos os recursos constitucionalmente previstos?

Para responder este questionamento há que se perpassar pelo que a Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso LVII, que preconiza como sendo o momento em que a presunção de inocência ou de não culpabilidade perde espaço para a “certeza” da responsabilidade penal do indivíduo. Está contido no supramencionado preceito constitucional - cláusula pétrea e direito fundamental do ser humano - que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Em uma análise simples do artigo 283 do Código de Processo Penal, na parte concernente ao condicionamento do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória para o início de cumprimento da pena, em cotejo como o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição, não há como deixar de reconhecer a constitucionalidade material da norma processual, dizer o contrário, data maxima venia, é romper com o pacto constitucional estabelecido com o Poder Constituinte Originário. Explico.

O Poder Constituinte Originário é o responsável por estabelecer uma nova ordem jurídica em um país, rompendo com a estabelecida anteriormente. Em 5 de outubro de 1988, portanto, há trinta anos, os brasileiros forma brindados com uma novel constituição, moderna para seu tempo, que trouxe em seu bojo regras e princípios, que não podem ser abolidos sequer por emendas constitucionais, que são os direitos e garantias individuais (artigo 5º da CF), conforme preconizado no artigo 60, §4ª, inciso IV (§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais).

Dessa forma, sem muito esforço interpretativo, não há como manietar o alcance da presunção de não culpabilidade estabelecido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição e considerar, consequentemente, inconstitucional a condicionante do trânsito em julgado prevista no artigo 283 do Estatuto Processual Penal.

Aqui cabe relembrar a preciosa fala do Ministro Celso de Mello, quando do julgamento da liminar da Ações Declaratórias de Constitucionalidades (ADCs) nº 43 e 44, em que Sua Excelência, com a clareza e ponderação que o acompanharam durante sua longe e irretocável história na magistratura nacional, enfaticamente, defende a incompatibilidade da execução provisória da pena com o direito fundamental do réu de ser presumido inocente conforme expressamente garante a Constituição da República Federal. Segundo o Ministro, a presunção de inocência é uma conquista histórica dos cidadãos na luta contra a opressão do Estado e tem prevalecido ao longo da história nas sociedades civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana.

Porém, o Ministro Presidente Dias Toffoli, tem sinalizado que irá propor uma decisão intermediária, no sentido de reconhecer que a presunção de inocência se encerraria com a confirmação da condenação pelo Superior Tribunal de Justiça! Com todo respeito Eminente Presidente vosso entendimento, tal como daqueles que insistem no reconhecimento da constitucionalidade do início do cumprimento da condenação com a decisão de segunda instância, farão tabula rasa do conceito de cláusula pétreas e rasgarão a Constituição da República.

Tomando de empréstimo o questionamento feito por eminente processualista Gustavo Badaró, cumpre aqui indagar aos que defendem a esdrúxula possibilidade de início de cumprimento de pena antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória: “seria da essência da presunção de inocência que tal estado do acusado vigore temporalmente até que a condenação transite em julgado?”

A resposta a esta indagação pode ser extraída de outra lição do Ministro Celso de Mello, senão vejamos: "A nossa Constituição estabelece, de maneira muito nítida, limites que não podem ser transpostos pelo Estado (e por seus agentes) no desempenho da atividade de persecução penal. Na realidade, é a própria lei fundamental que impõe, para efeito de descaracterização da presunção de inocência, o trânsito em julgado da condenação criminal."

Destarte, não há como deixar de reconhecer, amparado no texto constitucional, que a presunção de inocência afasta, em absoluto, a possibilidade de execução antecipada da condenação criminal, ou seja, até que sobrevenha condenação penal irrecorrível ninguém poderá ter contra si o início do cumprimento da pena. Nesse sentido assevera o Ministro Ricardo Lewandowski: “Não vejo como fazer uma interpretação contrária a esse dispositivo tão taxativo”. Posicionar-se de maneira contrária é subverter o mandamento constitucional.

Como agirá a Corte que tão a missão de salvaguardar as normas constitucionais? Irá rasga-la para atender o anseio popular ou irá preservá-la evitando que uma cláusula pétrea seja aniquilada?

. Por: Marcelo Aith, especialista em Direito Criminal e Direito Público.

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