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31/10/2019 - 09:09

Cacau sustentável, uma revolução anunciada


Para além de análises apontando tendências de crescimento ou retração da produção e consumo do cacau e chocolate no mundo, o que de mais significativo vem ocorrendo neste setor é um movimento formado por diferentes atores, de diferentes países – com liderança alemã – propugnando uma mudança qualitativa na compreensão e organização do setor, revendo práticas, processos e as relações entre seus atores.

Enquanto escrevo estes parágrafos ocorre em Berlim a conferência “Sustainability and Competition Policy: Bridging Two Worlds to Enable a Fairer Economy” reunindo acadêmicos, formuladores de políticas, produtores e outros interessados, para uma discussão sobre os principais obstáculos para a elaboração e implementação de projetos de sustentabilidade no setor do cacau-chocolate.

Essa conferência se insere num conjunto de atividades que integram a “Iniciativa alemã sobre cacau sustentável” – GISCO na sigla em inglês. Em janeiro passado, na Semana Verde Internacional de Berlim, foi apresentado um Plano de Ação de 10 pontos com metas e compromissos assumidos por órgãos governamentais e organizações internacionais como a World Cocoa Foundation entre outras, para a busca de sustentabilidade do setor.

A Alemanha costuma ocupar a segunda posição em rankings internacionais de consumo per capita de chocolate com cerca de 8 kg ano, logo depois da Suiça. O mercado alemão comercializa cerca de 640 mil toneladas de chocolate ao ano com faturamento correspondente de US$ 7,5 bilhões.

Sobre a produção mundial de cacau vale nota o fato dela ter crescido 20% na última década, atingindo 4,6 milhões de toneladas. Costa do Marfim é responsável por 44% da produção mundial, Gana 14%, Indonésia 6%, Equador 6%, Camarões 5%, Nigéria 5% e Brasil 4%.

Também na última década evoluiu de 36% para 47% o volume de processamento de cacau no país de origem, o que vem se afirmando como tendência a ter continuidade nos próximos anos.

Como mostra o pesquisador Lucas Rasi em estudo publicado em 2018, a Europa ainda concentra 37% do processamento mundial de cacau enquanto os países africanos responsáveis por mais de 70% da produção mundial do fruto processam apenas 20% dessa produção. Importante ressaltar que nesta cadeia produtiva são nos elos do processamento de amêndoas, da produção do chocolate e na distribuição e varejo que se dão os mais significativos processos de agregação de valor, isto é, de geração de riqueza.

O Plano de Ação criado no âmbito da “Iniciativa alemã sobre cacau sustentável” se estruturou a partir de um entendimento de que cacau sustentável vai muito além da certificação e que o setor não será sustentável enquanto os produtores de cacau não conseguirem extrair de seu trabalho os recursos para uma vida digna.

Na Declaração de Berlim, documento produzido ao final do evento ocorrido em janeiro passado na capital alemã encontra-se a seguinte avaliação: “A pobreza dos produtores de cacau é uma das principais causas do trabalho infantil – além do desmatamento nas regiões em crescimento – e continua sendo um dos desafios mais significativos no setor de cacau. A situação de renda das famílias de produtores de cacau é também de particular importância para nós [...].”

Em parceria com o governo da Costa do Marfim o projeto Pro-Planturs vem atendendo cerca de 20.000 produtores de cacau no país africano, com orientações e assistência técnica pautadas pelos princípios de sustentabilidade ambiental, econômica e social. Para o período 2020-2025 já estão estabelecidas planos para aferição de impacto social do projeto. Evidência de que esse processo não se resume apenas a uma iniciativa de um rico país europeu com fortes interesses econômicos no setor foi a tensa reunião ocorrida em 11 de junho passado, entre representantes dos governos de Costa do Marfim e Gana e das principais multinacionais de chocolate (Mars, Barry Callebaut, Mondelez, Olam, SucDen, Hershey, Cargill, Bloomer Chocolate e Touton) significando um novo marco nas relações entre produtores de cacau e fabricantes de chocolate, com os primeiros numa inédita articulação ameaçando interromper o fornecimento da matéria-prima se não houver uma elevação no patamar de preços mínimos para o comércio do cacau. O preço mínimo proposto pelos representantes dos produtores de cacau foi de 2.300 euros (cerca de 10.800 reais). A essa reunião uma série de conversações se seguiram para o estabelecimento de novos parâmetros para a próxima temporada (2020-2021).

Estima-se que apenas cerca de 6% da riqueza gerada pelo setor do cacau-chocolate fique com os produtores do fruto. Em Costa do Marfim e Gana, responsáveis por mais da metade de todo o cacau produzido no mundo é marcante a pobreza de seus produtores agrícolas.

Para o Brasil que já esteve no topo dos ranklings de maiores produtores mundiais de cacau, que tem um mercado consumidor de chocolate com grande potencial de crescimento em função de seu ainda baixo consumo per capita, que domina todos os elos da cadeia produtiva e que ainda se encontra fora das cadeias globais de valor, há muitas lições a serem extraídas de iniciaitivas como a alemã, e muitos desafios para ter seu setor cacau-chocolate integrado nessas redes de relacionamentos onde as trocas de conhecimentos ativam processos modernizantes como o da busca pelo cacau sustentável.

Embora venham ganhando espaço iniciativas de produtores brasileiros na direção de agregação de valor nos primeiros elos da cadeia produtiva, de busca de certificações de produto e de regiões produtoras, da segmentação de mercado do chocolate, da participação em feiras internacionais, falta ainda da parte de agentes públicos uma visão sistêmica e bem informada norteando e integrando políticas públicas nas esferas municipal, estadual e federal para o setor.

Em tempos de grandes desafios como o presente são grandes também os riscos, mas podem ser ainda maiores as possibilidades de sucesso, desde que as ações sejam bem planejadas e conduzidas, com o devido sentido estratégico. O setor do cacau-chocolate do Brasil reúne condições para um desempenho superior e é chegada a hora de realizar esse potencial.

. Por: Arnaldo Francisco Cardoso, pesquisador e professor da Universidade Presbiterianana Mackenzie. Atua nas áreas de Comércio Exterior e Negócios Internacionais. E-mail: [email protected]

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