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07/05/2008 - 10:10

Grau de investimento


"Com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra. Isto é a vida; não há planger, nem imprecar, mas aceitar as coisas integralmente, com seus ônus e percalços, glórias e desdouros, e ir por diante", filosofava Machado de Assis. O ensinamento, embora extraído de um texto no qual prevalece a ironia, mantém sua validade.

Depois de inúmeros suspiros, chegou esse bendito "grau de investimento", outorgado pela S&P. É algo a ser festejado, sem dúvida, embora fosse oportuno não deixar que os pés abandonem o saudável contato com chão. Essa apreciação positiva de nossa economia, que irá proporcionar-nos uma série de vantagens, veio, por enquanto apenas de uma das três grandes. Mas como uma haveria de ser a primeira, que seja essa.

Abriu-se a possibilidade de vários fundos, para os quais o 'grau de investimento' é condição necessária para poder aplicar em determinado país, trazerem para cá seus preciosos caraminguás. Isso, em plena tempestade que sacode a maior economia do mundo.

A Bolsa de Valores festejou o acontecido, retratando, como sempre, a antecipação que os investidores fazem das benesses futuras. Ocorre que ninguém pode afirmar, no momento, qual será o impacto sobre os resultados futuros das empresas. Por enquanto, tudo se passa como se a luz verde de uma largada de GP de Fórmula 1 tenha sido acesa. Altas, baixas, realizações de lucros não constituem novidades. O índice Bovespa flertou com a barreira dos 70.000 pontos, objetivo que muitos julgavam atingível somente no final do ano. Estaria alcançado um patamar estável? Como prever?

Mais uma vez, jogamos o jogo de tentar antecipar resultados, o que é perfeitamente lícito, mesmo se o conjunto designado por "estrangeiros" não esteja composto por um bando de tontos, prestes a colocar a mão, perdão, a grana, em qualquer cumbuca. Pelo porte de nossa economia, há mais oportunidades do que em outras de melhor pontuação. No referencial da S&P não somos ainda uma Polônia – não vai aqui nenhuma falta de respeito – mas as notas não se pautam pelo tamanho das economias e sim pelo critério da confiabilidade.

Não ganhamos ainda uma "faixa preta" – no linguajar do judô, isso mais se assemelha a uma faixa verde. Há uma série de tarefas a serem cumpridas daqui para frente, e não se trata de atender aos caprichos de burocratas e, sim, procurar evoluir dentro de um roteiro pautado pelo bom-senso. Nesse ponto, o suíno de gênero feminino torce o segmento terminal de sua coluna.

As sugestões vindas da agência S&P não representam uma ingerência nos assuntos internos do Brasil. São apenas recomendações para podermos galgar mais degraus nessa escadinha virtuosa. A consolidação dos fundamentos macroeconômicos, até agora ao abrigo de fantasias que vicejam no Ministério da Fazenda e outros IPEAs foi prova do pragmatismo do Executivo.

Ninguém pode negar a existência de gargalos que tolhem o progresso de nossa economia e seria tedioso falar nos já exaustivamente repertoriados. Tedioso, porém, não de todo desnecessário.

Passada a justificada euforia, resta a tarefa de prosseguir num caminho que tem se mostrado acertado, evitar o canto das sereias "desenvolvimentistas" bem como os exageros contidos na litania contrária. Há evidências de que não estamos no meio de uma travessia isenta de riscos. Algumas contas de nossa economia estão marcadas pelo piscar de luzes de alerta. Prevalece no meio oficial a tendência de priorizar a analise de valores de determinados indicadores "no ponto", sem levar em consideração as tendências, ou as derivadas, como diriam outros. Nossa balança comercial aponta um saldo positivo de algo como um terço do valor do mesmo período de 2007. No entanto, nenhuma projeção do saldo anual aponta para um saldo comercial inferior a 20 bilhões de dólares. Apesar disso, as contas externas, apesar de sua aparência saudável, acusam uma inegável deterioração, a inflação do feijãozinho, de acordo com o ministro Mantega, está presente; a arrecadação bate recordes, mas sufoca as empresas, os gastos do setor público não dão mostras de diminuir, a "burrocracia" cobra seu pedágio. Sobram lições de casa.

Transformar a mãe do PAC num "cachorro de lata ao rabo", onde o tal PAC faz às vezes de lata pode gerar ruídos saudáveis,de palanque em palanque, mas não pode nos levar à beatitude do dever cumprido. O jogo continua.

. Por: Alexandru Solomon, escritor, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas. Tem seu recente romance´Não basta sonhar` (Ed. Totalidade) disponível nas livrarias Cultura (www.livrariacultura.com.br), Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br) e Laselva (www.laselva.com.br).

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