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04/03/2020 - 07:46

FGV Social comenta os cortes no Bolsa Família

E o aumento da extrema pobreza no Brasil

Marcelo Neri, diretor do FGV Social realizou no dia 03 de março (terça-feira), palestra na Câmara dos Deputados em audiência sobre projeto que reformula o Bolsa Família.

Entre 2014 e 2018, a renda dos 5% mais pobres no Brasil caiu 39% e, como consequência, o contingente da população em extrema pobreza aumentou em 71,8% neste interim com incorporação de cerca de 3.4 milhões de novos pobres extremos. Este aumento na extrema pobreza ocorreu em função da recessão econômica, mas também por desajustes no Bolsa Família (PBF). Neste caso, por conta de perdas reais no valor do benefício do programa, que não foi corrigido segundo à inflação em 2015 (quando esta girava em torno de 10%) e em 2017 (já com inflação menor). Mais recentemente houve redução no número de beneficiários. É estimado que 900 mil famílias foram desligadas do programa em 2019, acarretando no surgimento de uma fila média anual de 500 mil famílias que deveriam estar sendo atendidas, mas ainda estão esperando para serem cobertas pelo Bolsa Família. Há outras estimativas que apontam que quase 1 milhão de famílias estavam na fila para serem atendidas em 2019.

Portanto, o principal instrumento de combate à pobreza regrediu durante a crise econômica iniciada no final de 2014, o que levou à perda de bem-estar e ao crescimento no contingente de brasileiros em situação de extrema vulnerabilidade social.

O Bolsa Família é um programa de combate à extrema pobreza que cobre um quinto da população brasileira (pouco mais de 40 milhões de pessoas). Focalizado em crianças e famílias abaixo das linhas de extrema pobreza e pobreza estimadas pelo governo, o benefício é oferecido através de um cartão magnético em posse das mães e/ou mulheres da família em 90% dos casos. O valor de elegibilidade inicial ao benefício básico, hoje em 89 reais por pessoa, é bem próximo da linha mais baixa de pobreza das metas do milênio da ONU no valor de U$S 1,25 por dia ajustado por paridade de poder de compra que serviu de inspiração na adoção da linha oficial de pobreza e dos critérios do Bolsa Família em 2011. O custo do programa é de apenas 0,4% do PIB, um valor ínfimo comparado aos seus impactos diretos na vida dos mais pobres e na economia brasileira. Por exemplo, para cada R$1 gasto com o Bolsa Família são gerados R$1,78 para a economia brasileira. Isso significa que cada real gasto com o Bolsa Família impacta três vezes mais o PIB que os benefícios da previdência social e 50% mais que o BPC, outra política voltada aos pobres.

Estimar os impactos do Bolsa Família, como seus efeitos diretos na pobreza ou mesmo o tamanho do programa, é um processo complexo, pois houve mudanças nas pesquisas domiciliares com a passagem da PNAD para a PNADC, além de mudanças na disponibilização dos dados oficiais do programa, fatos que geraram um verdadeiro quebra cabeças. As pesquisas domiciliares são fundamentais para caracterizar outras dimensões, conecta-las e comparar com os registros administrativos do programa.

Segundo nossos cálculos sobre a PNADC, que disponibiliza informações acerca do Bolsa Família desde 2016, o programa é o melhor focalizado entre todas as transferências de renda oficiais no país. Seu índice de Concentração em 2018* era oito vezes melhor focalizado nos mais pobres que o do BPC, programa focado em deficientes e idosos em situação de pobreza. O Índice de Concentração cresceu 3,76% entre 2016 e 2018 para o Bolsa Família, talvez resultado de um “pente fino” para evitar fraudes no programa. Isto indica melhor focalização nos mais pobres, entretanto, nesse mesmo período o número de beneficiários caiu (-2,51%) e a participação na renda também (-10,37%), o que mostra a redução no seu tamanho, seja através de um menor número de beneficiários ou uma compressão no valor real do benefício. Entre os que recebem esse benefício, o valor médio caiu 4,4% entre 2016 e 2018. Já quando consideramos toda a população, a queda chega a 6,75% nesse mesmo período.

Estimativas utilizando a PNAD tradicional, mostram que entre 2014 e 2015, período em que recessão econômica e aceleração inflacionária andavam lado a lado, a renda proveniente do Bolsa Família caiu 13,61%, em média, para a população total, e 12,44% para os 5% mais pobres brasileiros. Essa queda no PBF entre os brasileiros mais necessitados contribuiu praticamente com a metade da queda de 14,22% da renda domiciliar per capita desse último grupo.

Utilizando dados provenientes da folha de pagamento do programa, calculamos que depois de marcados ganhos reais per capita entre 2011 e 2014 de 20,82% o valor real do benefício do Bolsa Família por cada brasileiro caiu 13,39% entre dezembro de 2014 e de 2019. A variação ano a ano de poder de compra foi -14,19% em 2015, 0,76% em 2016, -1,87% em 2017, 2,53% em 2018 e -0,44% em 2019. Esta sequência de quedas do programa em anos ímpares que correspondem a períodos pós eleitorais sugerem continuidade de uso do programa de acordo com o calendário das eleições. É importante ressaltar que 2019 leva em consideração o benefício adicional oferecido pelo governo somente para o mês de dezembro de 2019 diluído ao longo do ano. Porém, na realidade esse benefício extra às famílias dobrou os gastos com a folha do programa somente nesse mês. Além disso, o governo não se comprometeu com esta prática nos próximos anos. Caso considerássemos o aumento integral na folha de dezembro nas nossas estimativas, os ganhos reais seriam de 83,8% neste mês e perdas aproximadas de 8,1% nos demais 11 meses do ano. Entretanto, esse aumento na folha concentrado em apenas um mês traz impactos de aumento de pobreza. Acreditamos que uma melhor solução seria diluir esse benefício ao longo do ano, oferecendo um acréscimo igual na folha de cada mês como um simples reajuste teria.

De acordo com a escolha de diluição, as perdas de pobreza dos beneficiários poderiam ser menores, uma vez que o benefício impactaria o orçamento das famílias de forma equilibrada ao longo do ano e não estariam concentrados em apenas um mês (especialmente em Dezembro, época reconhecida por gastos extraordinários, como contratação de empregos temporários associados ao Natal, 13º salário e benefício previdenciário). Este cenário de Natal com benefício excepcional e o resto do ano todo mais miserável teria como efeito um incremento de pobreza maior. Outro ponto é que o 13º benefício do Bolsa Família não afeta o critério de elegibilidade ao programa, o que reduz o seu impacto sobre a pobreza vis–à-vis a um reajuste no valor básico do programa, que afeta tanto o valor dos benefícios como o número de beneficiários.

Segundo Marcelo Neri, diretor do FGV Social, os desajustes no Bolsa Família dos últimos 5 anos significaram um ajuste fiscal nos ombros dos mais pobres que quase não contribuiu para a questão fiscal do país e ainda desprotegeu os brasileiros mais vulneráveis durante um período de crise econômica. Sem contar que isto tornou a recuperação da economia ainda mais devagar, uma vez que menos renda nas mãos dos mais pobres significa menos consumo em geral, visto que este grupo da população tende a consumir uma maior parte do seu orçamento familiar. Assim, as “rodas” da economia rodaram mais devagar com os desajustes no programa.

. *Um indicador que mostra o quanto da renda do programa atinge quem mais precisa. Quando chega ao mais pobre atinge o valor -1, já quando chega ao mais rico atinge valor 1. Em 2018, o do Bolsa Família é -0,6408, o do BPC é -0,079, o de outros programas sociais é 0.0727, o da previdência social é 0.5489 e o de todas as rendas combinadas é 0,5451.

. Balanço Social 2019: O Brasil chegou ao topo da desigualdade?

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