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24/03/2020 - 10:16

Precisamos aprender com as crises


Desde o anúncio no último dia 11 da elevação pela OMS (Organização Mundial de Saúde) do status da epidemia do coronavírus para pandemia agravou-se radicalmente o ambiente econômico internacional que já vivia uma crise com alto nível de instabilidade e aumento dos índices de volatilidade de preços de ativos. Dois dias antes, a queda de 30% no preço do petróleo tipo Brent na abertura das bolsas asiáticas em função de desacordos entre produtores – destacadamente Rússia e Arábia Saudita –sobre que postura adotar diante de crise de produção e expectativas de retração do crescimento econômico global já havia provocado quedas acentuadas em bolsas pelo mundo.

As críticas à OMS quanto a uma demora em reconhecer o status de pandemia foram respondidas pela organização como motivada pelo temor do pânico que provocaria e pelos consequentes impactos sobre a economia mundial. Se para a OMS o anúncio da pandemia redundava em reconhecimento de fracasso nas ações de contenção do vírus, para muitos agentes econômicos do mercado e autoridades de governos a mesma atitude pareceu ser conveniente, repetindo um padrão de comportamento verificado em crises anteriores, qual seja, o de retardar o reconhecimento da gravidade de crises. Também um padrão de comportamento foi o que se viu nas primeiras medidas econômicas (cortes de taxas de juros e medidas para aumento de liquidez) anunciadas por governos nacionais e particularmente por seus bancos centrais, evidenciando uma incompreensão da complexidade e amplitude da nova crise.

Assim é oportuno resgatar apreciações como a do experiente economista norte-americano Alan Greenspam que presidiu o Federal Reserve Bank de 1987 à 2006, contidas no livro de 2013 “O mapa e o território” no qual além de tratar criticamente de riscos e previsões questiona os fundamentos mais elementares da teoria econômica. Greenspan, ao rememorar o contexto em que se deu a maior crise do capitalismo das últimas sete décadas, tece críticas que nos levam a questionar o que foi aprendido, como no trecho que segue “no período que antecedeu a crise de setembro de 2008, que quase ninguém previu, a macromodelagem fracassou de maneira inequívoca quando mais se precisava dela [...]. O sistema de análise altamente sofisticado do Conselho do Federal Reserve não previu a recessão até o momento em que a crise sobreveio. Tampouco o fez o modelo criado pelo prestigioso Fundo Monetário Internacional [...]”.

O corte extraordinário da taxa de juros de 0,5 p.p. no dia 3 de março anunciado pelo FED não resultou em alívio e um novo corte mais radical doze dias depois, reduzindo a taxa de juros para a faixa de 0 a 0,25% a.a. foi interpretado como sinal de reconhecimento da intensidade da crise mas não de sua amplitude.

Tecnicamente a medida visa o curto prazo tornando o crédito mais barato e, ao desestimular as aplicações em renda fixa incentivar investimentos produtivos e o mercado acionário, o que em tese, alavancaria a atividade econômica.

Na Europa, no último dia 12, a irrefletida declaração da presidente do BCE (Banco Central Europeu) Christine Lagarde ao ser indagada sobre a elevação do spread sobre os títulos do governo italiano teve efeito desastroso em todo o mercado europeu e, especialmente sobre a Bolsa italiana que já sofria com o repentino anúncio no dia anterior, por Donald Trump, do cancelamento unilateral de voos de 26 países da Europa para os EUA.

Ao declarar numa coletiva de imprensa "Não estamos aqui para reduzir os spreads, não é nosso trabalho" a presidente do BCE recentemente empossada e egressa do FMI, instituição que dirigiu por oito anos, pareceu desprezar o peso de declarações de autoridades públicas, particularmente em contextos de crise e incerteza. No caso dos bancos centrais, que são responsáveis por assegurar a estabilidade da moeda e as condições do crédito, declarações como a de Lagarde tem efeitos danosos. Uma série de ações individuais, orientadas por demandas domésticas, além de denotarem falta de aprendizado com as crises anteriores explicitaram o atual estado de debilidade de mecanismos multilaterais de consulta e cooperação internacional, importantes para o enfrentamento de crises como a que vivemos no presente, de caráter sistêmico.

Nessa direção, o economista norte-americano Joseph Stiglitz, laureado em 2001 com o Nobel de Economia, professor das prestigiosas universidades de Yale, Princeton, Stanford e Columbia, ressalta em seu livro “O mundo em queda livre” sobre a crise de 2008 que “essa crise logo se tornou global [...] os mercados financeiros internacionais se tornaram intensamente interligados – o que é evidenciado pelo fato de que dois dos três maiores beneficiários do resgate que o governo dos Estados Unidos deu à AIG (maior empresa seguradora dos EUA) eram bancos estrangeiros.”

Apreende-se, portanto, das análises dos dois experientes economistas citados (Greenspam e Stiglitz) que tanto as previsões quanto as modelagens de operação e monitoramento dos mercados se mostraram insuficientes e/ou inadequadas para tornar o sistema financeiro global menos vulnerável à crises e capaz de ação profilática.

Se os mercados são cada vez mais interligados e interdependentes e as crises são sistêmicas com efeitos globais as medidas para seu enfrentamento não podem ser locais e desarticuladas.

Na última semana uma série de novas ações sinalizaram uma melhor compreensão da gravidade do que se apresenta. O BCE deu início a uma ação defensiva em toda a região do euro voltada a restringir “spreads injustificados”.

O FED reconhecendo seu peso no mercado financeiro e na economia internacional, propôs acordos de redução de juros em operações de swap com bancos centrais de outros países como Japão, Canadá, Inglaterra, Suíça, Suécia, Coréia do Sul, México, Brasil e com o BCE (Banco Central Europeu) entre outros, visando aumentar a liquidez dos mercados, oferecendo a cada um até US$60 bilhões por período de seis meses ou mais.

Depois de bastante relutância o Banco da Inglaterra realizou no último dia 20 corte extraordinário da taxa de juros para 0,1% e anunciou maior aporte de recursos para compra de títulos.

Mais significativo foi o anúncio feito pelo governo inglês de medida inédita disponibilizando 38 bilhões de libras para garantia de pagamento de 80% de salários dos trabalhadores do país por período de três meses a ser prorrogado. Somado a um conjunto de outras medidas de estímulo à economia como a suspensão do pagamento do IVA os três pacotes anunciados totalizam 418 bilhões de libras.

As medidas anunciadas pelo governo inglês estimularam um debate já conhecido, embora por muitos evitado ou até mesmo desprezado, mas que em países da Escandinávia já levou a concepção de política pública, que é o debate sobre a renda básica universal.

Vale lembrar que na edição de 2019 do Fórum Econômico Mundial, em Davos – Suiça, um dos palestrantes convidados foi o historiador holandês Rutger Bregman, autor do livro Utopia para realistas que defende a adoção pelos países da renda básica universal. Diante de seleta plateia formada por líderes políticos e empresariais Bregman demonstrou por meio de variados estudos a viabilidade da renda básica universal.

A crise em que estamos inseridos tem já dado mostras de que medidas de política de renda e de oferta se farão necessárias para conter ou reduzir os impactos de uma temida recessão global.

No Brasil, no último dia 18 após ser decretado estado de calamidade pública, um pacote econômico incluindo acanhadas medidas de socorro a trabalhadores, contrastando com a posição até então defendida pelo Ministro da Economia, denotou alguma compreensão da amplitude da crise. Nesse contexto, um empresário brasileiro do setor financeiro chegou a invocou um “novo Plano Marshall” temendo os efeitos de uma paralisação econômica.

O que ainda está por vir e como lidaremos com suas consequências revelará o quanto foi aprendido com as crises anteriores e o quanto a crise presente nos legará além de muitas perdas e dor. Nosso futuro dependerá disso.

. Por: Arnaldo Francisco Cardoso, professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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