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31/03/2020 - 09:04

As crises e as ferramentas da Macroeconomia


Em momentos de crise como o que estamos vivendo é comum que as atenções se voltem para o anúncio de medidas de política macroeconômica, afinal foi no contexto da Grande Depressão iniciada nos Estados Unidos da América com o crash da Bolsa de Valores de Nova York que se desenvolveu esse ramo da ciência econômica dedicado a compreensão da economia como um todo e a geração de ferramentas práticas de regulação e correção.

Se a palavra “macro” nos remete a ideia de “grande, extenso” a etimologia da palavra economia vinda do latim medieval oeconomia e passando pelo grego oikonomy nos remete aos sentidos de “grupo de indivíduos/casa” (oîkos) e “gerenciamento, distribuição” (némein). Essa volta ao sentido da palavra devolve a ela sua importância que em certos momentos tem sido amesquinhada.

Alguns identificam na publicação em 1936 do livro A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, do economista britânico John Maynard Keynes o marco de afirmação da Macroeconomia como ramo da ciência econômica e outros identificam esse marco no lançamento em 1933 pelo presidente dos EUA Franklin Delano Roosevelt, do programa econômico conhecido como New Deal que tinha como principal objetivo combater os efeitos daquela que foi a maior crise econômica do século 20.

Constituído por um audacioso plano de obras públicas visando o pleno emprego, o programa de Roosevelt convergia com as ideias já esboçadas por Keynes e confrontava-se com os cânones da teoria neoclássica da economia cujo princípio básico é o da racionalidade dos agentes econômicos divididos em duas entidades, os consumidores (que visam maximizar a satisfação ou a utilidade) e as firmas (que visam maximizar o lucro).

Depois de anos de exuberância do mercado de ações norte-americano e de seu posterior desabamento, a nova política de Roosevelt se estendeu a todos os campos da atividade econômica. Através de ações para o incremento da atividade industrial sucederam-se medidas para a organização das relações entre trabalho e capital, bem como para o desenvolvimento de um sistema de previdência social.

Antes de Keynes outros economistas já tinham esse entendimento da economia como um organismo, como um todo, mas foi ele quem sistematizou e transformou a reflexão teórica em plano de ação. A teoria de Keynes orientou a ação nos EUA na crise e serviu de fonte de orientação de outros governos no Ocidente passando por ajustes e adaptações, alimentando um vivo debate sobre o papel do Estado na economia. No desenvolvimento acadêmico da Macroeconomia seus estudiosos se dedicaram ao estudo das relações entre os grandes agregados macroeconômicos como a produção e a renda nacionais; o nível de emprego e dos preços; o consumo; a poupança e o investimento.

Passada a Grande Depressão, seguida pela Segunda Guerra Mundial e o posterior Plano Marshall, de forte orientação keynesiana, a década de 1970 deu impulso para a Escola Monetarista ganhar o centro do debate e da orientação sobre a ação. Divergindo da teoria keynesiana, os monetaristas defendiam que a sustentabilidade de uma economia poderia ser obtida apenas com medidas de Política Monetária, baseadas nas forças do mercado, cabendo ao governo comprar ou vender títulos, aumentar ou diminuir taxas de juros para empréstimos a bancos, definir os depósitos compulsórios (parcela obrigatória dos depósitos recebidos por bancos privados retidas junto ao Banco Central) visando a circulação do adequado volume de moedas e de outros meios de pagamento, dinamizando assim o mercado financeiro. Os monetaristas enfatizam a importância do papel da demanda de moeda e crédito, opondo-se frontalmente à intervenção direta ou indireta do Estado na economia.

O economista norte-americano Milton Friedman, professor por mais de trinta anos da Escola de Chicago, foi um dos expoentes do monetarismo e formou gerações de economistas, inclusive brasileiros.

No Brasil o monetarismo ganhou espaço principalmente pelas mãos do economista Antonio Delfim Neto, Ministro da Fazenda entre os anos de 1967 e 1974, período do chamado milagre econômico. Nos anos 1980 e 1990 o monetarismo também esteve na base conceitual de uma saga de planos econômicos (Cruzado I e II, Bresser, Verão, Collor I e II) que não lograram êxito no combate a inflação. O Plano Real que por fim conseguiu estabilizar a moeda no Brasil, também teve uma forte orientação monetarista e, se por um lado obteve êxito, por outro conviveu com baixo crescimento econômico e altas taxas de desemprego e pobreza.

Os opositores do monetarismo costumam enfatizar a importância da Política Fiscal em seus dois braços o da tributação e o do gasto público, sendo deste último valorizada a pauta do investimento como instrumento privilegiado para a promoção do crescimento e desenvolvimento social. Ao tratarem do Gasto Público dedicam atenção às transferências do Estado que se convertem em renda de determinados grupos como aposentados e desempregados.

No tocante a justiça social, para uma compreensão de como se posicionam as diferentes correntes teóricas é importante mencionar a obra “Direito, Legislação e Liberdade” (1973) do economista austríaco Friedrich A. Hayek, da corrente liberal, vencedor do Nobel de Economia de 1974, que retomou e reformulou a teoria do ciclo econômico de Von Mises (Escola Austríaca). Para esse mesmo exercício de investigação da história das ideias merece leitura o livro “Keynes X Hayek: as origens – e a herança – do maior duelo econômico da história” (2016) escrito pelo jornalista britânico Nicholas Wapshott.

Depois de reunir aqui alguns dos elementos do debate acadêmico impulsionado pelo enfrentamento das várias crises econômicas que atravessaram o século 20, é válido esboçar uma avaliação das respostas econômicas dadas até o momento pelos diversos governos à atual crise que aflige as sociedades.

Para tal avaliação, primeiramente é importante destacar que a presente crise econômica só pode ser entendida considerando-a como a convergência de uma crise mundial de saúde pública (pandemia do covid-19) com uma crise política e econômica mundial que já vinha se manifestando através do alto nível de instabilidade e aumento dos índices de volatilidade de preços de ativos pelo mundo.

É importante lembrar que dois dias antes da OMS elevar o status da epidemia para pandemia, a queda de 30% no preço do petróleo tipo Brent na abertura das bolsas asiáticas em função de desacordos entre produtores – destacadamente Rússia e Arábia Saudita – já havia provocado quedas acentuadas em bolsas pelo mundo, inclusive no Brasil. E antes disso também vivíamos tempos de guerra comercial entre as duas maiores economias do planeta com impactos negativos sobre as expectativas do comércio mundial e do crescimento de economias nacionais. Também uma onda de intensas manifestações populares de protesto contra a desigualdade social, cujo caso do Chile foi emblemático, elevava a tensão e a instabilidade no mundo.

Isso posto, o que pôde ser observado no tocante a respostas econômicas neste findo mês de março foi uma sucessão de anúncios de medidas macroeconômicas que evoluíram dos convencionais cortes das taxas de juros por Bancos Centrais como o BCE (Banco Central Europeu) e o FED (Federal Reserve Bank) para quase zero e outras medidas para expansão da oferta de crédito que, orientadas para o curto prazo visaram, ao tornar o crédito mais barato, desestimular as aplicações em renda fixa e incentivar o mercado acionário, o que em tese, alavancaria a atividade econômica.

Respostas como essas, produzidas também em crises como a de 2008, foram objeto de avaliações em livros publicados por renomados e experientes economistas como os norte-americanos Alan Greenspam que presidiu o FED por quase vinte anos e Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia de 2001, nos quais (O Mapa e o Território (2013) / O Mundo em Queda Livre (2010)) apontaram tanto as falhas de previsões quanto as de modelagens de operação e monitoramento dos mercados, assim como a sua ineficácia para tornar o sistema financeiro global menos vulnerável à crises e capaz de ação profilática.

Partindo das análises desses experientes economistas somos levados a refletir que se os mercados são cada vez mais interligados e interdependentes e as crises são sistêmicas com efeitos globais as medidas para seu enfrentamento não podem ser locais e desarticuladas.

Nas últimas duas semanas uma série de novas medidas econômicas frente ao aumento da gravidade da crise, mostraram o descolamento com modelos limitados de intervenção e a adesão a formas heterodoxas de combate à grave crise que se instalou.

No Reino Unido um pacote heterodoxo de medidas somando 418 bilhões de libras (2,6 trilhões de reais) e nos EUA o anúncio do maior pacote econômico da história do país, no montante de US$ 2 trilhões (cerca de 10 trilhões de reais) incluindo renda emergencial para milhões de cidados foram sinais eloquentes tanto da percepção desses governos sobre a amplitude e profundidade da atual crise quanto do entendimento de que o mercado não é capaz de produzir respostas suficientes em contextos de graves crises como já se viu em situações pregressas.

Certamente as medidas heterodoxas combinando ferramentas de política monetária, fiscal e de renda, adotadas por autoridades econômicas de governos com declaradas posições liberais, contrários às intervenções do Estado na economia, não devem ser entendidas como mudanças estruturais, mas sim como “movimentos estratégicos”.

As medidas anunciadas pelo governo inglês estimularam um debate já conhecido, embora por muitos evitado ou até mesmo desprezado, mas que em países da Escandinávia já ganharam caráter de política pública, que é o da renda básica universal.

Em entrevista do UOL no último dia 28 com economistas, tratando do pacote de quase R$ 500 bilhões anunciado pelo governo brasileiro, o professor-doutor e diretor da Faculdade de Economia e Administração da PUC-SP, Antonio Correa de Lacerda ponderou que "é preciso romper paradigmas" [...] “a decisão de não usar esses recursos significará um custo econômico e social muito mais elevado. Isso porque o aprofundamento da depressão econômica e seus efeitos, como a quebra de empresas, aumento do desemprego e colapso da renda, também colapsaria a arrecadação tributária.” O professor da FGV-SP Robson Gonçalves observou que “a economia funciona bem com o Estado restrito a áreas específicas, mas não em situações de crises severas, como a provocada pela pandemia do coronavírus”.

Na mesma entrevista a professora Juliana Inhasz, economista e coordenadora da graduação em economia no Insper sentenciou "Não é uma questão de dizer que numa situação de crise no capitalismo os liberais entendem que o Estado deva injetar recursos. A questão é que nessa crise em especial, se o Estado não atuar, haverá caos social".

A recente aprovação pela Câmara dos Deputados do Brasil de projeto de auxílio emergencial de R$ 600 reais para trabalhadores informais, de baixa renda e desempregados (podendo alcançar 100 milhões de pessoas) foi um caso de consenso produzido pelo trauma (ou medo dele) sobrepondo-se a dogmas e polarizações.

Entre as ferramentas de políticas macroeconômicas a Política de Oferta prevê medidas para o incentivo de incorporação de avanços tecnológicos na produção, visando o aumento da eficiência e da produtividade do trabalho. Hoje, os mais otimistas tem apontado para uma série de oportunidades que a crise poderá abrir para ações empreendedoras nascidas da necessidade. Caberá, portanto, a cada nação, por meio de suas lideranças, fazer as escolhas das armas/ferramentas com as quais combaterá os problemas que se afirmam no presente, com os correspondentes efeitos no futuro.

A história mostra que líderes como Franklin Delano Roosevelt que enfrentou a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial saem maiores das crises. Segundo um de seus biógrafos Lord Roy Jenkins “[Roosevelt] foi mais testado na paz e na guerra do que qualquer outro presidente afora Lincoln”. Pelas suas escolhas e capacidade de liderança levou os EUA à recuperação e prosperidade e alçou o país ao centro das decisões mundiais. Nas crises emergem os estadistas. É hora de responsabilidade e ousadia.

. Por: Arnaldo Francisco Cardoso, professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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