Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

17/04/2020 - 09:10

O vírus e os “parasitas”

O Brasil e o mundo vêm passando por um período de grave crise causada pela pandemia de Covid-19, que vem se alastrado nos últimos meses por diversas partes do globo. Embora ainda não haja clareza quanto aos efeitos que serão causados por essa crise, é inegável a necessidade de o Poder Público buscar meios eficientes para lidar com a falta de recursos, combinado com o atendimento a uma demanda crescente e urgente na área da saúde.

Dentre as várias ideias, que aos poucos vão ganhando corpo, uma das mais polêmicas é voltada à elaboração de uma Proposta de Emenda Constitucional para autorizar a redução da jornada de trabalho dos servidores públicos federais dos três Poderes, a desdobrar na possibilidade de corte de até 25% de seus vencimentos. A medida autorizaria a diminuição dos vencimentos e subsídios de uma parcela do funcionalismo, e atingiria os ganhos de agentes políticos – tudo a depender de critérios mínimos balizados pelas disposições do projeto.

O assunto tem causado forte preocupação aos servidores públicos federais e já despertou manifestações de órgãos sindicais e associações de classe, evidentemente contrários ao projeto, ao manifestar a existência de inequívoca inconstitucionalidade na medida. Essa posição tem fundamento sólido, haja vista que, a priori, temos o texto da Constituição Federal a garantir a irredutibilidade de vencimentos do servidor público. Entretanto, reconhecemos, é precoce dizer que a medida será inconstitucional, sem analisar “in concreto” os critérios da PEC a ser apresentada.

Independentemente disso, não será fácil a colocação em prática de tal medida. Se, por um lado, pode-se estudar a redação de alterações constitucionais que viabilizem reduções salariais equivalentes e proporcionais à diminuição da jornada de trabalho, por outro, é incontroverso que existem diversos casos em que não há propriamente uma jornada de trabalho definida em lei, como ocorre com a maior parte dos cargos de provimento em comissão, aos quais, pela própria natureza, não se fixa carga horária, porque, em tese, devem ficar integralmente à disposição. Se a redução em tais casos ocorrerem, digamos, em valor que represente 25% dos vencimentos, sem a devida e equivalente redução das horas trabalhadas, haverá um desequilíbrio entre a nova disciplina normativa e princípios constitucionais, como o da irredutibilidade. Se a forma idealizada para instituir a redução for simplesmente a aplicação de uma contribuição geral sobre os vencimentos, no patamar de 25%, não haverá equilíbrio.

E no sentido contrário das medidas de redução salarial, enquanto o governo federal inicia procedimentos para minutar a Proposta de Emenda Constitucional, profissionais de saúde, que já convivem com o aumento de suas jornadas e extrapolação de suas horas ordinárias de trabalho, começam a se preocupar com a percepção de horas-extras, sem falar na reivindicação da elevação ao máximo da alíquota do adicional de insalubridade, em razão da maior exposição ao risco de contágio. Além disso, não se pode esquecer que o aumento das horas de trabalho dos médicos, por exemplo, sobretudo daqueles que são servidores públicos de estados e municípios, acarretará a elevação do pagamento devido a título de horas-extras. Com isso, os médicos dos órgãos públicos, que têm seus ganhos limitados aos tetos remuneratórios de seus respectivos prefeitos e governadores, trabalharão exaustivamente, fazendo jus ao recebimento de horas-extras, às quais, em muitos casos, serão neutralizadas pela ação de tetos redutores, ou seja, trabalharão, mas não receberão.

Isso tudo é relevante para definir o alcance da PEC, porque tais questões precisam ser contempladas, além de outras, como sua relação com os entes federados. A recente experiência de alteração constitucional envolvendo tema aplicável a servidores públicos mostrou que existe uma tendência legislativa, no sentido de deixar estados e municípios cuidarem do assunto em suas normas locais. É o que aconteceu, por exemplo com a Reforma da Previdência, que alterou amplamente a matéria previdenciária aplicável aos servidores públicos, fixou-a para os servidores públicos federais, mas deixou estados e municípios conduzirem as mudanças em suas respectivas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.

Aos servidores públicos, então, resta aguardar a apresentação do texto da PEC, para que seja possível analisá-lo profundamente e apresentar, com precisão, uma avaliação de seus termos. Não precisamos esperar, porém, para lembrar há pouco tempo os servidores públicos foram chamados de “parasitas” pelo ministro da Economia. Parece que o governo federal já deu mostras do valor com que considera o trabalho de seus servidores.

. Por: Cristiano Vilela, advogado especialista em Direito Público. É sócio do escritório Vilela, Silva Gomes & Miranda Advogados.

. Por: Luiz Gustavo Cordeiro Gomes, advogado especialista em Direito Público. É Presidente da Fundação de Estudos sobre a Administração Pública (FEDAP).

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira