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18/04/2020 - 08:12

O que há de semelhante entre o Jesus e os pobres condenados no Brasil


Na quinta-feira santa marca o início do martírio de Jesus, que culminou em sua injusta e ilegal condenação. Como sabemos, Cristo foi traído por Judas Iscariotes, que o entregou aos soldados judeus, para ser levado e julgado ao arrepio da Lei Judaica, que vedava, peremptoriamente, a realização de interrogatórios e julgamentos durante a noite.

Na dinâmica do processo sumário de Cristo, Jesus foi levado à presença do Governador Pilatos que, após interroga-lo, não vislumbrou crime algum praticado pelo Rei dos Judeus. Mesmo assim, sem qualquer prova, inflamado por Caifás, Sumo Sacerdote da época, Jesus foi condenado sem ter praticado qualquer fato ilícito. Portanto, Jesus foi condenado por ser Jesus, um cananeu, de origem pobre e segregado pelos fariseus e pelos doutores da lei.

Jesus, portanto, teve um julgamento relâmpago, sendo condenado pelo simples fato de ter feito milagres e sinais de que seria o filho de Deus. Ora, foi condenado por ser considerado o Messias – o enviado de Deus – e não por ter praticado um crime. Condenado à pena de morte na cruz, a mais cruel das sanções impostas à época, destinadas aos criminosos incorrigíveis. Dessa forma, é estreme de dúvidas que julgaram o homem e não o fato a ele atribuído - que seria de heresia.Jesus é o primeiro grande exemplo da aplicação do direito penal do autor, que conforme leciona Raul Eugenio Zaffaroni, é: “este direto penal supõe que o delito seja sintoma de um estado do autor, sempre inferior ao das demais pessoas consideradas normais”.

Infelizmente, vivenciamos, de forma ordinária, a nefasta seletividade na escolha de quem serão condenados, o que se aproxima, demasiadamente, do conceito do direito penal do autor. Explico. Fazendo-se um estudo empírico das condenações proferidas pelos juízes de primeira instância (juízes das comarcas) e confirmadas pelo Tribunais de Justiça no Brasil, constatamos uma clara e triste tendência dos decretos condenatórios se pautarem não nos fatos apurados durante as instruções criminais, mas sim em meras declarações de testemunhas e na vida pregressa do acusado, que, invariavelmente, são pretos e pobres, dessarte, estigmatizados e naturalmente segregados pela sociedade.

Realizando estudo in loco (técnica observação participante), observando a vida no cárcere de muitas pessoas, pude constatar, entrevistando centenas de internos e tendo acesso aos seus processos, que muitos foram presos e depois condenados sem que houvesse prova efetiva do fato a eles imputados, baseando-se, quase sempre, na vida pregressa.

Dentre os entrevistados, condenados, muitas vezes por serem integrantes do rol seletivo dos “escolhidos”, destaco um jovem, pai de família, que infelizmente foi preso por estar na “biqueira” no momento da ação policial e por ter um apontamento na sua folha de antecedentes. Contra esse jovem não havia qualquer elemento indiciário (início de prova) que o apontasse como traficante. Foi preso em flagrante e permaneceu preso por anos, simplesmente por ser pobre, dependente de drogas e estar no lugar errado. A história desse garoto é a de milhares de encarceradas no Brasil, que são enjaulados como animais nas masmorras medievais que são os presídios pátrios, simplesmente por serem frutos das áreas delinquentes que vivem e são condenações não pelos supostos fatos a eles atribuídos, mas sim por serem selecionados como possíveis criminosos.

Com efeito, tal como ocorreu no processo de condenação de Jesus Cristo, a história desse jovem, como não poderia deixar de ser em um estado punitivista e seletista como o nosso, findou com a sua injusta condenação.

Passados 2020 anos do aberrante julgamento de Jesus, continuamos a presenciar, constantemente, julgadores que não cumprem suas obrigações constitucionais de regularem os procedimentos, permitindo a perpetuação de injustas. Pelo contrário, a leniência dos integrantes do Judiciário contribuem com a condenação dos desamparados e segregados pela sociedade brasileira.

Já chegou a hora da advocacia criminal brasileira e das defensorias públicas partirem para o enfrentamento de peito aberto, mesmo que para isso sejamos crucificados por uma mídia cruel.

Não podemos fechar os olhos para as injustiças cometidas pelos tribunais pátrios, que tal como Pilatos que lavou as mãos diante da condenação sem crime de Jesus, permitem que sangue de muitos inocentes continuem sendo derramados em nossos cárceres.

. Por: Marcelo Aith, especialista em Direito Criminal e Direito Público e professor de Direito Penal na Escola Paulista de Direito.

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