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21/05/2020 - 08:02

O Covid-19 e os Desafios da Indústria de Óleo e Gás (O&G)

Os desafios da indústria de O&G são preexistentes ao coronavírus e sobreviverão a ele, acrescentando novas e relevantes incertezas.

A indústria já vinha lidando com as pressões de ativistas, investidores e sociedade em geral, demandando uma matriz energética com menos emissão de CO2 e com mais renováveis. A motivação desses stakeholders é conter a mudança climática e buscar o desenvolvimento sustentável. Passar da energia fóssil para energias renováveis mais limpas,

Em que pesem os anseios da sociedade e o fato que algumas soluções se mostraram efetivamente plausíveis (como os biocombustíveis no Brasil), a substituição em grande escala do petróleo, principal fonte de energia do mundo, em particular para o transporte de pessoas e de mercadorias, não é tarefa simples. Diversos fatores entram em jogo como os grandes volumes consumidos, a logística envolvida, a necessidade de desenvolvimento de novas tecnologias, o desafio de barateamento de algumas das tecnologias já existentes, a tecnologia utilizada nos motores da frota existente, as peculiaridades dos países, entre outros. Como consequência, para se chegar a uma economia com baixa emissão de CO2 e com mais Renovaveis é necessário percorrer um longo caminho (muito longo para muitos), a chamada Transição Energética.

Nesse caminho há uma variável emblemática que é o pico de demanda por óleo. Embora haja razoável convergência que o petróleo vai ter um papel relevante como energético nas próximas décadas, uma dúvida é: a partir de que momento o consumo de óleo começará a cair? Não há consenso. O debate passa pela velocidade com que os demais energéticos vão ganhar escala na matriz mundial. Que, obviamente, depende de diversos fatores, inclusive, ações governamentais.

Muitas empresas do setor de O&G já vêm reportando várias iniciativas na direção da transição energética, com diversas ações e destaque para otimizações operacionais, com reduções de emissões nas próprias operações das empresas. Alguns investimentos em desenvolvimento tecnológico e em negócios relacionados a essas novas energias.

A entrada em cena do Covid-19, afetando a saúde das pessoas e a economia mundial, com redução da atividade industrial e do deslocamento das pessoas confinadas e com significativa redução dos voos (segmento com crescimento significativo no mundo na última década) provocou uma crise sem precedentes para o setor, acrescentado novas incertezas.

A crise provocada no setor é uma combinação de uma drástica redução no consumo diário (30% em relação ao mês anterior), que nunca havia acontecido, combinada com uma significativa redução do preço do petróleo (o petróleo Brent, que é a principal referência mundial para preço de petróleo iniciou o ano pouco abaixo de US$ 70 o barril e está sendo negociado pouco acima de US$ 20). Preços nesse patamar são atribuídos ao óbvio desbalanceamento entre oferta e demanda, mas também a uma batalha entre os dois maiores exportadores (Arábia Saudita e Rússia) que tentaram, sem sucesso, um acordo para reduzir as produções para segurar os preços.

Entre as implicações para as empresas, uma é óbvia e imediata: queda brusca das receitas. Analistas vêm apontando uma possível consolidação no setor nos EUA com as dificuldades financeiras de pequenos produtores com dívidas elevadas. Mas há também implicações para estados e países. Royalties de petróleo são fontes relevantes de recurso para alguns estados brasileiros, em particular o Rio de Janeiro. Alguns países dependem do petróleo para evitar significativos déficits orçamentários, correndo risco de colapso de suas economias, com consequências geopolíticas. São exemplos a Arábia Saudita, o Irã, a Nigeria, a Venezuela, a Rússia entre outros.

Como é natural em situações de crises, as ações das empresas estão no momento voltadas a minimizar os impactos imediatos, preservar a saúde dos trabalhadores, atender necessidades essenciais e ajudar a sociedade a enfrentar a crise. No Brasil muitas empresas vêm promovendo ações sociais, atuando diretamente ou através da entidade representativa do setor, o Instituto Brasileiro de Petroleo, Gás e Biocobustiveis (IBP).

No meio da crise vários desafios se combinam. São exemplos: o desafio operacional, em um setor que trabalha com algumas atividades confinados (plataformas e navios); o desafio de atender necessidades essenciais da sociedade e o desafio do caixa, com a brusca queda de receitas.

Para enfrentar as dificuldade várias iniciativas estão sendo empreendidas no setor objetivando preservar a saúde dos trabalhadores e das próprias empresas: hibernação de plataformas, reduções de equipes, teletrabalho, redução de custos, renegociações de contratos, etc. Em síntese o desafio da gestão neste momento é o estabelecimento de novas regras para conduzir as empresas durante a crise. Face ao ineditismo, é um processo de aprendizagem, baseado em tentativa e erro: como trabalhar?, como decidir? O que pode ser postergado?, etc.

No curto prazo, como o mundo saírá da crise é, obviamente, uma variável muito importante para qualquer setor. No caso do petróleo o consumo tem uma histórica correlação com o PIB mundial (embora o fator de correlação tenha se modificado após crises). A Agência Internacional de Energia (EIA, no original em inglês) está estimando, no momento, que o consumo de petróleo este ano será 10% menor que o de 2019. Do ponto de vista ambiental, alguns especialistas estão apontando como externalidade positiva da crise a redução das emissões, ganhando tempo para se buscar soluções para a questão climática. Outra variável igualmente importante é: para onde irão os preços do petróleo? Planos de negócios devem ser revistos, considerando inclusive o atraso na entrega de unidades marítimas encomendadas pelo setor, consequência dos efeitos da crise nos fornecedores.

Atravessada a ponte da sobrevivência, o médio e o longo prazos reservam incertezas fundamentais, mesmo lembrando que o setor tem um histórico de superação em outras crises. Como já afirmado por muitos, a crise tem potencial para alterar comportamentos, maneiras de trabalhar e de consumir. Caso essas mudanças ocorram, como o trabalho em casa, as reuniões não presenciais (reduzindo viagens a trabalho), entre outras, afetarão o transporte e o mercado de combustíveis?

Outra questão relevante é: como fica a Transição Energética? Historicamente preços mais baixos de petróleo desincentivam desenvolmentos de fontes alternativas. Embora muitos especialistas acreditem que a atual crise pode trazer a oportunidade caso os governos deem maior ênfase à questão climática, principalmente onde vem sendo discutidos pacotes de socorro à indústria de O&G e a flexibilização de regulamentos ambientais para acelerar a retomada das atividades econômicas (Canadá, por exemplo).

As poucas certezas e as muitas incertezas fazem com que seja impossível, neste momento, desenhar cenários muito claros. Duas das certezas são: os hidrocarbonetos continuarão a ter um papel relevante na matriz energética mundial e os baixos custos de produção são inevitáveis. São as ações interdependentes dos diversos atores que vão moldar o setor neste novo contexto. É esperar, pois como disse o pensador americano Ralph Waldo Emerson, “Os anos ensinam muita coisa que os dias desconhecem“.

O novo cenário, muito provavelmente, levará a estratégias adaptativas que demandarão redução de custos, adequação de portfólios, identificação de oportunidades e riscos, resiliência para, eventualmente, refazer decisões que se tornem inadequadas face às mudanças no cenário. Tudo isso combinado com a capacidade de comunicar as estratégias da companhia e obter a confiança de investidores e demais stakeholders. Conselhos e diretorias certamente estarão atentos à necessidade de ter pessoas com as competências e perfis adequados para lidar com esses desafios.

. Por: José Lima de Andrade Neto, sócio Odgers Berndtson Brasil, formado em engenharia química e atuou na Petrobrás por mais de 30 anos, onde exerceu diversos cargos, inclusive na área de recursos humanos e chegando à presidência da BR Distribuidora. Na Odgers Berndtson Brasil vai se dedicar a prática de Óleo e Gás, área onde é especialista e ficará sediado no Rio de Janeiro, além de atender clientes de outros segmentos nesta praça.

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