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13/05/2008 - 16:28

Fundo só-berrando


"Plus ça change, plus c´est la meme chose", afirmava o jornalista Jean-Batiste Alphonse Karr. Por mais que as coisas mudem, no fundo, permanecem iguais. Não há motivo para que suas palavras encontrem seu desmentido sob esses tristes trópicos.

Já não se diz mais: "Nescau tem gosto de festa e se prepara sem bater", nada de chapéus Ramenzoni, ou "Venha correndo, Mappin, é a liquidação", no entanto, são lembranças do milênio que já se foi. Com um pouco de amnésia delas nos livraremos. Naqueles tempos idos, um fato estranho ocorria nos mercados financeiros. Não eram mercados sofisticados como o de hoje. Por exemplo, "Hedge" era assunto de tese de doutoramento, e mesmo assim, doutores como Scholes e Merton fraturaram a mandíbula com o tal LTCM. Não custa dedicar uma lembrança emocionada àquela época mesmo que seja apenas para contentar o senhor Jean-Batiste. Com precisão matemática, ou de relojoeiro, se preferem, todas as quintas-feiras, naqueles tempos, surgia um boato. Com o risco de ser cansativo, relembro que "boato" vem do latim "boatus" que significa mugido. Um rumor tomava corpo e em pouco tempo substituía a verdade ou a falta de notícias interessantes. "Fulano vai cair", (fulano sendo, no mínimo um ministro), "A Petro achou petróleo", "A Petro não achou petróleo", "Fulano — o mesmo — está mais firme do que nunca", " Os vendidos em opção de Vale vão levar um 'corner' " e por aí vai.

Ao ouvir o mugido, cuja velocidade, medida em crédulos por segundo, atingia proporções inimagináveis, as vaquinhas de presépio — por deformação profissional— entravam na onda, e fortunas trocavam de mãos. Falava-se em "Boato das quintas" ou seja , sacanagem anunciada. Todos sabiam tratar-se de notícias forjadas, no entanto, antevendo a ocorrência de um efeito manada, os integrantes do jogo raciocinavam mais ou menos assim: "Sei que não é verdade, mas 'os outros' vão entrar nessa onda, então é melhor antecipar-me". A questão era apenas saber se já não se estava entrando tarde na tal onda, fato que só poderia ser verificado a posteriori. Para não perder a festa, a massa de manobra dos verdadeiramente espertos — envoltos até hoje no manto do anonimato, afinal, central de boatos não possui razão social nem endereço — fazia exatamente do que dela se esperava para gáudio dos lobos, sempre dispostos a tosquiar — tosquiem mas não matem era a ordem do dia — os trouxas de plantão.

Data da mesma época, rotular essas manifestações de "ruído", termo tomado emprestado da teoria da Comunicação, segundo a qual: ruído é qualquer distúrbio ou perturbação que provoca perda de informação na veiculação de alguma mensagem.

Com o advento de uma era nunca antes vivida — nada há de espantoso nisso, já que ninguém chegou a viver hoje o dia de amanhã — a central de boatos deixou de existir, dando lugar à administração por balões de ensaio. Por exemplo, nossa TV digital, objeto de pensamentos em voz alta do Sr. Ministro da pasta, nossa BBC a caminho da perfeição etc.

Tratava-se de surtos pontuais, mas agora temos um fenômeno diferente.

Temos pela frente o chamado "ruído branco". Antes que me acusem de escorregar no politicamente incorreto, direi que — se bem me lembro— se trata de um sinal aleatório com densidade espectral constante, ou seja, em qualquer faixa do espectro o sinal possui a mesma potência. Dito de outra forma, algo mais imprecisa, o ruído branco possui todas as freqüências.

Traduzindo, o 'boato das quintas', agora, ocorre todos os dias, dentro da estratégia de soltar uma nuvem de balões de ensaio. Um bom exemplo é o tal "fundo soberano'.

O Sr. Ministro da Fazenda consegue emitir com espantosa velocidade propostas que , ao fim e ao cabo, ficarão registrado no folclore dos mercados. Ora se fala em U$ 10 bi, ora são 15, agora, parece que serão 20. Logo a seguir, ouvimos que esse dinheiro sairá das reservas, para que na entrevista seguinte, em companhia do presidente do BC fique o dito pelo murmurado. Será uma captação isolada. Nada a ver com as reservas. Outro dinheiro. Com esse ato, estancaremos a queda da moeda americana que desagrada até a Gisele Bündchen, guru eventual das finanças internacionais. Dirão os tais "idiotas da objetividade" que o BC comprou até este ano umas dez vezes esse montante e não conseguiu evitar a queda do dólar, mas a eles respondemos, altivos: essa iniciativa será a panacéia. É hora de lembrar a piada que diz que por mais baixo que caia o dólar, vale a pena inclinarno-nos e tentar apanhá-lo.

Com essa grana, capitalizaremos o BNDES — que é grandinho o suficiente para captar sozinho, pagando até mais barato. Não, "pêra lá", esse fundo dinamizará o PAC – esse mesmo PAC que por enquanto, até atingir sua velocidade de cruzeiro, não passa de uma lata amarrada no rabo de um cachorro. Um ruído dos diabos e... e a série de afirmações e desmentidos não cessa. Se isso incomoda os agentes financeiros, afeta nossa credibilidade, alimenta a especulação, pouco importa. Falar pelos cotovelos é preciso. Navegar? Enquanto houver uma onda a favor, navegaremos como " nunca antes esse país" navegou. E se a borrasca se abater, a culpada será a de sempre: a herança maldita.

Vamos falar um pouco desse fundo, ainda não totalmente definido. Alguns países exportadores encontraram a solução para aplicar excedentes. Por exemplo, a Noruega criou um fundo, com fins específicos , para aproveitar a bonança resultante de exportações reais do petróleo arrancado das entranhas do Mar do Norte. Por enquanto nosso petróleo – lembrem-se; o petróleo é nosso- das jazidas gigantes, a exemplo do 'gigante adormecido', dorme o sonho dos justos a milhares de metros de profundidade, sem que haja uma clara definição nem da quantidade, nem da tecnologia que, algum dia o tornará comercializável. Como a leiteira da fábula de La Fontaine, já fazemos planos, melhor ainda: na falta desses recursos, vamos usar excedentes da arrecadação dos nossos sofridos impostos. Ter superávit nominal antes? Tivemos no primeiro trimestre de 2008. Isso basta, de acordo com o nosso sisudo Ministro da Fazenda.

Que seja. E como vamos aplicar, já que a idéia é comprar- e aí pouco importa se o operador será o Tesouro ou o BC? Os fundos soberanos que vemos por aí, aplicam de maneira mais agressiva, já que tomar dinheiro à taxa Selic e aplicar em títulos do tesouro americano – em tese, e só em tese desprovidos de risco (cala-te boca) – parece um carry trade de bom gosto discutível. Esses recursos seriam aplicados na compra de outros ativos. Imaginemos que seja em participações em ações do Citybank, a exemplo de que outros andaram fazendo. Comprar Citybank na bacia das almas parece bom negócio, mas, e se for necessário transformar essa aplicação em dólares para tapar os buracos nas nossas contas internacionais – ou alguém acha que o furo que é semanalmente revisado para cima é piada? Pode ser que essas ações estejam a caminho de um novo fundo do poço. Algum mal intencionado poderia até arriscar a pergunta: e se o tal fundo fosse aplicar nas reluzentes – um dia- ações da Bear Sterns? Falar que risco e retorno caminham em sentido contrário não chega a ser propriamente uma novidade. Talvez se trate de um anacronismo, quem sabe.

Falam também em financiar empresas brasileiras em busca da sonhada internacionalização. Brilhante, mas isso pode ser feito de outras maneiras. Em suma, até melhor explanado, temos aí um factóide. À garrulice de alguns seria preferível uma boa dose de reflexão. Se a arrecadação de impostos apresentar o excedente apontado pelos entendidos, com o risco de parecermos quadrados, seria uma idéia melhorar o perfil de nossa dívida. Quem sabe assim a Moody´s e a Fitch, ainda não persuadidas de que somos um país sério, seguirão o exemplo da Standard & Poors.

. Por: Alexandru Solomon, escritor, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas. Tem seu recente romance´Não basta sonhar` (Ed. Totalidade) disponível nas livrarias Cultura (www.livrariacultura.com.br), Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br) e Laselva (www.laselva.com.br).

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