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15/08/2020 - 08:17

Lei da transação tributária: mero mecanismo de parcelamento especial?

Recentemente foi promulgada a Lei nº 13.988 de 14 de abril de 2020 que inova ao promover o instituto da transação tributária que se caracteriza como método alternativo de resolução dos conflitos tributários.

No sistema jurídico brasileiro a transação era prevista desde o Código Civil de 1916 entre particulares. O instituto possui como principal característica a mútua concessão, ou seja, as partes cedem cada qual uma parte para celebrar a transação e encerrar o litígio.

Não se trata de uma simples renúncia, em que uma das partes abre mão de pedaço de seu direito para que a outra o satisfaça parcialmente, ambas as partes precisam ceder.

Mesmo dentre as alternativas para solução de conflitos, a transação é peculiar. Não se confunde com a conciliação, que não depende necessariamente de concessões, ou seja, as partes, harmoniosamente, entram em comum acordo sem necessariamente reduzir de forma mútua ou singular as expectativas sobre seus direitos. Tampouco com a mediação, que se utiliza de uma terceira pessoa imparcial - o mediador - como um facilitador da solução do conflito.

O instituto já era conhecido e há muito esperado entre os tributaristas, pois o artigo 171 do Código Tributário Nacional já previa a possibilidade de dispositivo legal instituir o tratamento alternativo desde 1966, além de algumas aplicações tímidas e restritas. A lei finalmente promulgada em 2020 instituiu a transação no âmbito federal de forma ampla, dispondo sobre as condições para que a União e os contribuintes celebrem transações.

A legislação contempla a possibilidade de transação sobre débitos tributários e não tributários federais inscritos e não inscritos em dívida ativa (artigo 1º) e relevantes e disseminadas controvérsias jurídicas aduaneiras e tributárias (artigo 16).

Muito se comenta sobre as portarias da Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) disciplinando transações com foco em parcelamentos com prazos pré-determinados. O momento crítico de muitas empresas justifica a busca por paralisar execuções fiscais para permitir a sobrevivência, contudo, seria muito mais eficiente manter flexibilidade para permitir mais adesões.

Na PGFN, estão disciplinadas as hipóteses de transação por proposta individual ou adesão para solução das dívidas inscritas. É um passo importante, no sentido de permitir que contribuintes possam equacionar dívidas, ao invés de esperar uma nova lei de parcelamento especial, no estilo dos REFIS e PERT. Mas com as restrições que trazem, tornam a transação, em nossa opinião, um parcelamento especial um pouco mais amplo e independente de novas leis a todo momento.

Ao nosso modo de ver, já aperfeiçoaria a transação a remoção do número limitado de parcelas. A depender do caso, a saída para recebimento dos créditos pode exigir mais do que a atual legislação oferece. Nos casos de dificílima recuperação, só com a extensão por prazos muito maiores do que os 84 meses previstos na lei que seria possível a quitação. Ou alternativamente, que se aumentasse o desconto, ou ainda, que se concedesse moratória. Enfim, é necessário apostar na esperança de que o contribuinte possa se recompor ao longo de alguns anos e sobreviver.

A lógica é muito simples: é preferível receber alguma coisa no tempo que seja necessário, do que receber nada a tempo algum. As relações privadas demonstram isso, como se vê nas inúmeras recuperações judiciais. “Alguma coisa” é sempre de maior interesse público do que a ausência de qualquer pagamento. Mais ainda, alguma coisa com manutenção de atividade econômica garante a arrecadação corrente e isto vale muito!

Consequentemente, merece crítica a criação de limitações que não condizem com a essência da transação. Esse instituto merece um tratamento customizado para cada contribuinte e não deveria ser tratado como mais um parcelamento especial. Ao se utilizar dessas premissas (limitações de descontos e prazo), abandona-se o enorme potencial para recuperação das empresas e geração de receita tributária futura.

Não obstante, a combinação do instrumento do negócio jurídico processual, introduzido pelo novo Código de Processo Civil, e a transação tributária pode ser uma possibilidade de solução viável para as situações especiais, de forma a conformar a transação à realidade financeira dos contribuintes.

Entretanto, mesmo a combinação desses instrumentos depende de um avanço na relação do contribuinte com autoridades fiscais e procuradores. Mais colaboração e flexibilidade do poder público e mais transparência e compromisso dos contribuintes.

Finalmente, um tema menos alardeado nas recentes divulgações, mas merecedor de atenção é a transação sobre controvérsias jurídicas aduaneiras e tributárias relevantes e disseminadas, objeto do capítulo III da lei e regulamentado no capítulo II da Portaria ME nº 247 de 17 de junho de 2020.

Apesar de tratar de transação por adesão e com proposição exclusiva do Ministro de Estado da Economia, tem potencial de reduzir uma quantidade significativa de disputas processuais.

A perspectiva de ambas as partes cederem, o fisco e o contribuinte, para atingirem um meio termo viável é muito mais promissor (ainda que não ideal) do que o enfrentamento eterno, nas esferas administrativa e judicial, tornando as disputas caras, morosas e trazendo enorme insegurança jurídica a todos.

Muitas vezes as empresas tomam a decisão de ingressar com disputas tributárias simplesmente porque não podem perder competitividade. É grave para a concorrência, por exemplo, uma empresa não obter no futuro uma vantagem, como um desconto ou um crédito tributário, quando todas as demais do seu setor conseguiram. A certeza do direito é saudável para a economia como um todo.

O artigo 28 da Portaria ME nº 247 autoriza uma série de entidades representativas a sugerirem temas passíveis de transação, dentre elas agentes da administração pública (como Procurador Geral da Fazenda Nacional ou o Secretário Executivo do Ministério da Economia – como o Secretário da RFB) ou representantes da sociedade civil (como o Presidente do Conselho Federal da OAB ou presidente de confederação representativa de categoria econômica, como a CNI).

Nesse aspecto, se bem explorado, acreditamos que a Lei nº 13.988/2020, traz um instrumento valioso para transacionar sobre temas que têm o potencial de deixar de abarrotar os tribunais administrativos e judiciários por tão longos anos.

. Por: David Damasio de Moura e Silvania Tognetti são sócios do Tognetti Advocacia.

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