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14/05/2008 - 11:13

Sobre fome e energia

Vem ocupando de forma intensa na mídia mundial o problema da elevação dos custos dos alimentos e seu impacto sobre a fome, principalmente em regiões mais pobres do planeta. Este debate volta à tona após um período em que existia um consenso de que a oferta de alimentos era suficiente e que a fome era um problema resultante da disponibilidade de renda dos mais pobres. Sua ocorrência estaria limitada a regiões críticas, seja por aspectos climáticos (permanentes ou eventuais) ou causados por instabilidade política.

Um dos primeiros sintomas desta nova preocupação não ocorreu nos países pobres, mas na Itália, no ano passado, com protestos relacionados com a alta dos preços das massas produzidas a partir do trigo. Com relação a outros produtos agrícolas (milho, soja e arroz), já se verificava a redução dos estoques. Entretanto, os países passaram a confiar mais na capacidade dos fornecedores mundiais de produtos agrícolas em atender a situações resultantes de eventuais ocorrências climáticas negativas. A China (que possuía quase uma safra de milho em reserva) atendeu às suas necessidades internas sem transmitir para o comércio mundial a sinalização de que seria um importador de milho no curto prazo.

Esta situação se agrava, se considerarmos que apenas as Américas, do Norte e do Sul, juntamente com a Oceania e antiga Rússia são exportadores líquidos de produtos agrícolas, sendo que a América do Norte atende quase 50% do mercado mundial. A situação se desequilibrou de vez com a ocorrência de secas na Austrália e no Leste Europeu e pelo aumento do uso de milho para a produção de etanol nos EUA (viabilizado por subsídios e pelo aumento de preço do petróleo).

Seriam realmente o uso de áreas agrícolas para produção de bioenergia a causa do reaparecimento do problema da fome? O álcool produzido no Brasil ocupa uma parcela relativamente pequena em relação à área com culturas alimentares (cujas produções vêm aumentando) e, nos EUA, os agricultores aumentaram a produção de milho de forma a atender o crescimento da demanda para produção de etanol, inclusive aumentando as exportações deste cereal.

Na verdade, uma série de fatores tem atuado em conjunto para criar esta nova onda de aumento dos preços nos produtos agrícolas. O incremento no consumo de alimentos e a sua diversificação, em países em desenvolvimento, exerceram um papel relevante nesta nova situação. A elevação de 1 kg no consumo médio de carne em países como a China e a Índia tem um efeito multiplicador gigantesco no consumo de cereais (lembrem-se de que a maior parte do milho e da soja e quantidades relevantes de trigo são utilizados para produção de carne).

Os estoques mundiais chegaram a um nível tal que resultou em uma situação de incerteza (principalmente no que diz respeito a eventos climáticos desfavoráveis), o que é um campo fértil para a especulação nos mercados financeiros (alimentada pela disponibilidade de recursos financeiros liberados por crises em outros mercados de capitais).

Nesta situação de crescimento de demanda e de incerteza, qualquer ocorrência climática desfavorável (principalmente em países ricos, cuja população tem recursos suficientes para pagar preços mais elevados) tem seus efeitos sobre os preços magnificados (nesta hora, sem muita preocupação com os pobres).

Por outro lado, os organismos internacionais se vêem em condições difíceis para o atendimento das populações realmente em crise por falta de alimentos, visto que os fundos financeiros não crescem na medida em que os preços dos alimentos aumentam. Daí as justas reclamações de entidades como a ONU e outras.

Seria a utilização de produtos agrícolas para a produção de bioenergia a causa real desta situação aflitiva? O comércio de alimentos no mundo é uma parcela reduzida da produção total, o que indica que os alimentos têm que ser produzidos o mais perto possível dos consumidores. Por outro lado, mesmo esta parcela pequena está concentrada em países que dificilmente podem ser considerados como em situação crítica de fome. Cerca de 90% do milho brasileiro exportado e 80% do americano vão para 10 países em situação menos dramática. No caso da soja, esta percentagem é de 81% e 86%.

O que ocorre é que, mais uma vez ressalvando situações críticas de restrições severas à produção agrícola e eventuais eventos climáticos negativos, muitos países relegaram para um segundo plano a segurança no abastecimento de sua população pobre. Sacrificaram principalmente os seus agricultores com políticas de preços que atenderam principalmente aos consumidores urbanos, substituindo inclusive alimentos tradicionais consumidos pelos pobres.

Que ao menos estas dificuldades sirvam para alertar aos dirigentes, principalmente os de países mais pobres, sobre a importância de políticas voltadas para a produção interna de alimentos. E que os nossos dirigentes não caiam na tentação da implantação de políticas de abastecimento que, se atendem no curto prazo ao equilíbrio dos preços, eliminam os incentivos à produção interna e apenas transferem para o futuro os ajustes que serão necessários.

. Por: João Carlos Garcia ([email protected] ) e Jason de Oliveira Duarte ([email protected]), pesquisadores da área de economia rural da Embrapa Milho e Sorgo | www.cnpms.embrapa.br | Por: Grão em Grão.

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