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16/04/2021 - 07:41

A integralização de Capital Social com Criptomoedas: rumo a uma nova era


Reconhecimento da possibilidade de integralização de capital social com criptomoeda abre espaço para novas formas de investimento no país.

A recente notícia de que a Tesla, nova gigante do mercado equipamentos elétricos, inclusive automotivos, comprou 1,5 bilhão de dólares em Bitcoins e declarou que no futuro poderá aceitar esta criptomoeda como forma de pagamento serve para mostrar que as criptomoedas estão sendo cada vez mais utilizadas.

Este seria o caso, por exemplo, de uma startup brasileira que queira receber um aporte de capital estrangeiro e utilize parte deste investimento para aumentar seu capital social, a fim de participar de uma licitação. No cenário tradicional isto envolveria tempo e burocracia, uma vez que o valor da moeda estrangeira deveria, por intermédio de uma instituição financeira, ser convertido em Reais, para somente então ocorrerem os procedimentos societários necessários. Com a criptomoeda, por sua vez, isto seria facilitado, uma vez que não há o envolvimento de instituições financeiras como intermediários tampouco a necessidade de conversão do valor do ativo.

Atentando-se a este chamado do mercado, o Departamento de Registro Empresarial e de Integração (DREI) se posicionou para que haja aceitação deste ativo pelas Juntas Comerciais. Mas afinal, o que são e como funcionam as criptomoedas?

O que são criptomoedas — Atualmente existem cerca de 6 mil diferentes tipos de criptomoedas que podem ser transacionadas, sendo as mais populares o Bitcoin (BTC), Ethereum (ETH), Tether (USDT), Ripple (XRP), e Litecoin (LTC).

Ao contrário da moeda física ou eletrônica, a criptomoeda consiste em ativo digital denominado na própria unidade de conta e não é emitida por nenhuma autoridade governamental, sendo que sua integridade é assegurada pela criptografia e consenso distribuído em rede. Isto é, aquele que deseja realizar o pagamento com uma criptomoeda assina a transação equivalente com uma chave e esta transação é publicada na rede. Após a confirmação da transação, ela se torna irreversível. A depender da tecnologia empregada pela criptomoeda, esta transação pode ocorrer em segundos.

O que assegura a integridade das criptomoedas, ao contrário, por exemplo, da moeda física, não é a confiança que é depositada nela, mas sim o fato de que existem algoritmos obrigatórios (códigos complexos) para cada usuário, permitindo, assim, a transferência de maneira segura.

Destaca-se que as transações ficam registradas em livros-razão, conhecidos como DLT (distributed ledger technology). Um exemplo de DLT é o blockchain, que registra a transação e mineração[1] de algumas criptomoedas, como o Bitcoin. No caso do blockchain, ele atua como um banco de dados público (ledger), no qual há o registro de cada operação realizada, que não pode ser apagada.

O registro no blockchain é feito pelos mineradores, que fornecem o suporte (em nuvem) necessário para o processamento do referido registro em troca de novas unidades de criptomoedas.

O blockchain é realizado em blocos com uma hash (código matemático que representa os dados enviados). Esse sistema permite não só a neutralidade, mas a segurança de que os blocos antigos não serão modificados.

Uma das grandes vantagens das criptomoedas é a possibilidade de enviar ou receber qualquer valor instantaneamente em qualquer lugar, de maneira segura[2]. Isto significa a possibilidade de diversificar o segmento de seus investimentos a nível mundial de maneira facilitada. Este é um aspecto muito positivo trazido pelas criptomoedas[3], uma vez que outras tecnologias, como o PIX, têm limite de atuação no âmbito nacional.

Seguindo esta lógica, e usando o exemplo dado no início, seria possível que um investidor chinês enviasse capital para uma companhia brasileira sem a necessidade de ter que fazer a remessa e conversão do capital por meio de um banco como intermediador. Mas como funciona?

Como funciona a integralização de capital social — Para que se possa investir numa empresa, é necessário comprometer-se a entregar o dinheiro ou os bens relacionados ao valor que se pretende investir (ato de subscrição do capital social)[4 e 5].

A integralização do capital social nada mais é do que o cumprimento desta obrigação. Ou seja, a integralização é a entrega do dinheiro ou dos bens para a composição do capital social.

Antes da disseminação das criptomoedas, a questão da integralização do capital social era um assunto relativamente “preto no branco”. Contudo, a popularização das moedas criptográficas fez com que surgisse o questionamento sobre a possibilidade de investir em empresas no Brasil por meio de criptomoedas.

O Departamento de Registro Empresarial e Integração (“DREI”) – órgão que regulamenta os registros das sociedades empresárias no País – pelo Ofício Circular SEI nº 4081/2020/ME (“Ofício 4081/20”), utilizou-se do conceito da Receita Federal para determinar que as criptomoedas são bens incorpóreos que contêm valor e que são negociáveis[6].

Nesse sentido, o DREI entende que não há vedação legal quanto à integralização de capital social em criptomoedas. Ao contrário, o DREI considera que é possível o ato aqui referido porque é admissível integralizar qualquer espécie de bens[7], sendo as moedas criptográficas uma delas.

Logo, de acordo com o Ofício 4081/20, é possível a integralização de capital social com criptomoedas, sem a necessidade de formalidades especiais, devendo as Juntas Comerciais observar apenas as regras para integralização de bens móveis.

Vantagens e Desvantagens da Integralização por Cripto — O Ofício 4081/20 do DREI representa um importante avanço no que diz respeito aos investimentos no Brasil. Isso porque possibilita mais uma forma de aporte de capital para as empresas brasileiras, fomentando, inclusive, o investimento estrangeiro no País.

No entanto, àqueles que pretendem fazer operações com criptomoedas, recomenda-se a adoção de medidas de segurança relacionadas à carteira. Além disso, como bem apontado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM)[8], por não serem reguladas por uma autoridade central, as criptomoedas podem facilitar, direta ou indiretamente, operações ilegais, como lavagem de dinheiro e operações fraudulentas. Sendo assim, segue-se a recomendação da CVM no sentido de realizar as operações por meio de Exchanges e verificar, por meio de diligências, se a criptomoeda é fraudulenta.

Neste caso é importante, por exemplo, verificar a transparência da tecnologia empregada, bem como se não se trata de uma criptomoeda de esquema piramidal (cryptoponzi). Os cryptoponzis consistem num esquema fraudulento que, em tese, atrai investidores por sua rentabilidade em pouco tempo. Para pagar os investidores, os organizadores do esquema Ponzi impulsionam a entrada de novos investidores, sem necessariamente haver, de fato, o investimento no fundo, o que causa o colapso neste esquema fraudulento, quando não há mais a entrada de novos investidores. Um caso famoso de cryptoponzi é do grupo 18K Ronaldinho, que, em virtude dos danos causados aos adquirentes da criptomoeda deste grupo, que prometia rendimentos de 2% ao dia, fez com que o ex-jogador de futebol, Ronaldinho Gaúcho, virasse réu em ação civil coletiva com pedido no valor de R$ 300 milhões[9].

Outro ponto de atenção que aqueles que desejam investir em criptomoedas é a variação de preço que elas podem sofrer. Assim como ações, o valor da criptomoeda pode sofrer alterações em razão do mercado, podendo sofrer súbitas valorizações ou desvalorizações.

No caso da desvalorização, é importante atentar-se ao fato de que se já estiver integralizada no capital social deverá ser formalizada, mediante o ato societário adequado, a redução proporcional do capital. Isto implica na elaboração dos documentos contábeis necessários para comprovar o prejuízo irreparável ao capital, bem como na diminuição do valor proporcional das quotas[10], no caso de sociedade limitada, ou na suspensão dos direitos correspondentes às ações cujos certificados tenham sido emitidos, até que sejam apresentados à companhia para substituição[11], na hipótese de sociedade anônima.

Assim como se vê no mercado, a tendência é que este tipo de investimento em empresas se torne cada vez mais comum. O caso da Tesla, capitaneada por Ellon Musk, é um dos principais chamarizes para que empresas brasileiras passem a adotar esse tipo de investimento.

Portanto, para que o aporte de capital em criptomoedas seja feito de maneira segura, recomenda-se o estudo da criptomoeda em que se pretende investir, bem como a avaliação jurídica do impacto e riscos que traria sobre o capital social da empresa. Se o resultado de tal avaliação se mostrar interessante para a empresa, o próximo passo é tomar as medidas societárias e contábeis necessárias para o registro do aporte de capital.

Notas: [1] A Mineração consiste no processo de criação de novas unidades de determinada criptomoeda, utilizando-se de um sistema de consenso distribuído, que protege a neutralidade da rede, bem como modificação de blocos antigos.

[2] Destaca-se que as ferramentas utilizadas para que a transação ocorra contêm diversas camadas de segurança, mas o uso de medidas adicionais de segurança em sua carteira pelo usuário é indispensável.

[3] https://bitcoin.org/pt_BR/bitcoin-para-pessoas.

[4] Código Civil, art. 997, III e IV.

[5] Lei 6.404/76, art. 7º.

[6] Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019, “Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se: I - criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.

[7] V. notas 2 e 3.

[8] Ofício Circular nº 11/2018/CVM/SIN.

[9] https://valorinveste.globo.com/mercados/cripto/noticia/2020/02/14/ronaldinho-gaucho-vira-reu-em-acao-que-pede-r-300-milhoes-por-piramide-de-criptomoedas.ghtml.

[10] Código Civil, art. 1.083.

[11] Lei 6.404/76, art. 173, §2º.

. Por: Márcio Mello Chaves, advogado e sócio responsável pela área de direito digital de Almeida Advogados e, Larissa da Costa Andrade é advogada na equipe de direito digital de Almeida Advogados.

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