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30/07/2021 - 03:11

O dia em que a Terra deveria parar


A humanidade está consumindo mais do que a Terra pode nos prover de forma saudável. Para quantificar melhor esse cenário, a Global Footprint Network calcula anualmente a data precisa quando a sociedade passa a demandar mais recursos e serviços ecossistêmicos do que o planeta é capaz de regenerar em um ano. Esse é chamado dia da Sobrecarga da Terra, quando entramos no cheque especial do meio ambiente, por assim dizer. Em 2021, hoje é o dia (29/7).

Até o fim do ano, a humanidade terá consumido quase 6 meses além do que o planeta suporta de forma sustentável, isto é, o modus vivendi atual está comprometendo a qualidade de vida das futuras gerações. De fato, estamos antecipando o uso de recursos que decerto faltarão a nossos herdeiros neste planeta. Nos indicadores do Global Footprint Network, que usa como base as Contas Nacionais de Pegada e Biocapacidade Ecológica, a partir de relatórios da ONU, os principais impulsionadores de consumo do planeta foram a pegada de carbono (aumento de 6,6%) e uma diminuição na biocapacidade florestal global (redução de 0,5%).

Trata-se de cenário muito preocupante e a verdade é que mudanças de hábito nunca são tarefas fáceis. No entanto, vivemos momento de inflexão. Na metáfora, o cobrador já está na porta. Se o clamor da juventude mundial por mudanças para evitar a emergência climática não foi suficiente, agora vemos a natureza se manifestar, com extremos climáticos e catástrofes ambientais. No Brasil, em julho houve recorde de frio, sendo a menor temperatura no Estado do Rio de Janeiro com quase -10°C. O Movimento Estadual dos Moradores em Situação de Rua afirma que sete pessoas morreram na cidade de São Paulo, em decorrência das baixas temperaturas. No outro oposto térmico, o Canadá enfrentou, nos mesmos dias, onda de calor sem precedentes, que matou mais de 200 pessoas, colocou em xeque a infraestrutura atual e a sua capacidade de suportar a nova realidade climática. Enquanto isso, enchentes recordes assolaram a Europa, a China e nossa região Amazônica, com a maior cheia do Rio Negro desde 1902.

E se todos esses sinais não bastam, a ciência aponta mais dados preocupantes. Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, quando esteve no evento Cidadão Global, mostrou que, com mais estiagens e com as mudanças climáticas, o pujante agronegócio brasileiro poderá enfrentar crescentes desafios. Citando relatório da seguradora Swiss Re, o PIB brasileiro poderá sofrer queda de 17% até 2048, caso deixem de ser adotadas medidas para mitigar o aquecimento global e adaptar o agronegócio para os novos tempos.

O caminho passa pela economia de baixo carbono. Nesse sentido, o mundo já discute como dar uma guinada em negócios ainda baseados em conceitos ultrapassados, mas que precisam encontrar o caminho rumo a uma economia moderna, guiada pela baixa emissão de CO2. Apesar da pandemia, o ano em curso é pródigo de oportunidades para ações que mudem o cenário tão desafiador: os EUA convocaram a Cúpula do Clima, teremos a COP-15 da Biodiversidade, que irá discutir o novo marco da biodiversidade, bem como a COP-26 do Clima, cujo grande objetivo é a implementação do artigo 6 do Acordo de Paris, que dispõe sobre a regulação de um mercado mundial de carbono. Além disso, realizaremos em Belém do Pará o Fórum Mundial da Bioeconomia, que pela primeira vez acontecerá fora da Finlândia.

Assim, tal cenário traz desafios e boas oportunidades ao Brasil. O País tem potencialidades para ser protagonista no debate ambiental. Aqui estão a maior biodiversidade e a maior floresta tropical do planeta, e muito know-how agrícola, além dos 12% de água doce do mundo. A matriz energética nacional é uma das mais limpas do mundo, com 45% gerada a partir de fontes renováveis. Mas o Brasil tem um importante dever de casa, que é o combate contra ações criminosas como queimadas, desmatamento e mineração ilegais, grilagens de terras, ilícitos que ocorrem principalmente na região amazônica.

As árvores são o caminho do futuro. Uma das melhores tecnologias de sequestro e estocagem de carbono é plantar árvores. Com efeito, o setor de árvores cultivadas brasileiro tem expertise e é líder mundial, plantando mais de 1 milhão de árvores por dia para fins industriais, gerando emprego e renda em mais de mil municípios espalhados por todo o Brasil. Ao todo, são 9 milhões de hectares no Brasil destinados a fins produtivos de pinus, eucalipto e teca, entre outras variedades. Verdadeiros sumidores de carbono. Isto representa menos de 1% do território nacional e quase 100% de toda a madeira utilizada industrialmente no País. Além da área de cultivo, este é um dos setores que mais conserva, já que são quase 6 milhões de hectares de florestas naturais em Áreas de Preservação Permanente (APPs), Reserva Legal (RL) e Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), uma área do tamanho do Estado do Rio de Janeiro.

Somando áreas de plantação e áreas de conservação, o setor de árvores cultivadas estoca mais carbono do que toda a indústria brasileira emite em um ano. Observe-se que esse setor não ajuda apenas com o sequestro e o estoque de carbono. Além disso, quando se usam produtos feitos a partir das árvores cultivadas, evita-se a emissão na produção de produtos de base fóssil ou não renovável, por exemplo, evita-se, no caso de energia, o uso de diesel, e também que se queime biomassa de florestas nativas. Da mesma forma, no caso de produtos diversos, como livros, móveis, entre outros, o carbono ainda fica estocado no produto por muito tempo.

O dia da sobrecarga deve soar o alerta para a humanidade. Não podemos parar o mundo esperando o ciclo de renovação da natureza, mas podemos estabelecer padrões que atuem em harmonia com preceitos de sustentabilidade. Como sociedade e também como indivíduos, fazendo escolhas mais sustentáveis, buscando produtos de fonte renováveis, que sejam recicláveis e atendam à lógica da circularidade, assim economizando recursos naturais absolutamente valiosos.

Ainda temos muito 2021 pela frente para tentar fazer um ano mais verde. Temos potenciais ímpares, experiências exitosas e todo um mundo que anseia por transformação. Os momentos desafiadores abrem chances para transformar as potencialidades do Brasil em oportunidades, de garantirmos um país e um planeta saudáveis, gerando emprego e renda com a bioeconomia. Em uma palavra, precisamos transformar em realidade presente um futuro que, sem nossa consciência sobre o imperativo da sustentabilidade, lá adiante poderá fazer o mundo realmente parar, com implicações catastróficas para a humanidade.

. Por: Embaixador José Carlos da Fonseca Jr., o diretor executivo da Ibá, com assento no Comitê Diretor do The Forests Dialogue (TFD) e no Advisory Committee on Sustainable Forest-based Industries (ACSFI), da FAO. | Perfil — A Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) é a associação responsável pela representação institucional da cadeia produtiva de árvores plantadas, do campo à indústria, junto a seus principais públicos de interesse. Lançada em abril de 2014, representa 47 empresas e 10 entidades estaduais de produtos originários do cultivo de árvores plantadas - painéis de madeira, pisos laminados, celulose, papel, florestas energéticas e biomassa -, além dos produtores independentes de árvores plantadas e investidores institucionais. | www.iba.org.

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