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13/11/2021 - 10:18

Mesa de negociações, dieta e caminhos na COP-26 para conter a crise climática

Mais um capítulo do destino de nossas vidas e de todas as formas de vida como conhecemos hoje no planeta está sendo servido à mesa de negociações internacionais durante a 26a Conferência das Partes no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).

Choca constatar que, globalmente, ano após ano tornamos trilhões de seres sencientes (animais de fazenda) objetos de consumo. A magnitude e velocidade de redução de emissões que se precisa alcançar é tão urgente quanto aliviar o sofrimento de animais. Mas não conversamos sobre isso.

Mudanças de nosso sistema alimentar e dieta são componentes essenciais. Já passou da hora de levarmos este tema às mesas de negociação locais e internacionais, como a COP-26 e traduzir em ações concretas. A você, apetece ter uma conversa verdadeira, da qual depende a sobrevida de nossa casa, o Planeta Terra e todos os seres envolvidos, humanos inclusos?

Além de consenso científico global, a urgência para alterarmos a rota dos atuais padrões de consumo e meios de produção e implantar medidas de adaptação e regeneração para conter a crise climática é tão grave que, numa quebra de protocolo diplomático, a campanha de uma agência da ONU cita explicitamente o risco à extinção. Não é de hoje que os elementos da crise climática estão sobre a mesa. Faltam, contudo, novos ingredientes para degustar e digerir.

Promessas têm sido feitas desde a COP-1 em Berlim em 1995, embora ações concretas para limitar as emissões de gases de efeito estufa não alcancem o desejado. Ao contrário, as emissões nunca deixaram de subir. A ciência vem nos alertando sobre o tamanho dos esforços e empenho para que a temperatura não se eleve em mais de 1,5oC até o final do século, para que os impactos com a maior temperatura possam ser gerenciados e mitigados com menores riscos possíveis.

As emissões de gases de efeito estufa associadas à criação de animais ditos para consumo representam 1/7 de toda emissão de gases de efeito estufa global induzida pelo ser humano. Estudo publicado na revista Science com dados de quase 40.000 fazendas distribuídas em 119 países e abrangendo 40 produtos alimentícios que representam 90% de tudo o que é consumido, conclui que carnes e laticínios fornecem apenas 18% das calorias e 37% das proteínas, mas utilizam 83% das terras agrícolas e produz 60% das emissões de gases de efeito estufa da agricultura. A pesquisa ressalta que a adoção de uma dieta rica em vegetais é uma das alternativas mais eficazes para reduzir o impacto no planeta, não só em termos climáticos, mitigando emissão de gases de efeito estufa, mas também diminuindo uso da terra, uso de água, eutrofização (poluição de água) e acidificação (poluição do ar). Costumou-se usar para isso o jargão plant-based food. O extraordinário, a essa altura do campeonato, é constatar que rodadas de negociações em torno da questão climática acontecem com parte expressiva dos problemas e sem a presença de soluções potenciais à mesa.

Participei da COP-21 em 2015, observei o desenrolar da conferência e me perguntei: "Se a dieta à base de plantas é uma ação estratégica para lidar com a crise climática, por que em plena reunião global para tratar deste tema, grande parte dos pratos oferecidos continham carnes e/ ou laticínios?" Na COP-23 em Bonn, 2017, peguei-me fazendo a mesma pergunta. Ao contrário de Paris, havia cartazes citando a importância da alimentação para lidar com a crise climática. Nos pratos, quase nada

Desde então, a importância do modelo alimentar tornou-se ainda mais foco de estudos. Em 2019, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), um órgão de aconselhamento científico para governos criado por agências da ONU, publicou relatório enfatizando a importância da transformação do sistema alimentar para atender às demandas urgentes de redução de emissões, além de ser oportunidade de promover melhor saúde. Não seria o caso de incluir o tema no cardápio das questões essenciais sobre as mudanças do clima? Tudo precisa funcionar junto.

Por acréscimo a tudo, segundo relatório da Embrapa: "75% dos alimentos do mundo são gerados a partir de 12 espécies de plantas e cinco espécies de animais. Isto torna o sistema alimentar global altamente suscetível aos riscos inerentes à atividade agrícola, como pragas e doenças em animais e plantas, problema agravado pelos efeitos da mudança do clima". No Brasil, a Mercy For Animals (MFA) apoia indivíduos, empresas, produtores e diferentes esferas de governo em processos de transição alimentar e transformação do sistema alimentar para um mais compassivo e sustentável.

Mais de 6 bilhões de animais ditos para consumo são mortos anualmente. De acordo com relatório da SEEG - Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito a produção de bovinos domina as emissões do agro: a criação de bois e vacas responde por nada menos que 75% das 577 milhões de toneladas emitidas pelo setor, divididas entre gado de corte (65,6%) e de leite (9,3%). Diretamente, sem contar o desmatamento, a pecuária bovina no Brasil emite mais do que países como a Itália e a Argentina.

Até mesmo a aquacultura, assumida como tendo emissões relativamente baixas, pode emitir mais metano e criar mais gases de efeito estufa do que vacas.

Faço um convite, sentemo-nos à mesa com a nossa própria vulnerabilidade: qual o real apetite por mudança? Ninguém em sã consciência atearia fogo em sua própria casa. No entanto, apesar do genuíno esforço diplomático e articulação de governos subnacionais, empresas, agentes financeiros, sociedade civil, o caminho que tomamos parece rumar a este cenário, onde "ateamos fogo" no planeta Terra. Urgiria lidar com tamanho desafio em todas as condições, reduzir a emissão de gases de efeito estufa de combustíveis fósseis e de todas as outras fontes, especialmente as emissões associadas à nossa dieta. Não menos.

. Por: Cristina Mendonça, diretora executiva da Mercy For Animals no Brasil.

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