Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

14/01/2023 - 09:19

O consentimento genérico do paciente e a responsabilidade civil do médico


O Recurso Especial N. 1848862 / RN[1], julgado no ano de 2022, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) expõe um caso de violação ao consentimento informado livre e esclarecido por falta de informações sobre os riscos do tratamento. Trata-se de ação de indenização por danos morais em que o procedimento cirúrgico realizado possuía apenas consentimento genérico, o que não se revela suficiente para garantir o direito fundamental à autodeterminação do paciente.

Blanket Consent — O caso é um exemplo de como o chamado consentimento genérico, conhecido também como Blanket Consent, em que não há individualização das informações prestadas ao paciente, dificultando, assim, o exercício de seu direito fundamental à autodeterminação. Dessa maneira, tem-se que o médico tem a obrigação de informar o paciente acerca dos serviços médicos que lhe são prestados, assim como todas as intercorrências da cirurgia, sob pena de violar o dever de informação.

Consentimento Livre e Esclarecido — O consentimento livre e esclarecido integra o dever ético à relação médico-paciente, impondo ao médico o dever de respeitar a vontade autônoma do paciente nas decisões sobre sua saúde, de maneira personalizada.

Nos casos em que o consentimento livre e esclarecido não é observado há violação de um direito pessoal e intransmissível do paciente e um dever de indenizar por parte do profissional da saúde. Tal fato demarca que a violação ao consentimento informado produz um dano independente da técnica médica empregada, sendo irrelevante se esta foi ou não adequada. No mesmo sentido, Gilberto Bergstein (2013, p. 239), explica que:

(…) no âmbito da relação médico-paciente existem ao menos duas prestações distintas, que podem – de forma autônoma- ser ou não cumpridas, gerando responsabilidade para a parte inadimplente, uma delas é aquelas tradicionalmente denominadas obrigações “principais”, e está relacionada aos cuidados de saúde do paciente (diagnóstico, etc.). A outra diz respeito ao dever de informar, cujo descumprimento deverá gerar, por si, responsabilidade do médico, independentemente de ter havido ou não falha no cumprimento da primeira (…).

O direito de autodeterminação está associado aos direitos da personalidade, direitos que atribuem às pessoas o poder de decidir o que deve ocorrer com seu corpo e sua saúde. Esse direito pode ser violado independentemente de ter sido causado um dano físico ou de se ter cometido erro médico. A violação ao consentimento informado constitui, portanto, um dano autônomo, que passa a ser considerado um requisito para a conduta médica.

Noção de Culpa — Nesse sentido, a relação médico-paciente impõe, no âmbito judicial, uma noção de culpa mais ampla, pois além de analisar se a técnica médica empregada foi realizada dentro dos parâmetros considerados adequados, é preciso verificar se os deveres relativos à garantia do direito à autodeterminação foram cumpridos. O que lança novos desafios para a teoria da responsabilidade civil no âmbito clínico.

Portanto, o dever de informar decorre da decorrente da boa-fé objetiva e sua simples inobservância caracteriza inadimplemento contratual, fonte de responsabilidade civil. A indenização, nesses casos, é devida pela privação sofrida pelo paciente em sua autodeterminação, por lhe ter sido retirada a oportunidade de ponderar os riscos e vantagens de determinado tratamento.

Explica Adriano de Cupis (2008, p. 2003 e seguintes) que os direitos de personalidade são todos aqueles destinados a dar conteúdo à personalidade, constituindo um mínimo necessário e imprescindível para a vida em sociedade, sem eles a personalidade não poderia ser plenamente realizada e ficaria privada de valor concreto, pois os demais direitos perderiam interesse de proteção.

Nesse sentido, o consentimento livre e esclarecido agrega, em sua base ético-jurídica, valores fundamentais para o exercício da personalidade, razão pela qual sua violação constitui dano autônomo e independente em relação à técnica médica empregada.

Referências: Bergstein, Gilberto. A informação na relação médico- paciente. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

Brasil. Código civil brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. São Paulo: Saraiva 2020.

Brasil. Código de defesa do consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. São Paulo: Saraiva 2020.

Brasil, CFM. Código de ética médica. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções nº 2.222/2018 e 2.226/2019. Disponível em: < https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf>. Acesso em 07 jul. 2022. Cupis, Adriano de. Os direitos de personalidade. São Paulo: Quorum, 2008.

[1] (REsp n. 1.848.862/RN, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 8/4/2022).

. Por: Letícia Alves, advogada integrante do escritório Battaglia & Pedrosa Advogados. Formada pela Universidade Federal Fluminense, especialista em Direito Médico e Mestranda em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva pela Fiocruz com atuação profissional na área de contencioso cível. | [email protected]

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira