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18/06/2008 - 10:47

Fundos soberanos

Fundos correspondem a disponibilidades, aplicadas financeiramente, com finalidade específica e cujas movimentações não são livres, mas regulamentadas em conformidade com a política adotada por seus instituidores ou participantes. Obedientes à lógica econômica, são criados tendo em vista situações futuras, previstas por esses agentes, que podem estar associadas à redução de suas receitas ou lucros futuros, socorrendo-os em momentos de privação desses ativos, ou à acumulação de recursos, visando a eventuais planos de expansão ou de aquisição de negócios. Portanto, fundos devem obter remunerações que minimamente preservem o poder de compra dos valores neles investidos. Fundos Soberanos ou Fundos de Riqueza Soberana (Sovereign-Wealth Funds, no original em inglês) não são exceção a essa lógica.

De modo geral, os Bancos Centrais constituem reservas em dólares, que devem ser aplicadas conservadoramente, de maneira a conferir alta segurança para esses valores e, por essa via, credibilidade às suas políticas fiscal e monetária. Para isso, estabelecem regras bastante rígidas e aplicam a maior parte dessas reservas em títulos do Tesouro norte-americano. O pressuposto desse conservadorismo, hoje de alguma forma em questão, é o de que a economia americana e sua moeda sejam fortes e saudáveis o suficiente para tranqüilizar as poupanças nelas arrimadas. Quando essas reservas atingem volumes muito altos, que excedem a qualquer expectativa acerca do cumprimento dos compromissos internacionais de uma nação, implicando o reconhecimento generalizado de sua pujança, reúnem-se as condições favoráveis para que parte dessas reservas venha a ser utilizada na criação dos chamados fundos soberanos, pertencentes a um Estado nacional.

Essa situação já não é mais tão incomum. Vários países, como por exemplo, os Emirados Árabes, Cingapura, Rússia, China e Kuwait, entre outros, instituíram seus fundos soberanos e atuam com tal intensidade que já despertam algumas desconfianças no mundo desenvolvido. Os países mais industrializados (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália e Japão), reunidos no G7, pediram a criação de um código de boas práticas para esses fundos. O pedido relaciona-se à necessidade de transparência e de previsibilidade no gerenciamento desses fundos. As compras de empresas nacionais por fundos que são controlados por governos estrangeiros, de países muitas vezes não–democráticos, de transparências duvidosas, levantam desconfianças entre os países industrializados. Entretanto, não há como negar, cumpriram um papel decisivo na manutenção da liquidez do sistema bancário internacional na atual crise financeira em que se meteram os Estados Unidos e a Europa.

O fato é que com a globalização, a liquidez mundial cresceu rapidamente. Os fluxos financeiros se agigantaram e tornaram-se excessivamente rápidos. Essa mobilidade internacional, preconizada pelo movimento de internacionalização das grandes corporações, provocou um aumento expressivo da volatilidade dos mercados financeiros e desembocou em sucessivas crises cambiais. México, Rússia, Brasil, Ásia e Argentina trazem as piores lembranças aos formuladores de política econômica da década de 90. Essas crises subtraíram internamente a cada país, o espaço para a produção de níveis adequados de crescimento, agravando a pobreza e ampliando as desigualdades sociais. Acumular reservas em moeda forte passou, então, a ser um requisito para garantir condições mínimas de construção de políticas econômicas nacionais, preservando esses países, em alguma medida, dos ataques especulativos às suas moedas.

Por um lado, as reservas cumpriram o seu papel macroeconômico, por outro, entretanto, produziram um razoável desconforto aos países que as acumularam pela baixíssima rentabilidade que os investimentos tão seguros pressupõem. Na linguagem dos administradores de recursos, essas reservas têm um custo de carregamento, determinado basicamente pela diferença entre o seu custo de oportunidade e a rentabilidade que aufere em suas aplicações. De forma mais simples, no caso brasileiro, o Banco Central emite títulos públicos para adquirir os dólares necessários à formação das reservas. Esses títulos são remunerados às taxas de juros internas, conhecidas como entre as mais altas do mundo. Em seguida, aplica os dólares adquiridos em operações de baixíssimo risco e, portanto, remunerados com as taxas mais baixas do planeta. Trata-se de contra-senso inaceitável: sujeitar as nações mais pobres a pagar um preço muito alto, apenas para ter o direito à autonomia na formulação de suas próprias políticas econômicas.

Nesse sentido, um fundo soberano brasileiro que recebesse parte dos dólares das reservas nacionais para investir em ativos mais rentáveis, preservados os níveis de segurança adequados, é bem vindo. Estaríamos reduzindo incertezas futuras por meio da acumulação de recursos, cujos poder de compra estariam, no mínimo, conservados. Por outro lado, a conseqüente remoção do excesso de dólares ofertados em nossa economia, contribuiria para reduzir valorização da moeda nacional. Essa valorização tem inviabilizado, pelo lado das importações, uma boa parte da indústria nacional e, simultaneamente, impedido a exportação de produtos que não tiveram reajustes de preço no mercado externo, em dólar, superiores ao ritmo de apreciação do real. Trata-se de uma vertente recessiva que se cria pela entrada excessiva de dólares na vida brasileira, com conseqüências indesejadas na expansão dos níveis de emprego.

A beleza das ciências econômicas reside nas suas aparentes inconsistências e paradoxos. Aliás, todas as disciplinas que tentam explicar os mecanismos de restauração dos equilíbrios sistêmicos, quando não os compreendem , acabam produzindo interessantes neologismos. Em economia, essas forças que criam novas ordens, diferentes das anteriores, são chamadas de ciclos econômicos ou, numa expressão mais extremada, de contradições. Ironias à parte, foi a mesma apreciação (excessiva, na opinião de muitos) do real que possibilitou a aquisição de ativos por empresas nacionais em outros países. Esses casos também já não são poucos. Hoje temos empresas brasileiras espalhadas por todo o mundo e continuamos a comprar frigoríficos, siderúrgicas, etc.. Assim, a idéia de apoiar empresas nacionais no seu esforço de internacionalização não parece descabida. Os fundos soberanos têm sido utilizados, mais recentemente, para conduzir os países a um posicionamento estratégico privilegiado no mundo. Aquisições devem ser feitas de forma a estabelecer a participação do país em determinados setores e, por essa maneira, promover vantagens competitivas à produção e distribuição de suas riquezas. Apenas não parece razoável que esse objetivo seja perseguido por meio de empréstimos subsidiados à empresa privada. Isso seria odioso, pois não se poderia explicar ao sacrificado contribuinte brasileiro porque ele deve pagar tantos impostos para financiar, de forma subsidiada, a aventura econômica de grupos privados. Melhor será, sem dúvida, que o governo brasileiro participe diretamente como investidor dos empreendimentos que julgar estratégicos aos interesses nacionais e que seus frutos sejam colhidos por toda a sociedade brasileira e não, a título de estímulo ao desenvolvimento nacional, por conjuntos estreitos e subsidiados de pessoas ou de grupos.

A idéia da criação do fundo brasileiro parece fazer ainda mais sentido quando comparada à origem de outros fundos soberanos. Muitos desses fundos foram criados a partir dos excessos de reservas cambiais formados pela exportação de produtos primários, beneficiados pelo crescimento da demanda internacional e pelas sucessivas altas de seus preços. Esse foi o caso do Chile, da Noruega e de outros países produtores de petróleo. O que pensar do Brasil com todas as suas valorizadas commodities? A entrada em operação das novas áreas produtoras de petróleo, descobertas recentemente, haverá de promover saldos comerciais expressivos, pressionando, outra vez, em direção à valorização do real. Uma alternativa, então, será reeditar um imposto há muito esquecido em nossa história econômica: o confisco cambial. Assim, para cada saca de café exportada poderíamos reviver a obrigação de recolhimento de certo valor em dólares. Melhor será deixar o comércio fluir livremente e os excessos de moeda forte que sejam conduzidos ao fundo soberano brasileiro.

Algumas questões, no caso do brasileiro, remanescem ainda pendentes de boas explicações, dado o hibridismo da proposta governamental, prevendo “uma atuação fiscal e anticíclica”. Incomoda, por exemplo, que o conceito de fundos soberanos esteja associado à escolha de áreas de incentivo e de estímulo, sobretudo porque esses fundos procuram maximizar a rentabilidade dos recursos neles aplicados. Causa maior estranheza o fato de o governo afastar-se da idéia de proteger a moeda nacional de valorizações excessivas e buscar recursos, para a formação desse fundo, em um aumento do superávit primário, de vez que para o objetivo fiscal, esse instrumento pressupõe países com amplos superávits nominais. E mais curioso ainda é sua função anticíclica prever a aplicação de seus recursos no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A proteção se perfaz na medida em que o fundo deixe de correr o risco de seu país de origem, diversificando-o em vários negócios e por vários países diferentes. Ao aplicar esses recursos em empresas brasileiras, estaremos atrelando o seu risco, em última instância, ao nosso próprio país.

Ao analisar a proposta do Ministro da Fazenda, a conclusão possível é a de que, de fato, se quis criar um fundo de fiscal, com propósitos de estabilização, apartando do Orçamento um recurso que fortalecesse a burocracia do Tesouro Nacional que, em última análise, é quem teria a autonomia para alocação desses recursos. Ingenuidades tecnocratas na vida institucional de nosso país! O papel de guardião da moeda nacional e a função de formador de reservas internacionais são reservados ao Banco Central. Um fundo soberano pode dar forte apoio à ação do BACEN em suas tarefas, mas será necessário que ele seja, realmente, soberano. E soberano, o fundo que se propõe, não é.

. Por: Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi é diretor-presidente da Fractal- Forma, Acaso e Dimensão e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo ([email protected])

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