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09/07/2008 - 11:03

Era uma vez ou: rei reina, governador governa, deputado...


Era uma vez, longe, bem longe, lá onde o oceano beija as areias das praias, um país bonito por natureza. O povo daquela terra abençoada vivia governado por um rei sábio – o sábio barbudo.

Assumira o trono depois de uma guerra na qual derrotara a dinastia dos pássaros de bico grande. Como já era de hábito naquelas paragens, diferentemente da guerra das rosas, o conflito foi resolvido sem derramamento de sangue, mais ainda, sem choque físico. Cada um dos postulantes à corôa estabeleceu uma lista dos seus soldados, e venceu aquele que apresentou uma relação maior. Tudo apurado eletronicamente. Foi uma guerra em paz, como se deve. Ventos benfazejos, vindo de alhures, passaram a inflar as velas da nau capitânia. Ao vitorioso coube a herança maldita – termo que designava um roteiro seguido com poucas modificações.

Depois de alguns anos de felicidade intensa, entrecortados por pequenas intrigas, alguns erros administrativos e ações estranhas adotadas por alguns seres aloprados, eis que um perigoso dragão ameaçou invadir as terras do suserano. A fera hedionda devorava salários, e espalhava maquininhas de remarcação em supermercados.

Não contente com isso, a besta atacava bolsos, poupanças e patrimônios. No começo, o rei sábio disse que não valeria a pena perder meia hora de sono por causa do perigo. Preferiu, em sua imensa sabedoria, longos passeios na sua carruagem alada, para, em seguida descer e, subindo em cima de qualquer caixote que houvesse por perto, explicar, a seus súditos, com sua voz possante e rouca o quão maravilhoso ele era, apesar de pouco ou nada ter estudado. Atirava punhados de moedas, acomodadas em bolsas cuidadosamente costuradas às famílias que não se interessassem por aulas de pescaria. Assim Luiz o bem-amado – não confundir com seu antecessor Luís XV – cercado de sua corte, dava lições extraídas de uma vida repleta de ensinamentos, sempre apontando um dedo ameaçador para perversos "eles".

Como o malvado dragão não parecia querer mudar de idéia e afastar-se daquelas plagas, e por já ter perdidos muitos dos seus mais caros auxiliares – dizimados por uma moléstia estranha que uma vez tornada pública, condenava o portador a um degredo provisório, o monarca chamou um dos remanescentes, o bravo cavaleiro Guido e disse: – Resolva. – O quê? Não sei. Nada sei. Nunca sei. – e aduziu socraticamente : "Só sei que nada sei".

– Sim, sire – foi a resposta do cavaleiro Guido, digno sucessor de Pallox I , e saiu a campo, montado no seu branco Equus caballus. Imediatamente, fez saber tratar-se de dragão importado, que de mais a mais atacava apenas o feijãozinho – uma espécie de praga sem grande importância. A notícia espalhou-se aos quatro ventos e todos respiraram aliviados. O povo aplaudiu, e deteve-se na contemplação da abóbada celeste, na esperança de ver o rei sábio singrando os ares a bordo do Aerocalamar. Enquanto isso, fizeram o bravo Guido mantear. Nada melhor para desenvolver a criatividade que dar esses saltos. Foi assim que ele teve a idéia luminosa de criar um cofrinho mágico. A quem quisesse saber do que se tratava, respondia em tom altaneiro, mas sempre com um toque misterioso, tratar-se do maior achado depois do Bombril – isso por ter o cofrinho mágico apenas 999 utilidades, duas a menos que a famosa palha de aço . Daquele cofre sairia a paga às hostes do reino que distribuiriam bondades além das fronteiras, e por ser anticíclico, o cofrinho ajudaria nas horas aziagas e incharia durante os tempos de abundância. Ajudaria a criar um tal de superávit primário, a seguir, um outro ginasial, e assim ficaria conhecido como fundilho soberano. A modéstia do cavaleiro impediu que ele divulgasse uma propriedade fascinante: O tal fundo é ideal na cura da rinite alérgica.

Em sinal de gratidão, o monarca fez questão de recompensar o cavaleiro com a ordem do "Nunca antes nesse país" com o grau de comendador.

E os festejos continuaram. Ninguém mais falava do dragão a não ser a imprensa golpista, sempre disposta a turvar as águas límpidas nas quais banhava a popularidade do rei. Essa só aumentava. Eis que num belo dia foi proclamada a auto-suficiência do reino em ouro negro – chamado de petróleo, para evitar o nome muito comprido de ouro afro-descendente. Um cortesão pouco afeito aos hábitos do reino resolveu alçar timidamente a voz e, entre dois sussurros, fez ver ao sábio monarca que o reino gastava ainda muitas moedas de ouro amarelo para que não faltasse ouro negro. O mal-entendido foi resolvido de imediato. Os conselheiros explicaram que, na verdade, o número de camelos que levava o ouro negro exportado era o mesmo que trazia o importado. Para os camelos sobrava um problema, mas era problema dos camelos. O petróleo exportado era de qualidade inferior ao importado – embora o importado fosse mais leve –, mas tudo caminhava para a normalização a longo prazo, de acordo com o sábio mangabeira – Hancornia speciosa. A solução foi decretar primeiro a auto, deixando a suficiência para mais tarde.

O que mais poderia afligir o grande homem? A uma pergunta direta, cabe uma resposta clara: O desempenho de um bando de anões chefiados pelo anão Dunga. Desprovidos de talento, os anões de Dunga cimentaram a amizade com um reino vizinho, ao permitir a esse tradicional freguês, impor memorável sova aos nossos pequenos gigantes. Quantas horas de sono perdeu o rei sábio? Ninguém saberia precisar. O ludopédio, é sabido, causa insônias, além de ser a fonte de inesgotáveis e pitorescas metáforas. Nos corredores palacianos, ecoavam lamentos. A enxaqueca real contagiara aos cortesãos. Como acabar com a melancolia real? De imediato, os conselheiros juntaram suas massas cinzentas e ensinaram um truque ao monarca. Para dissipar as nuvens cujas sombras encobriam a nobreza dos seus traços, sugeriram ao rei que, além de sua coroa, muito pesada para ser usada ao longo do dia – e por isso mesmo, causadora de cefaléia, pois era a corôa, não o ludopédio a origem das dores misteriosas – experimentasse usar bonés. E assim, a partir daquela sábia dica, o rei passou a experimentar tudo que era boné. Sabedores disso, os aduladores fizeram entrar no palácio grupos de visitantes que ofertavam bonés, com os quais a real cabeça permanecia coberta durante as entrevistas. A habilidade em trocá-los num ritmo alucinante já fazia parte da hagiografia real. Na corte não havia desperdício. Uma vez entregue, qualquer boné integrava , de imediato, o rol dos reais troféus. A coleção foi aumentando, até que, num gesto próprio que sabem tomar grandes decisões, surgiu um novo hábito. Camisetas também seriam aceitas. O monarca havia se tornado, em definitivo, manequim profissional. Entre as peças favoritas do novo guarda-roupa figuravam os bonés dos Robin Hood das planícies. Sem terras mas com muita vontade de luzir, eles invadiam os palacetes dos condestáveis e dos detestáveis, e por não considerar as vacas dos outros como animais sagrados, imolavam-nas.

Alguns murmúrios de descontentes – sempre há um ou outro caso de incompreensão – eram abafados pelos sons da Filarmônica Real, acompanhando a execução da ária "Relaxa e goza", ocasionalmente interpretada pela compositora, uma elegante duquesa num dos seus freqüentes momentos de sublime inspiração.

Assim, a fama do grande rei, precedida por rapsodos , corneteiros e tocadores de um instrumento de percussão ainda sem nome, identificado apenas por Top-Top, devido aos sons que emitia, cruzou os oceanos; deteve-se na corte de monarcas amigos e prosseguiu a marcha triunfal, aplainando o caminho rumo à canonização. A única dúvida que persiste, até o momento em que essas linhas são redigidas, é fixar a data da auspiciosa efeméride.

. Por: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, é autor de ´Almanaque Anacrônico`, ´Versos Anacrônicos`, ´Apetite Famélico`, ´Mãos Outonais`, ´Sessão da Tarde`, ´Desespero Provisório` , ´Não basta sonhar` e o recente livro/peça ´Um Triângulo de Bermudas`. (Ed. Totalidade). Confira nas livrarias Cultura (www.livrariacultura.com.br), Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br), Laselva (www.laselva.com.br) e Siciliano (www.siciliano.com.br).| E-mail do autor: [email protected].

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