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30/07/2008 - 13:03

Para não dizer que não falei de bolsa


Alerta no mercado de ações.

Depois de alcançar 73516 pontos, o índice Bovespa caiu mais de 20%. Os verbos empregados atualmente, por comentaristas com vocação literária são "desabou", "despencou", "ruiu" etc. Há inúmeras explicações: caiu porque o famoso descolamento ou "decoupling" em relação aos outros mercados não funcionou, porque a crise dos "subprimes" embora não afetando o Brasil – onde essas práticas não existem – obrigou os investidores estrangeiros a bater em retirada, tentando apurar lucros onde ainda havia, para tapar buracos nas suas posições lá fora , ou, simplesmente, porque após um ciclo de cinco anos de altas, cumpriu-se a velha máxima: "As árvores não crescem até o céu". Culpar os "gringos" por não se solidarizar na trincheira e resistir à baixa é uma postura simplista. Se o mercado virar para cima eles serão suficientemente castigados, logo, vamos deixá-los em paz.

Uma queda de 20%, de acordo com uma lei não escrita, configura o tal de "bear market", imagem importada dos Estados Unidos, para designar o mercado de baixa. Da mesma maneira que um ano atrás falava-se em potencial de crescimento das cotações, atualmente um coro de carpideiras – formado majoritariamente por aqueles que apregoavam a evolução do IBOVESPA para 80.000 ou 90.000 no final de 2008, e que ainda têm 5 meses pela frente para ter razão – alerta, como sempre, um pouco tarde, que houve alguns exageros nas cotações. Um corte da SELIC 25 pontos percentuais além do que a maioria esperava propicia mais baixas do que seria razoável – se é que existe razoabilidade – prognosticar. Leiam os artigos mais recentes e vejam como se materializou o bordão "Sic transit gloria".

Da mesma forma que num ambiente de otimismo – ou até de euforia – velhos indicadores tais como o rudimentar P/L eram considerados baixos, logo compatíveis com novas altas, esses mesmos indicadores, mesmo depois da surra à qual foram submetidos, são olhados com desconfiança, e da mesma maneira que talentosos analistas esforçavam-se para identificar o limite superior do crescimento – o tal teto – mudou o nome do jogo e, como na dança das cadeiras, ninguém quer ficar de pé quando a música parar. Os arúspices de plantão a bordo de reluzentes modelos matemáticos procuram identificar as coordenadas do fundo do poço – ou o famigerado piso. Se depois, o tal fundo não for atingido ou, pior se houver uma filial alguns milhares de pontos abaixo, não faltarão explicações: a recessão americana (que ainda não aconteceu), a aversão ao risco, ou alguma frase de Nostradamus, que encontrará uma aplicação ad-hoc.

Desde sempre, a Bolsa tenta antecipar o futuro e as cotações não passam de uma aposta. Até bem pouco tempo, bastava escolher a esmo, – diriam os maldosos – ou baseados em critérios sofisticados, determinada ação para , em seguida, correr para o abraço. Mudou a Economia? Mudou o país? Seguramente, não. O que se alterou foi a percepção de um clima visto agora como bem menos propício às altas generalizadas. Até a altas individuais rosnarão os pessimistas.

Os bilhões investidos nos lançamentos recentes, dois terços dos quais vegetam em níveis inferiores aos dos IPO´s, encolheram e não permitem, a não ser admitindo perdas nada desprezíveis um redirecionamento rumo às "ações-porto seguro", que também apanharam como gente grande. Obviamente, uma Vale não ficou 30% pior em dois meses, mas basta sair algum parecer a respeito da queda dos preços das commodities metálicas para que um dos carros- chefes da Bovespa se desvalorize. Pouco importa se os contratos de venda do minério de ferro nada têm a ver com a derrocada das commodities cotadas nas Bolsas de mercadorias. Some-se a isso um lançamento de ações longe de merecer o título de sucesso, e as impressoras cospem páginas e mais páginas de avisos de cautela – muito menos oportunos agora do que há um ano. Subitamente o crescimento do mercado chinês é colocado em dúvida, e como sempre nessas circunstâncias a espiral de baixa se acentua. Ninguém mais quer as ações da Vale. Quem as detém esconde-se envergonhado.

Outro vilão é o preço do petróleo. Não deveria ser – ao menos para os preços da Petrobrás – uma vez que a queda do patamar de 145 USD o barril para valores menores dificilmente afetará a lucratividade das ações da estatal. Para quem não prestou atenção, os preços dos derivados são mantidos artificialmente baixos e dificilmente se poderá fazer coro com o discurso oficial da auto-suficiência. No entanto... o impacto inflacionário dos preços crescentes do ouro negro semeia pânico. Pior: Quando o petróleo sobe, num ambiente de pessimismo, isso equivale ao castigo divino à ganância; quando esse preço cai, ninguém fala em redenção. Simplesmente a data da inevitável derrocada será adiada.

De maneira geral, estabeleceu-se um clima de desconfiança. Caso perdure, a onda compradora de saudosa memória poderá se transformar em onda vendedora cada vez mais intensa. Muitos comprados a termo, descobrirão ter entrado numa gelada e, de acordo com seu sangue-frio, renovarão suas apostas, ou assumirão os prejuízos. As insônias persistirão, só que agora, ao invés de imaginar os ganhos do amanhã, o drama consistirá em decidir se é chagada a hora de pular fora ou agüentar como Leônidas na batalha de Termópilas. Como nunca existe unanimidade entre analistas, alguns afirmarão que o índice, uma vez rompida a resistência de, por exemplo, 57.000, irá parar em 48.000 pontos. Impressiona, no caso os números de algarismos significativos. (Não basta mencionar o milhar, fala-se na centena ou até dezena). Outros afirmarão que após uma saudável e purificadora baixa o índice retomará seu vôo rumo aos 80.000, nível a ser atingido ainda este ano. Os novatos se apavoram, os mais experientes adiam o apavoramento – para melhor se apavorarem depois, diria um cínico – mas o sentimento geral é, no mínimo, de incerteza.

Há uma verdade eterna. Uma vez realizado o prejuízo – ou seja, liquidada uma posição acionária com perdas, esse prejuízo fará parte da história do aplicador. Como ninguém garante que vender agora pode ser melhor do que vender daqui a uma semana, haja roer de unhas e decisões equivocadas.

Entra aqui uma velha máxima: toda especulação mal-sucedida pode se transformar em investimento de longo prazo. Agora, perdoem-me se acharem que há uma dose de ironia nisso. Não pretendo citar nenhuma ação em particular – acho até que nem deveria ter mencionado Vale e Petrobrás, mas sinceramente um ou outro papel, apesar do brilho dos prospectos de lançamento inspiraram com razão o entusiasmo que motivou aqueles que os adquiriu e deixou de flipar? ( para aqueles que desconhecem o termo, flipar é vender determinada ação logo depois da entrada em Bolsa).

Vamos nos entender. É pouco provável, embora estatisticamente possível, que a Bolsa caia indefinidamente. Com pré-sal, sem pré-sal, com as commodities subindo até onde a imaginação comporta, ou caindo, com as economias do mundo e do Brasil diminuindo o ritmo de crescimento, com inflação em alta ou sem inflação, o mundo, ao que tudo indica não acabou. Longe de mim querer transmitir uma sabedoria que não detenho, mas baseado numa experiência hélas! de muitos anos, caso perguntado, depois de muito me esquivar, diria que "sócios" de boas empresas pouco tem a temer. Já que faltou a perspicácia de "cair fora" a tempo, persistir no erro e "morrer abraçado" pode ser ainda a alternativa menos frustrante. O risco de ver as perdas aumentarem existe; comprar mais para fazer preço médio pode levar a prejuízos maiores. Que tal nada fazer, enquanto o coro das lamentações se amplifica?

. Por: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, é autor de ´Almanaque Anacrônico`, ´Versos Anacrônicos`, ´Apetite Famélico`, ´Mãos Outonais`, ´Sessão da Tarde`, ´Desespero Provisório` , ´Não basta sonhar` e o recente livro/peça ´Um Triângulo de Bermudas`. (Ed. Totalidade). Confira nas livrarias Cultura (www.livrariacultura.com.br), Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br), Laselva (www.laselva.com.br) e Siciliano (www.siciliano.com.br).| E-mail do autor: [email protected].

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