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21/08/2008 - 12:03

A mensagem cifrada da Petrobras

Dentre os conceitos pétreos da economia contemporânea, como se sabe, inclui-se a internacionalização do valor das commodities, cujo comércio, dessa maneira, está acima do bem e do mal no jogo das oscilações cambiais. Não fosse assim, o Brasil, com a exagerada apreciação de sua moeda, já teria sofrido imensa perda na exportação de numerosos produtos, dentre eles os do agronegócio. Parece, entretanto, haver uma exceção naquela lei natural do mercado: a política de preços adotada pela Petrobras.

Os equívocos são cumulativos e abrangem a relação de equilíbrio entre os preços dos distintos derivados do petróleo. Vejamos: depois de quase três anos de congelamento, ou mais exatamente desde setembro de 2005, período em que a majoração mundial da commodity quebrou todos os recordes, a Petrobras estabeleceu, com vigência a partir de 2 de maio último, reajustes de 10% no preço da gasolina e de 15% no óleo diesel nas refinarias. De maneira a atenuar o impacto na ponta do consumo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a redução na Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre os combustíveis. A alíquota incidente sobre a gasolina caiu de R$ 0,28 para R$ 0,18 por litro. No diesel, a redução foi de R$ 0,07 para R$ 0,03.

Esses números são de conhecimento público e nada de estranho haveria neles se não contivessem contradições e paradoxos que suscitam uma inevitável pergunta: por que a gasolina foi reajustada cinco pontos percentuais abaixo do diesel? A mesma questão precisa ser analisada no tocante ao congelamento, desde dezembro de 2002, véspera do início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do GLP (Gás Liquefeito de Petróleo) destinado ao consumo doméstico. Porém, o mesmo GLP, para uso industrial, sofreu aumento de 12%, em março de 2003, e 15%, em janeiro de 2008.

Fica claro que a Petrobras, por algum bom ou mau motivo, está segurando os preços dos itens percebidos de modo mais direto pela grande maioria dos brasileiros — ou seja, o da gasolina e o do gás de cozinha — e compensando a perda com reajustes mais agudos do diesel dos caminhões e do GLP vendido às indústrias. Guido Mantega, aliás, externou indiretamente essa estranha tática da estatal. Uma espécie de ato falho: “O aumento na gasolina não será sentido pelos consumidores, o que não ocorrerá no caso do diesel, que deverá ter reajuste de 8,8% nas bombas”.

Como na economia não existe mágica e como a matemática não aceita prestidigitação, é inexorável o impacto dessas manobras aritméticas nos índices inflacionários e na própria panela dos trabalhadores. Afinal, as cargas neste país continental são movidas a diesel e parte expressiva das indústrias queima o GLP como combustível. Assim, o chão de fábrica e a logística, cujos custos são componentes fundamentais na composição dos preços, sofrem sensível pressão altista. Então, ouvem-se insinuações de que “todos devem colaborar para evitar a inflação” ou de que “são identificados reajustes na produção rural, na manufatura e nos fretes”.

Certo ou errado, subsidiar os preços de determinados insumos, agravando o custo de outros ou o déficit público, é uma decisão de governo passível de saudável e democrática discussão. Partindo-se do pressuposto jurídico de que todo mundo é inocente até prova em contrário, não se pode apontar taxativamente qual fator motiva essas distorções na política de preços da Petrobras. Seria apenas uma estratégia equivocada, numa tentativa afoita e sem o respaldo de estudos mais aprofundados para mitigar as causas inflacionárias? Se o motivo for este, menos pior, pois erros, inclusive banais, são prerrogativas humanas.

Porém, se a prática for propositalmente desprovida de transparência e de maneira intencional permeada por subterfúgios, estará configurado um indisfarçável ato de desrespeito à inteligência dos cidadãos. Será mais grave ainda, se tiver alguma relação com a estratégia de marketing político da Presidência da República e/ou os calendários eleitorais de 2006 e 2008. Tais hipóteses são desalentadoras, pois pressuporiam a existência, na composição dos preços dos derivados de petróleo, de mensagem cifrada incompatível com a governança corporativa de uma companhia de capital aberto, de grande porte, reconhecida capacidade tecnológica e fundamental para o desenvolvimento e a soberania econômica do Brasil.

. Por: João Sampaio, economista, é o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.

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