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12/09/2008 - 09:42

Tapa na cara

Para uma área que se inclui entre as mais atingidas pela inflação dos produtos agropecuários, na qual 62 milhões de pessoas passam fome e nove milhões de crianças sofrem de desnutrição crônica, é um verdadeiro tapa na cara o novíssimo informe divulgado em agosto pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação), no âmbito do “Projeto América Latina e Caribe sem Fome”: é maior do que se pensava o desperdício de gêneros alimentícios no Continente.

O número relativo ao Brasil é, no mínimo, assustador. O desperdício chega a 64% do que se planta. O problema é semelhante em todas as nações do Continente. As causas não se limitam, como se podia supor, às deficiências de infra-estrutura, logística e armazenamento. Além desses graves e conhecidos fatores, os autores do estudo indicam a falta de consciência dos consumidores. Numerosas pessoas compram muito mais do que consomem, e não há cuidado com o aproveitamento racional e reciclagem.

No Brasil, 70 mil toneladas de comida, a cada ano, acabam no lixo. No México, segundo a sua Associação de Bancos Alimentares, são desperdiçadas 23 mil toneladas anuais. Isto é uma verdadeira afronta aos 19 milhões de habitantes desse país que não têm asseguradas as refeições diárias minimamente recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Assim, são pertinentes as sugestões contidas no novo relatório da FAO: criar cooperativas de alimentos, estabelecendo-se adequado marco legal e estímulos fiscais; realizar campanhas de conscientização dos consumidores; e fomentar o desenvolvimento da agricultura familiar. Ante tais estatísticas, contribuição importante, que poderia ser multiplicada no Brasil e em toda América Latina, é o “Programa Alimente-se Bem”, criado e difundido pelo Sesi-SP, que visa exatamente a proporcionar o aproveitamento integral dos ingredientes, com a produção de pratos saudáveis, nutritivos e baratos.

Por outro lado, é premente enfrentar causas históricas e graves do desperdício, como a infra-estrutura e armazenamento precários, bem como fatores políticos e conjunturais que provocam o aumento de preços e/ou a redução da oferta de alimentos, dentre eles a utilização significativa de grãos para a produção de etanol, no Hemisfério Norte, o preço elevado dos fertilizantes e do petróleo e os subsídios agrícolas nos Estados Unidos e Europa.

Este último fator poderá até mesmo ser agravado após o retumbante fracasso das negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para se ter uma idéia do problema, somente os subsídios agrícolas concedidos na Europa, que somam US$ 326 bilhões por ano, equivalem ao valor de 58% de toda a produção agrícola do Brasil.

As providências são urgentes, pois a gravidade do problema cresce de maneira rápida, conforme atestam números de outros relatórios da FAO. Os preços da maioria das commodities agrícolas tiveram grande aumento nos últimos dois anos: arroz - 217%; trigo - 136%; milho - 125%; e soja - 107%. Em 2008, o valor global de importação de alimentos deverá chegar a US$ 1,035 bilhão. É um crescimento de 26% em relação ao ano passado. Segundo alerta a organização, os países economicamente mais vulneráveis irão pagar a maior parcela da conta dessas importações. Seu gasto total com essas operações deverá crescer até 40% em relação a 2007.

Dentre as nações incluídas no novo estudo da FAO, como em todo o mundo, o Brasil certamente é a que tem melhores condições de enfrentar o problema. O próprio organismo indica que o País terá colheita histórica na safra 2007/2008, com produção total de grãos de 143,3 milhões de toneladas, 8,7% maior do que no período 2006/07. Soja e milho terão a maior colheita, representando 82,6% do total, e se prevê que a produção de trigo em 2009 será 35% maior do que a anterior. Desfrutamos de alguns fatores favoráveis, como o atraente preço internacional das commodities agrícolas, boas condições meteorológicas e avanço da tecnologia rural. Além disso, a área de plantio de grãos aumentou 1,9%, significando a inclusão de mais 47,1 milhões de hectares.

Tais números da agricultura brasileira ampliam ainda mais a responsabilidade de nosso País na questão da segurança alimentar. Não temos o direito de continuar jogando fora tanta comida, por mera negligência, vícios culturais e a persistência de problemas estruturais que deveriam ter sido solucionados há décadas. O povo brasileiro nunca sofreu quebras expressivas na oferta de alimentos, pois não passou por guerras e catástrofes naturais, que semeiam violência, medo e fome. Portanto, é fundamental que assimilemos a consciência dos imigrantes europeus e asiáticos e a sua disciplina de economia e produtividade na saga da sobrevivência. O Brasil, que grande e louvável esforço diplomático fez na recente e frustrada reunião da Rodada Doha, precisa impor suas posições pelo bom exemplo, que, no caso, valerá muito mais do que mil palavras.

. Por: João Guilherme Sabino Ometto, engenheiro (EESC/USP), é vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), presidente do Grupo São Martinho e membro do Conselho Universitário da Universidade de São Paulo (USP).

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