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13/09/2008 - 13:14

Parceria com ONGs sérias melhoraria gestão dos serviços da saúde pública

O portal do governo do Estado de São Paulo veiculou a seguinte notícia, postada em 1º de setembro, às 16h59: “Polícia prende quadrilha que fraudou R$ 63 milhões do Estado”. Um esquema fraudulento envolvendo um médico, dois advogados, três representantes comerciais, um gerente regional de laboratório e dois diretores de ONG. Pacientes sofreram efeitos colaterais advindos do uso de medicação inadequada à patologia. De acordo com o governo, R$ 63 milhões destinaram-se do erário para supostos pacientes de psoríase.

Se houve má fé na prescrição de medicamentos sem indicação médico-científica, falsos pacientes, propinas envolvidas, doentes correndo riscos de morte, tudo deve ser apurado com o rigor que a lei exige. Que os culpados sejam severamente punidos de imediato! Contudo, mais uma vez, como vem se sucedendo nos últimos meses com a questão dos medicamentos de alto custo e protocolos clínicos, os noticiários generalizam dados e falaciosamente colocam todos no mesmo imbróglio: ONGs e doentes, sejam de psoríase, sejam de leucemia, doenças crônicas ou AIDS .

Como presidente da ABRALE (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia), tenho a grande honra de representar pacientes no Gat Consinca (Conselho Deliberativo do Instituto Nacional de Câncer) e no CNS (Conselho Nacional da Saúde).

Para quem trabalha voluntariamente em prol da saúde, é inevitável a indignação quando o governo informa que uma quadrilha fraudou R$ 63 milhões. A pergunta que fica é: mas, não deu para perceber antes? Não seria hora de repensar a gestão da saúde pública? Com melhor gerenciamento do dinheiro público, certamente os medicamentos poderiam ser fornecidos sem exigência de ações judiciais. Qual critério deve o governo implantar para separar o joio do trigo? Incluir avaliação de especialistas acadêmicos de notorium saber?

Pacientes de linfoma e leucemia, em alguns casos, podem ser tratados com medicação via oral, em tratamento doméstico, com resultados infinitamente melhores tanto em efeitos colaterais como na sobrevida, vis a vis à quimioterapia que, em muitos casos, acarreta desconforto e nem sempre aumenta significativamente a expectativa de vida. Mas, lógico, o aumento da sobrevida e qualidade de vida tem seu preço. E se a Constituição heroicamente chamou para si a responsabilidade de propiciar o melhor tratamento a todos indistintamente e, agora, está com as pernas bambas, a questão deveria ser levada para debate.

São recorrentes as notícias sobre o impacto de medicamentos de alto custo nos cofres públicos. Infelizmente, o tema é abordado de modo a levar o público leigo a pensar que tudo consiste em grande malandragem, sugerindo que uma pessoa com câncer que utilize uma medicação cara estaria “ocupando” o lugar de vários pacientes com direito a remédios mais baratos. Tal lógica infringe a eqüidade proposta pelo SUS e nada democrática, visto que, na Carta Magna, todos têm o direito a receber o melhor tratamento médico e farmacêutico.

A medicina avança exponencialmente na descoberta de novas drogas capazes de proporcionar ao cidadão com doenças oncológicas e outras patologias crônicas a possibilidade de levar uma vida normal. Diante dessa avalanche de descobertas quase diárias de novas moléculas, urge que o governo viabilize a atualização de seus protocolos de atendimento no mesmo ritmo. Não menos importante é a ação governamental de incentivo à prevenção ao diagnóstico precoce do câncer. A exemplo do que já fez com Programa da AIDS, atualmente referência internacional.

A sociedade civil organiza-se. Existem muitas ONGs de pacientes que, como a ABRALE, realizam trabalho sério e podem contribuir imensamente para o aprimoramento das políticas públicas, atualização dos protocolos de tratamento, controle do acesso e assistência aos pacientes e familiares. Porém, conspiram contra esse avanço declarações públicas insinuando que o gasto governamental com medicamentos de alto custo seria uma ação pouco democrática para com o restante da população que necessita apenas de antibióticos ou antitérmicos. A impressão que temos é que existe um interesse maior para que haja o enfraquecimento da imagem de entidades sérias.

As ONGs devem ser vistas como parceiras do governo no trabalho de conscientização acerca dos sintomas, diagnósticos e tratamentos, multiplicadoras e facilitadoras do conhecimento especializado, gestoras de serviços e apoio gratuitos oferecidos por profissionais dos melhores centros de referência e tratamentos do País e como representantes dos usuários, maiores interessadas em que o sistema funcione com eficácia, justiça e ética.

Dia 14 de setembro é o Dia Mundial de Conscientização sobre Linfomas, o quinto câncer de maior incidência mundial e que, infelizmente, não consta em nenhum banco de dados do Brasil. Recente pesquisa Datafolha mostra que 66% da população nunca ouviram falar da doença e que 89% desconhecem os seus sintomas. O linfoma não é um câncer, mas vários cânceres que se originam a partir dos vasos linfáticos. A ABRALE, em parceria com a organização Lymphoma Coalition e mais 25 países e 36 associações de pacientes internacionais, realiza a campanha mundial. A entidade mobilizou parceiros em nove capitais brasileiras. De médicos a artistas, como Lima Duarte, agência de propaganda, mídias locais e nacionais. Em alguns municípios, a secretaria municipal de esporte. Mas, infelizmente, do Governo Federal e do Instituto Nacional de Câncer ( INCA) nem um e-mail nos desejando sucesso na empreitada.

Ao invés de nos incluir, apoiar e incentivar como representantes de inúmeros pacientes que se tratam no País, nas pautas das reuniões que buscam viabilizar tratamentos a atitude governamental me parece egoísta, ao procurar enfraquecer e intimidar o trabalho das ONGs no Brasil. Apesar de todas as tentativas de diálogo e da participação em conselhos respeitados, como o GAT CONSINCA e o CNS, e dos fóruns de patologia, sentimos que a nossa participação e contribuição ainda é muito singela.

. Por: Merula Steagall, 41, formada em administração de empresas e especialista em administração do Terceiro Setor pela FGV, é paciente e presidente da ABRALE (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia) e da ABRASTA (Associação Brasileira de Talassemia).

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