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30/09/2008 - 11:34

O desafio do crescimento econômico

As taxas de crescimento do produto interno bruto brasileiro nos dois últimos anos - ao redor de 5% - revelam significativa recuperação e levam imediatamente à seguinte pergunta: estaríamos entrando em um ciclo de expansão mais duradouro? Esta questão adquire um sentido mais emblemático quando a observação da nossa experiência nas últimas décadas revela que o último ciclo de expansão mais duradouro foi no já longínquo período 1968/1973, conhecido como o período do milagre.

Para tentar responder a esta questão, nos basearemos nos resultados produzidos pelo mais recente estudo efetuado pela Comissão para o Crescimento e Desenvolvimento Econômico, do Banco Mundial, cujo objetivo primordial é entender o fenômeno do desenvolvimento através da experiência dos países mais bem-sucedidos durante as décadas de 1950/1980.1 Já de antemão podemos afirmar que o ideal seria propiciar uma resposta mais precisa, mas infelizmente não a possuímos. Durante as linhas que se seguem, o leitor atravessará um caminho muito mais dominado por incertezas, dúvidas, questionamentos, do que por convicções sobre o processo de desenvolvimento.

A Comissão para o Crescimento e Desenvolvimento Econômico, do Banco Mundial, lançou recentemente um novo estudo sobre a experiência do crescimento dos diversos países selecionados, com base na experiência mais exitosa de crescimento econômico observado nas décadas de 1950/1980. Esse estudo contou com a participação de importantes economistas acadêmicos, empresários e administradores públicos, que trouxeram importantes lições sobre o crescimento econômico. Para tanto, foram selecionados os seguintes países: Brasil, Botswana, China, Hong Kong (China), Indonésia, Japão, Coréia, Malásia, Malta, Oman, Singapura, Taiwan (China) e Tailândia.

No caso do Brasil, acreditava-se que o fenômeno inflacionário que dominou nosso cenário econômico desde meados da década de 70 até o inicio do Plano Real fosse o principal entrave para o nosso desenvolvimento.

Essa crença derivava do fato de que os estudos sobre crescimento econômico tradicionalmente revelam a estabilidade macroeconômica como característica dos países que apresentam maiores taxas de crescimento de seu produto. Entretanto, mesmo após a estabilização de preços, o fenômeno do crescimento tem se revelado muito mais complexo, exigindo outras condições para que se possa lançar o país numa rota virtuosa de crescimento dos bens e serviços de maneira consistente.

O objetivo deste artigo é destacar dois pontos importantes que foram identificados pela Comissão e que julgamos relevantes para a discussão e análise do processo de crescimento econômico. O primeiro ponto está relacionado à própria dificuldade de se entender a natureza do fenômeno do crescimento; já o segundo destaca o papel do governo nesse processo.

Com relação à complexidade do tema desenvolvimento, a Comissão apresenta importantes lições de humildade, fundamentais para a maioria dos analistas econômicos. Trata-se de um reconhecimento claro, normalmente difícil de ser expresso, que revela a maturidade e sabedoria dos membros da Comissão.

A principal noção é a de que o desenvolvimento econômico é um fenômeno altamente complexo, envolvendo inúmeras variáveis que participam de maneira não totalmente conhecida, e transformam a experiência do desenvolvimento num fenômeno típico de cada país, no qual é mais fácil identificar características necessárias, mas que não se transformam em condições suficientes e acabam por fazer do desenvolvimento uma experiência típica de cada país.

A própria Comissão cita uma frase de Robert Solow: “A list of ingredients is not enough to make a dish“. A partir disso surge uma recomendação básica de que devemos ter muito cuidado em trazer lições e experiências bem-sucedidas em outros países.

A lição de humildade pode ser percebida em inúmeras passagens que reproduzimos abaixo: We do not give policy makers all the answers, but we hope to help them ask the right questions. (p. 13 ); We, however, refrain from offering policy makers a recipe, or growth strategy, to follow. This is because no single recipe exists. (p. 16); We do not know the sufficient conditions for growth. We can characterize the successful economies of the postwar period, but we cannot name with certainty the factors that sealed their success, or the factors they could have succeeded without. It would be preferable if it were otherwise. (p. 33); One of the most common mistakes, we have learned from a range of experiences, is to find a successful constellation of policies and industries, then stay with them for too long. When it comes to growth, very little if anything is permanent. (p. 44); We hasten to add that just as our recommendations for good policies are qualified by the need to avoid one-size-fits-all approaches and to tailor the policies to country-specific circumstances... (p. 68).

Estas frases nos devem deixar um pouco perplexos quando ouvimos as certezas que dominam a maioria dos nossos analistas econômicos quando tratam do fenômeno do crescimento e propõem toda sorte de soluções.

É importante reconhecer que isto não significa que o fenômeno do crescimento seja um quarto totalmente escuro no qual nada se enxerga e nada possa ser dito.

Muito pelo contrário. Os estudos têm propiciado um conhecimento muito mais profundo. Entretanto, estamos ainda distante de entender o fenômeno de maneira mais ampla, Poderíamos dizer que o crescimento é um carro que depende da ação conjunta de vários motores, cujo funcionamento e importância de cada motor não são totalmente percebidos.

A Comissão reconhece algumas características que tradicionalmente são observadas nos países que apresentaram sucesso na experiência de crescimento: integração com a economia internacional; estabilidade macroeconômica; altas taxas de poupança e investimento; funcionamento dos mercados e governo comprometido, crível e capaz.

É exatamente com relação à questão do papel do governo que surge uma das características mais controversas. De maneira geral, devemos partir do princípio de que os mercados possuem inúmeras virtudes na alocação de recursos sem contudo possuírem todas as virtudes que permitissem que seu livre funcionamento pudesse promover o crescimento e distribuição de renda. A orientação básica dos agentes econômicos, cujas decisões se norteiam em taxas de retornos privados não permite que os recursos sejam alocados na plenitude de sua eficiência. Por si, essa característica já se constituiria para transformar o desenvolvimento num fenômeno complexo. Essa complexidade é explicitada em várias passagens pela Comissão. De um lado, o próprio modelo de crescimento aparentemente se altera ao longo do tempo: “Uncertain about how to model developing economies, we also suspect that the correct model changes over time. A fast-growing economy is a moving target” (p. 29) Desta maneira, identificar como as economias responderão aos estímulos não é fácil, assim como a resposta correta hoje pode não ser a resposta correta no futuro. “Today’s bad policies are often yesterday’s good policies, applied for too long.” (p. 29).

Dentro desse quadro, qual deve ser a estratégia de crescimento e qual o papel do governo dentro de uma estratégia escolhida? Décadas atrás, disseminava-se a percepção de que os governos deveriam fazer o mínimo possível e deixar a tarefa do crescimento econômico para o setor privado. Infelizmente, os resultados apresentados pelos países, em termos de crescimento, não corroboraram esta visão. A Comissão também se opõe a essa visão, afirmando o seguinte: But our view of effective government is somewhat different. The issues of competence and motivation cannot be dismissed. But they cannot be answered by simply writing government out of the script. Our model of developing economies is too primitive at this stage to make it wise to pre define what governments should do. (p. 30)

Dessa forma, a partir do momento em que inexiste um modelo que possa ser aplicado e que é um modelo que vai mudando ao longo do tempo, não é tarefa fácil para os governos definir quais direções devem ser seguidas e quais diretrizes estratégicas devem ser adotadas. Portanto, muitas vezes quando criticamos os governos por não terem determinada estratégia ou estratégia mais bem definida podemos argumentar que na realidade o conhecimento sobre o desenvolvimento ainda não permite definições de estratégias mais seguras e amplas. Eventualmente, uma certa imprecisão das estratégias e uma falta de definição de metas podem significar muito mais as dificuldades pressupostas pela própria natureza do crescimento do que uma fraqueza do governo. É interessante notar que as ações governamentais tradicionalmente dão melhores resultados em termos de saúde, educação etc. do que propriamente na capacidade de geração de atividades econômicas e, em conseqüência, de desenvolvimento.

Naturalmente, os governos também não agem no escuro completamente. A experiência histórica, as noções apreendidas pelos estudos sobre desenvolvimento, as próprias demandas da sociedade acabam por se traduzir em orientações para a ação governamental.

Além das tradicionais funções assumidas pelos governos de promover os serviços de educação, saúde e segurança, surgem as questões de promoção de investimentos em infra-estrutura que tradicionalmente apresentam uma taxa de retorno social mais elevada do que a privada e que, portanto, exigem a presença do governo. Por outro lado, são aspectos fundamentais para o desenvolvimento econômico: a definição de questões mais estratégicas de desenvolvimento implicando mecanismos de financiamento de setores estratégicos, questões regionais de desenvolvimento, adoção de incentivos para determinados setores, questões ligadas à mobilidade da mão-deobra, ao fortalecimento das instituições, à promoção de um clima adequado para o crescimento etc. E no desenvolvimento econômico o governo tem uma participação muito importante. Em termos macroeconômicos, a estabilidade macroeconômica, bem como o fortalecimento de uma rede de promoção social e conseqüente promoção de melhor distribuição de renda também se identificam entre as características que promovem o desenvolvimento. Este ponto é acentuado pela Comissão ao afirmar que: “It is our belief that equity and equality of opportunity are essential ingredientes of sustainable growth strategies” (p. 60)

Em suma, as lições da Comissão, extraídas após um árduo e longo trabalho, refletem as dificuldades e complexidades que o processo de crescimento econômico traz. É um desafio muito importante que economistas, empresários e administradores públicos se debrucem sobre esse tema, procurando evitar idéias preconcebidas, pois sabemos ainda relativamente pouco para tirar conclusões e receitas que com certeza serão posteriormente desmentidas pelos fatos. 1 O estudo realizado denomina-se The Growth Report – Strategies for Sustained Growth and Inclusive Development. Commission on Growth Development, may 2008.

. Por: Carlos Antonio Luque, professor titular da FEA-USP e atual presidente da FIPE | (E-mail: [email protected]). /FIPE

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