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07/10/2008 - 11:04

Os ônus das contradições nos 20 anos da Constituição

Além de exercitarem o dever e o direito do voto neste 5 de outubro, no primeiro turno das eleições municipais, os brasileiros tiveram outra expressiva conquista política a comemorar: o aniversário de 20 anos da promulgação da Constituição de 1988, sem dúvida a mais avançada de nossa história e marco institucional da democracia que teve sua gênese na pacífica campanha das “Diretas Já”, em 1984. A virtude, entretanto, não lhe esconde os defeitos, em especial o conteúdo obsoleto em relação à nova ordem econômica mundial. Tais problemas, agravados pelas mazelas políticas que postergaram por duas décadas as chamadas reformas estruturais, continuam representando sério obstáculo à competitividade dos setores produtivos.

A Carta, como se sabe, é permeada de artigos e princípios, alguns deles detalhados e regulamentados por meio de leis ordinárias, que conspiram contra o crescimento sustentado. Dentre essas distorções, as mais agudas são o sistema tributário, oneroso, burocrático e atrelado à irresponsabilidade fiscal; a previdência social, ao mesmo tempo deficitária e cruel com os aposentados; e os “avanços” acrescidos à já anacrônica legislação trabalhista, estimulando a informalidade dos empregos e limitando o crescimento da massa salarial. É óbvio que essas questões incluem-se entre as causas da tímida expansão do PIB brasileiro nos últimos anos, sempre abaixo dos emergentes e da média da própria América Latina. Até mesmo os números de 2007 — os comemorados 5,4% — poderiam ter sido maiores.

Por outro lado, num irônico paradoxo, a principal qualidade da Constituição de 1988 — os dispositivos inerentes à democracia participativa — permanece quase latente nos poderes da República e, o que é mais grave, no contexto da sociedade. Nesses 20 anos, quantos projetos de lei de autoria dos cidadãos, nos moldes como prevê a Carta, foram elaborados, encaminhados, aprovados e transformados em lei? Quantas vezes valeram-se os brasileiros dos mandados de injunção? Nos governos da União, estados e municípios, qual a efetiva representatividade dos empresários, trabalhadores, cientistas e entidades de classe?

É triste, mas inevitável, constatar que o País inverteu os valores da Carta Magna, aplicando o que ela tem de pior e negligenciando suas virtudes. Refletir sobre como temos utilizado mal o conteúdo da mais pluralista Constituição de toda a nossa história é muito oportuno neste seu aniversário de 20 anos. Não é difícil perceber a falta de cultura nacional na prática da democracia participativa. O Poder Executivo, inclusive por meio das autoritárias medidas provisórias, e o Legislativo estabelecem muitas leis ao léu da realidade nacional, dos setores produtivos e dos interesses reais e prioritários de toda a Nação. Além disto, invariavelmente não auscultam empresários, trabalhadores e eleitores, bem como os distintos segmentos de atividades, para revogar ou colocar em vigor medidas de grande impacto setorial ou nacional.

A crítica também cabe à sociedade, que pouco utiliza as prerrogativas constitucionais que lhe permitiriam uma participação mais pró-ativa na condução dos destinos nacionais. Afinal, não basta votar; é preciso influenciar, interagir e reagir de modo cívico, conforme os parâmetros estabelecidos pela lei maior. Não podemos seguir ignorando as conseqüências do mau uso da Constituição. O primeiro equívoco foi desprezar a oportunidade, que ela própria instituíra, de se aprovarem as reformas, desde que em prazo de cinco anos após a sua promulgação, por maioria simples e votação em turno único no Senado e na Câmara dos Deputados.

O desperdício dessa facilidade dificultou muito o processo, pois, como se sabe, a aprovação de emendas constitucionais exige agora maioria absoluta e votação em dois turnos nas duas casas do Congresso Nacional. Pois bem, aí está a sociedade brasileira clamando pela modernização do arcabouço legal, enquanto o anacronismo tributário, previdenciário, fiscal e trabalhista segue, ao lado da burocracia, ceifando empresas, empregos e justiça social. Não devemos, portanto, insistir no erro. Assim, seria muito positivo transformar a comemoração dos 20 anos da Constituição de 1988 no marco de uma nova atitude política, participativa e responsável perante o presente e o futuro.

. Por: Alfried Karl Plöger, presidente da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf) e vice-presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).

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