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08/10/2008 - 11:37

Que venga el toro

Curiosidades

Depois de termos constatado que não basta "falar com o Bush", vale a pena tentar entender o que está acontecendo. Supérfluo recapitular o que todos já sabem. Um monte de gente acreditou em produtos financeiros parecidos com o algodão doce. Sabor agradável e pouca massa. Resultou um terremoto cujas ondas de choque agitarão por um bom tempo o planeta.

Enquanto houvesse trouxas dispostos a acreditar na alta indefinida dos ativos financeiros em vistosas e insuspeitas embalagens, das commodities e dos imóveis tudo ia bem. Bastava repassar (numa boa) a batata quente a um preço maior que o da aquisição. Como era prazeroso fazer as contas ao final do dia e constatar o quanto a fortuna pessoal havia aumentado! À medida que a alta não arrefecia, esse passa-tempo conferia uma ilusão de sabedoria generalizada. Para que o enlevo persistisse, era preciso que novos atores aderissem a essa forma desprovida de risco, prática e segura de enriquecimento. Aparentemente, os tolos sumiram sem aviso prévio e uma porção de sábios ficou com a broxa na mão. O velho Keynes mencionava a dança das cadeiras. Pois bem, parece que os músicos escafederam-se também.

A ilusão das altas indefinidas, alimentada por profecias aparentemente infalíveis, (Bovespa a 90.000 em dezembro, dólar a 1,60 na mesma data etc.) tornou mais intenso o desespero daqueles que sentiram na própria pele a ardência do choque com a constatação consagradora do óbvio: As árvores (pelo menos as conhecidas) não crescem até o céu. Possivelmente, alguns engraçados abaixaram o céu, talvez os eternos descrentes autores da profecia sem risco: "um dia a casa cai" encontraram a confirmação de seus vaticínios, ou, quem sabe, o destino "maktubou-nos". Essa crise, com características inéditas colocou um ponto final a uma bobagem que tinha a seu favor a quase unanimidade dos entendidos: "temos agora um ferramental teórico capaz de evitar problemas". Siglas reluzentes garantiam a permanência num eterno patamar elevado – por sinal, essa tolice havia sido proferida por um ilustre professor de Harvard – Irving Fisher – semanas antes do colapso de 1929. O oba-oba tudo vence... ou quase.

Como resistir à tentação, se Oscar Wilde já disse que era possível resistir a tudo, menos, justamente, à tentação? Resultou essa carnificina, e cá entre nós, se importa saber o que a causou para evitar a repetição das causas, mais importante é cuidar dos efeitos, já que, sabidamente, a memória tende a se apagar, e dentro de algum tempo, nova crise surgirá no bojo da ilusão do: "Agora, sim, está tudo dominado".

Houve reações bizarras. Alguns acharam de bom-tom decretar – e comemorar – o fim do neoliberalismo, do capitalismo, enfim de tudo isso que está aí. Considerações desse porte vieram não de freqüentadores de bares de periferia, e sim, de economistas do porte de... (melhor não citar). Para não ficar devendo nada a essa brava gente, outros demonstraram um júbilo comparável ao daqueles que festejaram a queda das Torres gêmeas. Era a revanche do terceiro mundo, a gargalhada consagradora no altar do capitalismo predador.

A racionalidade foi convidada gentilmente a retirar-se e restaram algumas pérolas de sabedoria, que lentamente foram se acumulando.

Por aqui, em Pindorama, após vergastarem – não sem razão, diga-se de passagem – a ganância, a irresponsabilidade, a falta de visão e/ou de controle etc. dos responsáveis pela débâcle, desastre, hecatombe e por aí vai, os entendidos passaram a emitir ruídos tranqülizadores contraponto necessário aos agourentos, segundo os quais não sobrará pedra sobre pedra.

Inicialmente, não teríamos que nos preocupar, no máximo, os mais interessados deveriam se dirigir ao presidente Bush. Na falta de explicações convincentes por parte daquele senhor, julgou-se de bom alvitre admitir que, de fato, havia umas marolas que deveriam ser tratadas com desprezo por não dizerem respeito à nossa economia blindada, por uma verdadeira linha Maginot. Quem imaginou (com a desculpa pelo manjado trocadilho) estarmos na posição de privilegiados espectadores lamentará decerto o afogamento dos burros com os quais imergiu na água.

Para não perder a pose, brandimos o escudo das reservas temperadas pelo oceano de petróleo, que a cada má notícia vinda de fora, tornava-se mais profundo e promissor. Quem tem pré-sal, nada teme, a não ser a hipertensão. Objeções tímidas quanto a existir entre aquela incomensurável riqueza e a brava gente prestes a desfrutar dela uma barreira de sal, de tecnologia e de – detalhe apenas – falta de recursos, mereciam quando muito um olhar cheio de comiseração. Enquanto as vítimas: Lehman, Merrill, AIG e companhia bela agonizavam, aqui, debaixo dos trópicos louvava-se a inexpugnabilidade de nossa fortaleza econômica, a ser reforçada brevemente por um prodigioso Fundo Soberano – arma letal no combate às crises, por ser original, ser anticíclico e ser do povo.

Enquanto isso, as commodities encolhem. Pena.

A cotação do petróleo, destinado a bater 200U$ o barril, recua covardemente. Daí, quando caem as ações da Petrobrás – importadora líquida de ouro negro – dizem que é por causa disso. Não deveria ser o contrário?

Um dólar já compra mais de um par de reais. Sadia e Aracruz anunciam prejuízos milionários. "Especularam contra a moeda do País", afirma Nossopresidente. Sem entrar nas sutilezas das operações – com ou sem gatilho – se perderam por causa da alta das verdinhas parece que apostaram na firmeza do Real. Não?

Vamos ficar calmos. A crise não atravessou o Atlântico, sentencia Nossopresidente. Aí surgem vozes, sempre dispostas a ridicularizar as falas presidenciais, sem perceber que Nossopresidente fazia referência à crise européia – o colapso do Hypo, o Fortis, o Fraquis etc.

E para aumentar a liquidez – eterno paradoxo: uma economia sólida precisa de liquidez – vem nosso Ministro da Fazenda afirmar que faremos uso inteligente das reservas. Ora, fazer uso imbecil das reservas não engrandeceria ninguém.v

. Por: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, é autor de ´Almanaque Anacrônico`, ´Versos Anacrônicos`, ´Apetite Famélico`, ´Mãos Outonais`, ´Sessão da Tarde`, ´Desespero Provisório` , ´Não basta sonhar` e o recente livro/peça ´Um Triângulo de Bermudas`. (Ed. Totalidade). Confira nas livrarias Cultura (www.livrariacultura.com.br), Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br), Laselva (www.laselva.com.br) e Siciliano (www.siciliano.com.br).| E-mail do autor: [email protected]

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