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14/10/2008 - 10:01

Um instante, maestro.

Os mais "antigos" ainda se lembram da figura de Flávio Cavalcanti, quebrando discos e enterrando, às vezes, carreiras musicais. Os tempos mudaram, vivemos em plena globalização, as antigas "bolachas" fazem parte do passado, substituídas por CD, iPod s e outras bugigangas. Permanece o "espírito da coisa": o desejo de "detonar" bobagens, inoperantes soporíferos para bovinos insones.

Guido – o Mantega – afirma serem insuficientes "políticas tradicionais" para resolver a crise. Sua Majestade econômica não se digna a fazer qualquer sugestão. Faz ele muito bem. De pajelanças estamos cheios. Encarnação da coerência, Guido Mantega já rezou pela cartilha de Olinda que pregava a ruptura com "tudo isso que está aí", bem como pelo ideário definido carinhosamente como "Neoliberal" ou mais suavemente como "herança maldita". Ocorre que por obra dos inúmeros vasos comunicantes, que até aqui, beneficiaram nossa economia, a nau capitânia Brasil está fazendo água também. A crise cruzou o Atlântico – já dizia Lula. Tempos bicudos, hora de deixar as barbas marinar.

Lula – o Magnífico da Silva, Nossopresidente – faz campanha em São Paulo enquanto a aldeia global pega fogo. Se emplacar Marta, terá sido graças a ele. Se ela levar uma coça, ele não terá nada a ver com isso. Como é doce fazer política! A propósito, se o Canard Enchainé sempre chamou De Gaulle de Mongénéral, não penso ser desrespeito grafar "Nossopresidente".

Ainda Lula – tão magnífico quanto no parágrafo anterior – diagnostica com precisão as causas das 'buembas' que afetaram Sadia, Aracruz, Votorantim e outros que escondem ainda as traulitadas recentes. "Especularam contra o Real". Pois é justamente o contrário. Se perderam com a subida do dólar, foi por acreditar no Real. Além disso – pois não foi apenas a patriótica torcida por nossa moeda a causadora da disgrama – os responsáveis por esse 'nabo', foram além. Deixaram a prudência na naftalina e assumiram riscos indecorosos. Foi o desejo de ganhar mais, a ganância, mas cá entre nós, não existe ainda o vocábulo "perdância", podem consultar os dicionários. No máximo acharão masoquismo. Não precisa entender de hedge para indignar-se. Aliás, é melhor não entender.

A culpa seria então dos especuladores? Well, my dear. Especular é humano. Tentar adivinhar o futuro e tirar proveito disso não é reprovável. Uma fábrica que dobra sua capacidade está especulando; por achar que haverá demanda para seu produto ela amplia suas instalações. Um camarada – li isso no Valor – que sai de guarda-chuva, especula. Acha que vai chover e procura se proteger, mesmo se todos dão risada ao vê-lo passear com aquele acessório ridículo num dia ensolarado.

Os "malditos especuladores" – é tão cômodo achar um culpado e tão prático falar genericamente – os especuladores de hoje são os maldosos "eles" os seres abjetos dignos de amplo e generalizado opróbrio – elevaram as cotações do petróleo, derrubaram as cotações na Bolsa etc. Um instante, maestro. Quem comprou, adoidado, contratos de petróleo comprou de alguém disposto a vender. Afinal, qual deles era o vilão? Quem vendeu ações da Petrobras ou vendeu opções de compra da Petrobrás, encontrou alguém disposto a comprar. Comprador e vendedor estavam persuadidos de estar fazendo um excelente negócio.

O problema não é a especulação. O problema é a manipulação. Jogar boatos e deles tirar vantagem. "Vazar informações", pior ainda espalhar mentiras eis o problema maior. Os falsos rumores podem figurar sem pejo no banco dos acusados. A boataria fez e fará vítimas. Agora mesmo, fala-se em rombos ziliardários de empresas. Onde há fumaça há fogo? Nem sempre. Às vezes é apenas um artefato fumígeno. Não se trata de novidade. Há quem se lembre dos famosos boatos das quintas-feiras que espalhavam pânico ou otimismo infundado nos anos 80. O mal não foi sanado. Basta ver o que se disse e se desdisse a respeito do nosso oceano de petróleo situado no terceiro subsolo, lá no pré-sal. Por um breve lapso deixamos de pertencer à OPIP para nos tornarmos membros da OPEP. Se do sublime ao ridículo, como dizia Napoleão, há um passo só, no nosso caso, bastou trocar uma letra para de importadores virarmos exportadores. La Fontaine conta isso em detalhes na fábula da leiteira e o pote de leite. Há uma diferença. Se não nos tornarmos excessivamente bolivarianos, a mudança de siglas poderá acontecer dentro de alguns anos.

O verdadeiro problema é assumir riscos desmedidos, é colocar no tapete verde da mesa do cassino fichas tomadas emprestado. Quem tem 1 e aposta 1 corre o risco de perder no máximo esse 1. Mas quem tem 1 e aposta 30 corre o risco de perder o que tem e, pior, o que não tem – quilo que lhe foi confiado. Os produtos derivados do subprime representam muitas vezes mais a dívida daqueles que sonharam ter um dia a casa própria. Estimulados por irresponsáveis – se bem ou mal intencionados, não importa. (Queriam ganhar um bônus gordito, para que seu Natal fosse extraordinário) – pagaram o preço da ingenuidade. Vae victis, ai dos vencidos, pois as batatas, desde sempre destinaram-se aos vencedores. Qualquer cliente do Mc Donald´s sabe disso. O otariado apostou além da dívida o valor da valorização momentânea das suas residências ainda não quitadas, para contrair novos empréstimos. Quando os preços dos imóveis recuaram, descobriu-se que estar do lado errado da alavanca pode ser letal. Vamos padronizar as alvancas!

De solavanco em solavanco, experimentamos o tal undershooting, o mergulho para baixo, além do nível que seria o de equilíbrio. Do overshooting ninguém reclamou. É tão doce ser dono da verdade, tornar-se, ainda que no papel, cada dia mais rico!

Resta saber se o bordão das armas da cidade de Paris: Fluctuat nec mergitur – flutua mas não afunda – é aplicável. Com certeza o é. O que não se sabe ainda é o número de vítimas.

No que diz respeito à Bolsa de Valores, não há dúvida que ela há de encontrar um novo patamar. A situação "Vendedor a um centavo de caminhão, comprador a zero de lotes" não há de ocorrer. Quem comprar hoje comprará melhor que há um mês. Talvez compre pior que daqui a um mês, talvez não. Os oráculos que falavam em Bovespa a 90.000 no fim do ano fazem companhia aos videntes que auspiciavam a cotação do barril de petróleo a 200 dólares na mesma data. A atual crise criou um ambiente de total insegurança. "Precificar ativos" baseados em elementos racionais ficou difícil num ambiente no qual prevalece o medo. O índice Bovespa atingiu 73516 pontos em maio; hoje patina na metade desse valor. O que será o amanhã? Haja bola de cristal, búzios e cartomante.

Se falar do termômetro já é complicado, imaginem o que é falar do paciente, no caso a Economia mundial. Dentro das profecias sem risco é melhor escolher uma: O mundo não acabou...ainda. Há quem queira comparar a crise atual com a de 1929. Talvez haja semelhança de sintomas, mas o que é certo é que algumas lições foram aprendidas, outras, nem tanto. Se o fossem integralmente, Poliana teria sido promovida a Ministro da fazenda.

. Por: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, é autor de ´Almanaque Anacrônico`, ´Versos Anacrônicos`, ´Apetite Famélico`, ´Mãos Outonais`, ´Sessão da Tarde`, ´Desespero Provisório` , ´Não basta sonhar` e o recente livro/peça ´Um Triângulo de Bermudas`. (Ed. Totalidade). Confira nas livrarias Cultura (www.livrariacultura.com.br), Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br), Laselva (www.laselva.com.br) e Siciliano (www.siciliano.com.br).| E-mail do autor: [email protected]

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