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24/10/2008 - 08:40

Uma nova teoria ou um retrocesso enigmático


O confisco das poupanças dos trabalhadores pelo Governo argentino, nas vésperas de um default internacional em 1991, produziu uma reação inesquecível. O Presidente De La Rua durou apenas um dia após a medida, com o povo, 16% de desempregados, de patacons nas mãos, tomando as ruas de Buenos Aires em protestos generalizados.

A Presidente Cristina Kirchner, premida pelos compromissos com a comunidade financeira, toma a mesma medida, dezessete anos depois. À beira de um default – ou calote no jargão popular -, a Argentina apelou para os recursos acumulados nos fundos de pensão, num ato repudiado até mesmo por alguns órgãos do próprio Governo, sob a justificativa de proteger as poupanças da crise internacional.

É claro que a crise de 1991 tinha outros componentes, mas o impacto imediato das medidas anunciadas pelo Governo Kirchner foi desastroso. Uma queda acima de 15% nas cotações da MERVAL – Bolsa Argentina, uma escalada enorme no risco País e queda expressiva das cotações dos papéis do Governo. E isso tudo antes da intensa discussão, cujos resultados são insabidos, do projeto no Congresso Nacional, e que certamente serão objeto de passeatas e protestos nas ruas de Buenos Aires. Os maiores impactos são sentidos sobre as empresas e ações objeto de investimentos externos, principalmente nas áreas de telecomunicações e bancária. Até agora, a atuação forte do Banco Central argentino conseguiu manter a estabilidade do câmbio.

Os fundos de pensão argentinos foram criados sob um modelo que, de inicio, sabia-se duvidoso. Não seguiu o chileno na íntegra e nem o brasileiro, o primeiro radicalmente imposto como forma de abrandar gastos públicos e incrementar poupanças privadas, o segundo criado no âmbito patronal, em atendimento a reivindicações de grupos de trabalhadores. O modelo argentino foi criado a partir do interesse das próprias instituições financeiras, interessadas em alavancar poupanças e aplicações financeiras de seu próprio benefício. Na avaliação das próprias autoridades setoriais, o modelo, desde o princípio, era experimental e a atitude agora tomada pela Presidente Cristina Kirchner representa, apenas, uma correção de rota. Mas, se isso é verdade, demorou demais, permitindo aos fundos atingir um patamar de U$ 30 bilhões em reservas e depósitos, de certa forma representativo no ambiente argentino.

Os neoliberais, ferrenhos defensores da presença da iniciativa privada e dos regimes de capitalização no sistema de aposentadorias e pensões, estão, certamente, de cabelos em pé, à espera dos efeitos da medida sobre a sociedade e sobre o mercado de capitais. As experiências mundiais, até agora, vinham mostrando a eficácia dos regimes privados sob capitalização para as economias onde atuavam. A Argentina, na contramão, quer provar o contrário, em meio a uma crise de crédito sem precedentes recentes, liderando a teoria de que o Estado poderá fazer melhor uso dessas poupanças.

Sem dúvidas, um retrocesso teórico. As administradoras de fundos de pensão já sinalizaram reações contrárias ao projeto presidencial, somando-se a sindicatos e lideranças partidárias, denotando ainda maior fervor político para as próximas semanas. Mexeram num abelheiro. Na prática, teremos que esperar para constatar os efeitos. Mas os anos de vida permitem prognosticar uma Argentina mais próxima De La Rua.

. Por: Paulo Mente é economista, ex-Presidente da ABRAPP – Associação Brasileira dos Fundos de Pensão Fechados - e Diretor da Assistants – Consultoria Atuarial.

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