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13/11/2008 - 09:41

Retórica não fertiliza a terra

Por mais que o Governo Federal exercite elaborada retórica atenuante, é indisfarçável o impacto do crash mundial no agronegócio brasileiro. As conseqüências imediatas são a queda do volume de crédito, elevação dos juros para financiamento da safra e a abrupta desvalorização do real ante o dólar, encarecendo ainda mais os insumos, cuja maioria é importada. O mais grave é que isso ocorre às vésperas do plantio de uma safra que poderia ser recorde.

No caso do câmbio, deparamo-nos com triste ironia: no exato momento em que a cotação do dólar, pelas linhas tortas da crise do subprime, torna-se favorável às exportações, os produtores não têm estoques para atender à demanda e, na outra ponta, enfrentam barreiras para adquirir insumos. Estima-se que 20% deles ainda não haviam conseguido comprá-los até meados de outubro. Evidência aguda dessa dificuldade encontra-se nos fertilizantes. Sua majoração média foi de 82%, entre julho de 2007 e o mesmo mês de 2008, informa a Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda).

O maior e mais grave efeito, contudo, ocorre no crédito relativo ao plantio, pois os bancos e tradings têm dificuldade para captar dinheiro e o repasse é submetido a análises mais rigorosas e spreads maiores. No Brasil, a questão é ainda mais preocupante, pois as tradings, grandes financiadoras da agricultura, já haviam diminuído a oferta de crédito e limitado a compra antecipada devido à queda do preço das commodities. Nesse cenário, os financiamentos da fonte estatal tornam-se vitais, mas, infelizmente, têm este ano a menor participação, em todos os tempos, no crédito rural: 55%. Assim, não há surpresa no fato de a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) ter reduzido, de 12% para 9,5%, a previsão de crescimento do PIB do agronegócio em 2008.

Medidas improvisadas e paliativas, como os R$ 5 bilhões anunciados pelo governo para socorrer as linhas de crédito ao agronegócio, estão muito distantes de se constituir em solução eficaz — inclusive devido aos conhecidos trâmites burocráticos que tornam morosa a chegada dos recursos ao campo. E na agricultura não vale o ditado “antes tarde do que nunca”. Passada a hora certa do cultivo, adeus safra... A verdade é que a crise internacional expôs a fragilidade a que está submetida a produção rural brasileira pela ausência de uma política eficaz. Tivesse o País consolidado essa conquista, o setor estaria muito mais blindado.

Uma política pública eficiente para o agronegócio implica numerosos itens, mas há alguns fundamentos básicos, a começar pela revitalização institucional do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. É preciso que tenha mais peso decisório na gestão da economia, considerando o significado do setor. Também se deve incentivar a prospecção de novos mercados externos, em especial economias livres de subsídios e barreiras tarifárias e não-tarifárias. Outro item é a defesa abalizada da política brasileira dos biocombustíveis nos organismos multilaterais e ação voltada à transformação do etanol em commodity. Também é necessária atuação no sentido de remover barreiras à entrada de produtos brasileiros nos países desenvolvidos.

Quanto ao crédito, a experiência ensina que o financiamento adequado não exige apenas menores taxas de juros e aumento da oferta. Requer, também, a simplificação do sistema de financiamento e mais acesso dos agricultores às linhas já existentes. Ademais, é impossível solucionar o gargalo do crédito sem enfrentar com determinação a dívida rural, em torno de R$ 140 bilhões. Esta questão estrutural da agropecuária, que vem sendo empurrada com a barriga, é uma das causas principais de as grandes corporações dos insumos e processamento recuarem no financiamento da safra. Contudo, se o agricultor endividado não conseguir plantar, quebrará de modo definitivo.

Agora, é preciso solução emergencial, já que o problema não foi encarado com profundidade e coragem no momento favorável da recente conjuntura econômica positiva. Em meio à presente tormenta financeira internacional, será muito mais difícil enfrentá-lo. Por isso, há o risco de se paralisar grande parte da produção agrícola, na qual se encontram as melhores oportunidades de o Brasil vencer a crise, exportando alimentos, item que o mundo continuará comprando. Mais uma vez, o Governo Lula perdeu o trem da história. Considerando que a principal vocação nacional é a agricultura, o setor mereceria uma política maiúscula. A sua falta comprova que a terra não aceita desaforos, principalmente se a tentam semear com retórica vazia.

. Por: João Sampaio, economista, é o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (CONSEA).

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