Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

15/11/2008 - 15:41

Tristura


Feitos um para o outro... Como se, de fato, nos astros, estivesse escrito. Se não foram eles os primeiros, ao menos não foram os últimos a perceber a ocorrência desse artifício caligráfico estelar. Aquele namoro nas férias, uma verdadeira dádiva, haveria de deixar sua marca.

Quem a conhecia garantiria, se perguntado, tratar-se apenas de mais um namorico. Por outro lado, os amigos dele teriam sido categóricos quanto a nunca ter acontecido algo semelhante com o incansável conquistador, redu­zido à condição de cordeirinho. Ocorre que não houve esse tipo de consulta; portanto, fica-se no terreno das hipóteses.

Namoro ou namorico, seria pura perda de tempo preocupar-se com rótulos. Para eles tudo consistia em capturar a essência de cada segundo e trans­formá-la em pequenas eternidades.

Sejamos justos, nada parece mais duradouro que uma paixão passageira. Mesmo que os arroubos possam parecer eternos, eterno só será o esqueci­mento, resmungam os escaldados. Mas de quem estamos falando?

Por algum misterioso capricho do destino, ele a encontrou na praia. Na­quela praia apinhada de gente, guarda-sóis e jogadores de bola. Areia quente, sol a pino e o providencial ambulante vendendo sorvete. A passagem de um menino descalço, com a sua caixa de isopor, foi o detalhe que determinou o encontro. Às vezes, o destino coloca um iceberg na rota de um navio; outras vezes, faz passar alguém sob uma sacada no momento exato em que um vaso de flores despenca. Outras vezes ainda, quando bem-humorado, faz convergir para o mesmo ponto, no mesmo instante, dois heróis e um coadjuvante sor­veteiro.

Entreolharam-se. Pediram ao mesmo tempo:

– Moço, um sorvete, por favor.

O menino os atendeu e foi embora, deixando-os frente a frente. Afinal, ti­nha cumprido seu papel.

Sorrisos de parte a parte. Algumas palavras. Sim, o calor era mesmo tór­rido. Não, ela usava protetor solar e ele também deveria pensar em usar. Com esse buraco na camada de ozônio... Não, ela estava só. Que sorte, ele tam­bém. Claro, poderiam jantar juntos. Ah, tanto fazia onde. Aquele terraço perto da ponta da praia? Ela conhecia, sim. Sim, ele era pontual. Não, ela não cos­tumava dar o bolo, podia ficar sossegado.

Sem tema romântico como música de fundo, a não ser o monótono assedio das ondas procurando acariciar a praia, foram caminhando devagar, evitando um ou outro pipi-river que sulcava a praia.

Sem mesmo suspeitar, estavam galgando os degraus de uma escada, sor­rateiramente colocada por Cupido ou algum dos seus subalternos. Fala-se muito nas flechadas de Cupido; poucos, porém, são os que sabem que não há flechadas, se não houver subida. Quem ficar sempre com os pés no chão, correrá o risco de perder o melhor da festa. Escalar será preciso.

Foram vagando, alheios a esses detalhes de escadaria. Dois corpos jovens, duas mentes confusas com as traquinagens do acaso. Menos de duas horas depois, cada um sabia tudo e nada a respeito do outro. De muito certo, só que mal poderiam esperar a hora do reencontro. Esse reencontro quase deixou de ocorrer já que eles não conseguiam se despedir. O jantar foi de poucas pala­vras, muitos olhares, algumas risadas e longos apertos de mãos.

Por ser a noite, ainda uma criança como dizem por aí, ou com o rouxinol cumprindo seu turno antes de ser substituído pela cotovia como bradariam os shakespearianos, se consultados, passearam descalços pela praia deserta e mal iluminada. Era possivelmente a última praia na qual passear a qualquer hora não envolvia risco algum. Ficaram de mãos dadas, olhando as estrelas, já que ouvi-las poderia ser mais trabalhoso. Avistaram as Três Marias e es­colheram a do meio como sendo a estrela deles, só deles, sem se preocuparem se milhares de outros enamorados pudessem estar disputando-lhe a posse. Depois de olhar a estrela, o primeiro beijo, e outro e mais um. Lá mesmo, na areia, ela continuou olhando a estrela, enquanto ele a fazia sentir-se dona do Universo. Ele só via, emergindo da areia, o olhar embevecido, que os corpos suados fazia reluzir. Melhor que em "A um passo da eternidade", lembrariam depois. Sem censura foi mais fácil.

Assim, foram transcorrendo dias maravilhosamente iguais e irresistivel­mente diferentes, até chegar a malsinada hora da despedida. Centenas de quilômetros iriam separá-los, doravante. A distância? Mero detalhe para os dois apaixonados! Juraram que assim que possível... E enquanto estivessem longe, melhor que cartas, telefonemas, ou Internet, a estrela deles, confidente muda iria aproximá-los.

– Bastará olhar para a nossa estrela e estaremos juntos, como agora.

Na primeira noite longe dele, correu à janela e olhou para o céu. Lá estava a estrela, testemunha silente, com o seu brilho hesitante. Com certeza, ele também a estaria olhando. A estrela os uniria.

Mas, naquele exato momento, ele estava contemplando o teto de um quarto com o olhar subjugado pelos suspiros de uma nova cúmplice à conquista do Universo. Se ao menos houvesse um teto solar no motel...

. Por: Alexandru Solomon, Crônica do livro ´´Mãos Outonais``, Editora Totalidade.Livraria Pega-sonho rua Martinico Prado, n° 372 Telefone: (11) 3668-2107 | e-mail do autor: [email protected]

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira