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19/11/2008 - 09:42

Obama, a Farm Bill e o agronegócio brasileiro

Oito anos depois de se eleger e quatro após se reeleger sob o estigma do medo dos norte-americanos, o presidente George W. Bush termina seu segundo mandato de maneira melancólica em termos econômicos, mas não altera o discurso. "Temos terroristas aguardando para nos atacar e eles podem querer aproveitar a transição ao novo governo...”, disse ele, na entrevista na qual comentou a eleição de Barack Obama. Também salientou o fato de “ser a primeira vez, em muitos anos, que a troca de governo nos Estados Unidos dá-se com o país em guerra”.

Lembrar a síntese da política externa de Bush, que parece ver o mundo através de uma alça de mira, é importante para estabelecer comparações com o discurso de campanha de seu sucessor, que acena para a pacificação e maior tolerância. Enfim, espera-se que Obama substitua a espada pela pena, desarmando ânimos e exércitos. Afinal, o mundo precisa concentrar foco na busca de soluções para a crise financeira e as questões não-resolvidas do comércio multilateral, e é óbvio que o belicismo atrapalha.

Nesse contexto, será decisivo perceber os sinais que Obama começa a emitir em termos da diplomacia econômica. Com certeza, em especial se consideradas a expressiva percentagem de votos e a maioria que os democratas fizeram nas duas casas do Congresso, ele terá a liderança — que Bush já perdera — para influir em questões decisivas: barreiras protecionistas aos manufaturados, sobretaxas aos produtos do agronegócio e os subsídios aos produtores rurais.

Como se sabe, a posição hermética dos Estados Unidos nesses temas é um dos fatores que emperraram a Rodada Doha. No caso específico da agricultura, a nova lei para o setor, aprovada pelo Congresso este ano, contra a vontade de Bush, que tentou vetá-la, agravou muito as dificuldades de entendimento internacional. Em paralelo à ampliação dos programas públicos de alimentação dos pobres, a “Farm Bill 2008” estimula a organização das propriedades agrícolas e os investimentos em biocombustíveis.

A lei, com vigência até 2012, destinou mais US$ 290 bilhões ao setor agrícola, basicamente para reforçar os subsídios, em particular aos produtores de milho, soja, trigo e outras commodities. Há um fator agravante, esquecido pelo noticiário mundial nas análises relativas à sua votação este ano: a “Farm Bill 2002” — defendida com entusiasmo e ufanismo pelo então presidente Bush, que contou com a falta de memória do mundo para se contradizer no trâmite da versão 2008 da lei agrícola — já aportara US$ 190 bilhões em subsídios. E mais, a edição 1996 já destinara US$ 60 bilhões à mesma finalidade.

Como se vê, os subsídios crescem à proporção geométrica, assim como a insegurança alimentar, que, em 2008, passou a atingir quase um bilhão de pessoas no mundo. Para entender a relação de causa-efeito entre os dois indicadores, nada mais didático do que o próprio discurso feito por Bush em 2002: “A lei é essencial para o sucesso de nossa economia e beneficiará o setor agrícola do país em tempos difíceis, pois concede subsídios aos produtores nos próximos dez anos”.

Na prática, as “Farm Bill”, como a que desejava Bush em 2002 e a que tentou vetar em 2008, garantem artificialmente a competitividade dos produtos agrícolas norte-americanos, em especial os grãos. Os subsídios variam de acordo com o preço. Quanto mais baixo este for, mais subvenções. Num cenário de queda dos preços das commodities, como se tem observado, os produtores dos Estados Unidos continuam preservados e podem até exportar por valores abaixo do custo da produção, competindo de maneira desigual com os de outros países.

Os subsídios estimulam o empresário rural norte-americano a aumentar cada vez mais a produção, pois tem garantias de preço mínimo. Esse crescimento gera um excesso de oferta, que provoca a queda dos preços internacionais. Além disso, o país passa a diminuir as importações e começa a retirar mercado de outras nações exportadoras, como o Brasil, cujo agronegócio foi atingido na jugular pela lei de 2008.

Portanto, é hora de muita pró-atividade nas negociações com o novo governo de Barack Obama, mas entendendo que seu discurso econômico está muito mais próximo daquele que Bush fez ao sancionar a “Farm Bill 2002” do que do teor que gostaríamos de ouvir. Embora mais pacifistas e adeptos do humanismo do que os republicanos, os democratas costumam ser mais protecionistas. Assim, o Brasil precisa mesmo é de ampla política para sua agricultura.

E política setorial implica decisões comerciais estratégicas, buscando, senão a contraposição de protecionismo nosso na corrida contra o protecionismo dos outros, ações multilaterais e bilaterais que garantam mercados para os nossos produtos. Afinal, não apenas os Estados Unidos podem. O Brasil também pode, enquanto país líder da agricultura tropical. Saudamos o novo governo de Obama, mas sem deixar de buscar nossos interesses nacionais. A lógica indica ser mais fácil realizar uma política adequada aqui do que mudar a cabeça de senadores e deputados norte-americanos lá.

. Por: João Sampaio, economista, é o secretário de Agricultura Abastecimento do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (CONSEA).

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