Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

12/12/2008 - 08:29

Plano diretor estratégico e participação popular na gestão da cidade

Quase 9 em cada 10 brasileiros vivem em cidades (fonte: IBGE). Mais: no mundo inteiro, e pela primeira vez na história em 2008, a parcela de seres humanos habitando cidades é maior do que a que vive no campo (fonte: UNCTAD)

É nas cidades, portanto, que a maior parte das pessoas trabalha, consome e vive. É no ambiente urbano que se dão os maiores conflitos de interesse, pela concentração de riqueza decorrente da concentração populacional.

Nesse contexto, o Plano Diretor – instrumento básico de política urbana, mais especificamente de planejamento municipal (art. 4º, alínea “a”, c/c art. 40, caput, da lei 10.257/2001) – pode ser propriamente definido como a “Constituição Municipal”, ou seja, a lei mais importante da cidade.

É tão importante, que a propriedade urbana só cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor (art. 182, §2º da Constituição Federal, e art. 39, caput, do Estatuto das Cidades). As disposições do plano diretor estratégico orientam e informam a elaboração do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual do município (§1º do art. 40, do Estatuto).

É o plano diretor que definirá, dentre outras coisas: (i) as áreas urbanas onde será aplicado parcelamento, edificação ou utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado (art. 5º do Estatuto); (ii) direito de preempção, outorga onerosa do direito de construir, alteração do uso do solo, operações urbanas consorciadas e transferência do direito de construir; (iii) acompanhamento e controle da função social da cidade (através da participação popular e de associações representativas).

Sendo tão importante, preocupou-se o legislador em garantir, a toda a população, voz ativa no processo de elaboração e revisão das disposições do Plano Diretor, não só através de representantes eleitos, mas principalmente de forma direta. Assim é que o § 4º do art. 40 do Estatuto da Cidade define claramente que: 4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais arantirão: I - a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II - a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III - o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.

Para cidades com mais de 500.000 habitantes, é obrigatória também a elaboração de um plano de transporte urbano, integrado ao plano diretor.

O art. 43 da mencionada lei fala claramente em “garantia da gestão democrática da cidade”, sendo nula qualquer iniciativa de planejamento municipal que não conte com a participação da população. Vejamos: Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos: I - órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal; II - debates, audiências e consulta pública; III - conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; IV - iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

Em seguida, o art. 44 do Estatuto estabelece a participação popular como requisito fundamental à aprovação de qualquer projeto, pela Câmara Municipal, que verse sobre o plano plurianual (lei que define os programas de duração continuada), diretrizes orçamentárias (definem como será praticado o plano plurianual) e o orçamento anual. Verbis:

Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4º desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.

Por fim, o art. 45, tornando obrigatória a participação popular nos organismos gestores da cidade, exige que seja significativa, ou seja, todo o espectro da sociedade, com suas diferentes matizes e interesses, deve estar devidamente representado, sem o que não há o exercício da cidadania:

Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania.

Em que pese ser, o Brasil, uma democracia representativa, é clara a vontade do legislador de permitir, ao cidadão, participar diretamente da definição das políticas urbanas, sem intermediários, eleitos ou não. E viabiliza essa diretiva através, inclusive, de instrumentos como plebiscito e referendo, por expressa previsão constitucional e do Estatuto das Cidades.

É evidente que, numa cidade com as dimensões de São Paulo, a consulta direta da população através de sufrágio é problemática e cara. Nesse contexto, ganham especial relevo os órgãos colegiados de política urbana, como o Conselho Municipal de Política Urbana, que compartimenta a discussão por tópicos e por regiões, facilitando o debate.

Infelizmente, associações de comerciantes tendem a ser mais organizadas e ter muito mais voz no debate do que associações de moradores e entidades de defesa do meio ambiente e da ordem urbanística. Entretanto, qualquer debate que não prestigie a pluralidade de opiniões (como ocorre em Conselhos em que prepondera o interesse do Estado, divorciado do interesse público, bem como o interesse exclusivo do poder econômico), não preenche o requisito de participação popular que transparece no texto do Estatuto da Cidade, maculando e viciando permanentemente qualquer decisão que seja tomada dessa forma.

Responsabilidade do agente público - O prefeito que não chama a população ao debate e ao processo decisório em matéria de planejamento urbano em geral, e mais especificamente no que tange ao processo de elaboração e reforma do plano diretor, comete ato de improbidade administrativa, de acordo com o inciso VI do art. 52. Nesse sentido, fica sujeito às penas estabelecidas no art. 12 e incisos da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), a saber: reparação integral do dano causado, pagamento de multa civil, proibição de contratar com o Poder Público, diretamente ou através de empresa interposta da qual seja sócio majoritário, proibição de receber incentivos fiscais, perda da função pública e suspensão dos direitos políticos.

Ademais, na medida em que a inobservância das disposições do Estatuto da Cidade pode ser qualificada como atentatória ao meio ambiente artificial, compreendido pelo espaço urbano, a conduta do prefeito ímprobo é também criminosa (poluição por omissão), incidindo as penas estabelecidas pela lei 9.605/1998, que vão desde a prestação de serviços à comunidade até a reclusão.

Instrumentos processuais - Os legitimados (a saber: Ministério Público, Defensoria Pública, associações que estejam constituídas há mais de um ano e que tenham dentre seus objetivos estatutários a defesa do meio ambiente, dentre outros), podem propor Ação Civil Pública de responsabilidade por danos materiais e morais causados ao patrimônio ambiental e urbanístico.

O conteúdo da ação pode ser uma obrigação de fazer ou não fazer (por exemplo, promover reuniões e debates com efetiva participação popular), cumulada ou não com pedido de reparação dos danos eventualmente causados. Qualquer indenização será obrigatoriamente revertida a um fundo de defesa de direitos difusos, que no Estado de São Paulo é denominado Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados (Decreto Estadual n. 7.070/87), e, no âmbito municipal, Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Município de São Paulo (FEMA), criado pela Lei 13.155/01, e regulamentado pelo Decreto n. 41713/02.

Quem propõe ação civil pública fica isento do pagamento de custas processuais, taxas e emolumentos (salvo comprovada má-fé), bem como do pagamento de honorários advocatícios, em caso de sucumbência.

Além disso, qualquer cidadão pode propor Ação Popular com o objetivo de obter a declaração de nulidade ou anulação de todo e qualquer ato lesivo ao patrimônio público, nos termos da Lei 4.717/1965.

Caso a entidade/associação, ou o cidadão, prefiram não ingressar diretamente em juízo, podem levar o fato a conhecimento do Ministério Público Estadual, ou da Defensoria Pública, que tomarão todas as medidas pertinentes à hipótese.

.Por: Edson Roberto da Silva, Fernanda Figueiredo Malaguti e Rafael Guimarães Rosset, do escritório R.Silva e Advogados (www.rsilvaeadvogados.com.br), em São Paulo-SP.

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira