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08/01/2009 - 10:43

Sobre Gestão e Cultura

Hoje, percebemos que através da renúncia fiscal as empresas têm investido mais em cultura. Em 2001, uma pesquisa coordenada por mim sobre as ações de responsabilidade das empresas no Estado de Minas Gerais mostrou que os principais focos de ação delas eram cultura e educação. De lá pra cá, temos visto crescer o número de projetos culturais envolvendo a marca de várias empresas instaladas no Estado. Não há dúvida sobre o crescimento destes investimentos culturais.

Como pensar em gestão de projetos culturais num país em que se privatizam os investimentos em cultura através da renúncia fiscal? Na medida em que esta privatização ocorre, observa-se a tentativa de implantação do modelo de gestão voltado para a produção e também para a gestão de projetos na área cultural.

Uma questão crucial, então, se coloca: podemos gerir o projeto cultural como gerimos um outro projeto produtivo dentro de uma organização? Parece-me que quanto à metodologia de planejamento, implantação do projeto, acompanhamento e controle de sua execução utilizada nas empresas produtivas, só temos a ganhar. As metodologias administrativas buscam melhorar a eficiência e a eficácia do resultado do trabalho. Mas, pensar em cultura e em projetos culturais requer pensar estrategicamente no que se quer obter com isto. Numa etapa anterior à própria gestão do projeto cabe aos gestores das empresas, que investem em projetos culturais, se perguntarem: “porque vamos investir em cultura?” Isto pode parecer simples, mas não é. Este é ponto chave que irá mostrar como se percebe a cultura: se como algo que tem um papel importante na construção de uma sociedade ou como mais um instrumento da estratégia de marketing das empresas.

Talvez a pergunta a ser feita seja: investir em cultura alinha-se a quais objetivos estratégicos da empresa? Se tivermos uma empresa que realmente tem um modelo de gestão arrojado, contingencial, que busca fazer a diferença, ela não pode agir em seu ambiente e em sua sociedade sem se questionar sobre o seu impacto sobre ambos. Produzir sim, dar lucro sim, mas o como produzir faz toda a diferença. Quando uma empresa lucra milhões e bilhões, seus gestores devem estar atentos para os impactos no ambiente e na sociedade que ela produz. É por isto que a empresa deve ter uma parcela considerável de responsabilidade pela sociedade e o meio ambiente onde está inserida.

Assim, investir em cultura é investir no que se acredita ser importante para a sociedade como um todo. Não significa exatamente algo quantificável, como ocorre na visão pragmática de gestão, quando acreditamos que tudo tem que ser mensurável e quantificável para, a partir de números estatísticos, medirem a nossa eficácia organizacional. Isto é uma forma de saber que, muitas vezes, tomamos como uma verdade. Mas, investir em cultura talvez seja ir além do mensurável que esta visão de gestão nos coloca.

Neste sentido, podemos pensar a cultura e suas expressões - a arte, a música, a literatura, a filosofia - com seus efeitos na cidadania, na capacidade de criação e na nossa saúde mental. Como, então, quantificar os efeitos dos projetos culturais? Podemos quantificar os impactos de um projeto cultural no grau de cidadania de um povo de uma nação? Ou no impacto do mundo simbólico e criativo das pessoas? Podemos quantificar como a arte ajuda a criarmos e recriarmos sentidos em nossa vida? Talvez possamos quantificar o número de pessoas que freqüenta um projeto, os investimentos feitos, mas isto pouco tem a ver com o seu impacto nos indivíduos e na sociedade. Nesse processo de privatização da cultura, corremos o risco de, com a visão gerencial, nos atermos a uma visão míope sobre a importância dos projetos culturais para a sociedade e para os indivíduos que nela vivem. Corremos o risco de transformar a cultura apenas numa repetição de discursos já prontos, de fácil compreensão, e de grande presença de público. Lembremos que, em vários momentos da história da arte tivemos obras e artistas, criativos e inovadores, que não tiveram público, foram incompreendidos, mas que nos deixaram obras hoje consideradas como patrimônio da humanidade.

O artista mostra através de sua arte a sua singularidade, cria e recria, é capaz de transformar o mundo que o rodeia, como dizia Picasso: “há pintores que transformam o sol numa mancha amarela, mas há outros que, graças à sua arte e à sua inteligência, transformam uma mancha amarela em sol”. Por causa desta capacidade de transformação da arte é que não podemos nos ater apenas aos números que pouco expressam a possibilidade de cidadania, de simbolização, de invenção e criação da realidade, aspectos estes tão importantes para se pensar a cultura. A partir do contato com a arte temos a possibilidade também de mudar nossa forma de ver o mundo, de criar e recriar novos sentidos, de talvez nos sentirmos mais humanos. E como medir este impacto do projeto cultural nas pessoas? Pensar a gestão cultural pode até ser pensar no quantificável, mas há que se ir muito além dele.

. Por: Júlia Andrade Ramalho Pinto, Psicóloga, Administradora, Diretora da Estação do Saber e Curadora do projeto Estação Pátio Savassi.

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