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13/01/2009 - 08:26

Paisagem


As obras de Anita Fiszon que compõem Paisagem, em exibição no Espaço Furnas Cultural, estão vinculadas aos processos modernos que investiram na experimentação com os elementos constituintes da obra de arte para reinventar e ultrapassar as modalidades artísticas tradicionais. Processos cujos desdobramentos abriram o campo ampliado da arte contemporânea, tal como nomeado por Rosalind Krauss. O conjunto expõe com clareza a pesquisa da artista, a qual, iniciada na pintura, alcançou a produção de objetos e instalações, embora não como objetivo último, ou ponto final de chegada. É evidente o entendimento de uma das características da arte na contemporaneidade: o transitar fluido das pesquisas entre múltiplas categorias (nesse caso, entre Pintura, Escultura, Instalação, Desenho), corroendo suas fronteiras e tornando híbridos seus meios.

Tendo em sua maioria dimensões modestas, as obras movem-se no jogo entre Grande e Pequeno, podendo alcançar a grandiosidade pela soma, pelo acúmulo virtualmente infinito de módulos diminutos; ou dando a perceber o grandioso no pequeno, ao manipular as escalas no arranjo de elementos e coisas. Dinâmicas que são indícios de como, independente de sua timidez e da introjeção inerente ao modo como se constituem, essas obras lidam com questões da Arte – de agora, de antes e de sempre. As intervenções na superfície do quadro, rompendo-a, acabaram por desconstruir a tela, evidenciando como esse dispositivo de representação simbólica, de tradição milenar e fundamental na estruturação da cultura Ocidental, tem dimensões empíricas, é um objeto feito de materiais comuns: madeira, tecido, pigmento, óleo.

Adotando como princípio essa questão, Anita Fiszon explorou não só a condição trivial desses materiais. No transcurso de sua pesquisa, deixou de lidar com materiais para manipular matérias, seja in natura ou readymade, encontradas na Natureza ou na Cultura. Em vez de enquadramento neutro, invisível, a madeira apresenta-se íntegra, expondo francamente, embora de modo discreto, suas cores, texturas e demais propriedades. As telas não são tecidos adquiridos em lojas especializadas em itens artísticos, provêm de apropriações de tramas diversas que envolvem coisas diversas do cotidiano. Quanto aos pigmentos, a artista passou a produzi-los pacientemente a partir de diferentes pedras e terras, que encontra no mundo ao seu redor.

Esse radicar em coisas fundamentais, apesar de, ou exatamente por serem corriqueiras, leva a pensar no alcance dessa pesquisa artística. O ar despretensioso e singelo permite justamente ver como ela se posiciona de modo franco no debate da arte contemporânea. Intuitiva, algo ingênua, mas não desinformada, traz em si uma teoria da arte: a diferença entre as coisas do dia-a-dia e as obras de arte não deriva apenas do aceite coletivo de uma distinção conceitual entre os objetos, pois se ancora no transformar das coisas. E mais: para que exista, é necessário que essa distinção aconteça a partir da matéria e no processo de feitura do objeto. Diferencia-se, assim, das vertentes que supõem a arte apenas como uma diferença conceitual socialmente construída e referendada, bem como as que querem alijar o fazer e a forma do âmbito artístico. Estão mais próximas, portanto, da “tecnologia do encanto” de Alfred Gell do que da “transfiguração do lugar-comum” de Arthur C. Danto.

Contudo, vale ressaltar a distância mantida pela artista das práticas da arte como produto meramente conceitual ou como auto-dissecação, tão freqüentes atualmente. O impulso de desconstrução da tela traz em si o de sua reinvenção em novas modalidades e formas: objetos, instalações, imagens. Explicita, assim, como a arte surge do real, das coisas do dia-a-dia, bem como de si, de sua historicidade, e as transmuta, operando de modo diferenciado com a realidade, inclusive a da arte.

O que obriga a pensar a persistência do quadrado nas obras de Anita Fiszon. Forma que, com certeza, emerge de uma tradição específica: a geometria euclidiana e sua dominância na cultura artística Ocidental, sobretudo na vertente construtiva da arte moderna. Contudo, como os demais elementos dessa pesquisa, o quadrado ultrapassa seu contexto cultural, retornando à raiz, para surgir em si: polígono quadrilátero ortogonal, absolutamente simétrico e, portanto, com menor perímetro proporcional, maior concentração, denso e estável. Assim, pleno e múltiplo, está aberto à polissemia da Geometria, bem como ao seu universalismo ao mesmo tempo racional e mágico. O que leva a pensar como a artista transpõe a exclusão mútua de empiria e racionalismo.

Ao romper a unidade da tela e explicitar sua condição tridimensional, Anita Fiszon passou a operar com mais um elemento prosaico: o vazio. Ao também ser manipulado enquanto matéria, o vazio foi reconfigurado como espaço e trazido à tela, ao objeto – emancipação do espaço que é mais um vínculo dessa pesquisa com a tradição artística moderna.

Nesse processo lógico, mas não calculado nem antecipadamente presumível, os objetos se tornaram gráficos. Substituindo madeira por ferro, tecido e pigmento por fios de espessuras diversas, o objeto passou a se instaurar pela relação lúdica entre linha e espaço. A partir da parede, do teto ou do chão, armam-se tramas líricas, mais ou menos intensas, aéreos objetos que se desenham desenhando com linhas o espaço.

Caminho contínuo de redução dos componentes do trabalho que abriu a possibilidade de enfrentar e explorar outros elementos imateriais, embora também dependentes de substâncias e formas: a luz e seu eterno correlato, a sombra. Mais do que evidenciá-las, a artista tem com elas jogado efusivamente. Contudo, sua preferência não é tanto a luz, mas o efeito do objeto que ela causa em seu anteparo: a sombra, à qual ela procura dar autonomia. Revê o destino cruel das sombras, sempre submissas àqueles e àquilo a que se referem, de quem ou de que são. Relativa que seja, posto que sempre dialoga com objetos e seres, sua autonomia é uma conquista. Ativa é a missão outorgada à sombra: espacializar o desenho, incorporar a arquitetura à obra e conquistar o espaço, projetando o objeto no real. Assim, nada sombrias, rompem o ensimesmar da obra, abrindo futuros para a pesquisa.

Se não se querem desmistificadoras e não pretendem erigir novos mitos, essas obras não estão distantes de um caminho algo transcendente. Fixando-se na concretude das coisas, pretendem ir além. Exponenciando o ordinário querem alcançar o excepcional, crendo que o prosaico elevado ao quadrado pode gerar o maravilhoso. De tal modo que esse texto faria jus às obras apenas se, em vez de referências e citações, lidasse com letras e espaços, palavras e sentenças usuais, conseguindo ir além de seus sentidos habituais. Enfim, se em vez de crítica fosse poesia.

Exposição 16 de janeiro, de terça a sexta, 14 - 18h; sábados, domingos e feriados, 14-19h, no Espaço Furnas Cultural - Rua Real Grandeza , 219- Botafogo – Rio de Janeiro. Anita Fiszon , Curadoria de Roberto Conduru.

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