Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

20/01/2009 - 11:37

O ilusionismo econômico

Mágicos como David Copperfield, em suas apresentações, não raro desaparecem de cena para surgir em outros lugares e situações. Suas mágicas são ricas em criar ilusões nos expectadores, remetendo-os a um mundo de fantasia, onde as barreiras da matéria podem ser facilmente superadas. Nestes tempos de crise, quantos políticos, governantes, financistas e comentaristas econômicos não gostariam de poder fazer o mesmo, para fugir de suas responsabilidades perante o público? Apesar de não dominarem as técnicas do David, procuram sobreviver construindo cenários imaginários para suas assustadas plateias, para ver se conseguem mantê-las entretidas enquanto buscam solução ou milagre. O tempo vai-se esgotando e a verdade acaba aparecendo, ainda que lentamente.

Desde setembro, nossos líderes e formadores de opinião vêm insistindo que o importante é não perder a calma, manter a serenidade, pois nossos fundamentos são sólidos. A base do raciocínio é um passado que não mais existe mais, que incinerou, em menos de 30 dias, mais de US$ 7 trilhões da poupança mundial. O equivalente à soma do PIB anual da maioria dos países europeus. Trata-se de absurdo fruto de um misto de incompetência, ganância e arrogância em que se envolveram os agentes econômicos, públicos e privados das maiores economias.

Encarar o futuro é sempre difícil, pois exige do desafiado domínio da informação, capacidade projetiva de raciocínio, vivência empresarial e cadeia de relacionamentos que possam contribuir proativamente para a busca de soluções inovadoras e caminhos alternativos. Estas características diferenciam os verdadeiros líderes, capazes de transformar a realidade. A sociedade precisa livrar-se rapidamente da incompetência de ilusionistas que procuram ocultar as limitações de suas ultrapassadas políticas públicas. Nos últimos anos, a economia brasileira funcionou a crédito, em grande parte, disponibilizado por poupadores não residentes no País. Isto porque nossa taxa interna de poupança permaneceu próxima de 20% do PIB, quando deveria ser mais de 30%. A China ostenta quase 50% e o Japão 45%.

Dados do Banco Central mostram que o crédito disponível cresceu de 22%, em 2002, para 40,3% do PIB (R$ 1,209 trilhão) ao final de 2008. Importante lembrar que, nesses montantes, cerca de 50% referem-se a juros embutidos nas dívidas, que terão de ser pagos aos agentes econômicos nos próximos 35 meses, pelos até então consumidores brasileiros emergentes. Na prática, cerca de 17 milhões de brasileiros têm dívida bancária superior a cinco mil reais (R$ 5.000). No crédito consignado (desconto em folha de pagamento) são cerca de 15 milhões de contratos com um valor médio de R$ 1.583, a serem pagos em 33 parcelas. Atualmente, a desaceleração por novos créditos nestas modalidades é significativa. As regiões sul e sudeste que representaram 78,4% dos créditos concedidos, já apresentam perda de dinamismo nos setores automobilístico, imobiliário e de bens duráveis em geral.

Para quem poupa, não há o que comemorar. No mesmo período, o resultado líquido das aplicações não superou os 10% ao ano, enquanto a taxa de juros média cobrada das pessoas físicas foi a 58,7% ao ano. Felizes ficaram os agentes econômicos que, com "spread” de 36,26% ao ano — ganho entre o custo do dinheiro e o valor cobrado junto ao tomador – mantêm sua liquidez e provisionam elevados ganhos futuros. Mesmo que a inadimplência venha a crescer.

O resultado dessa política de juros baixos para quem poupa e estratosféricos para quem toma é um crescente desestímulo para poupança nacional e um sequestro institucionalizado de parcelas significativas do consumo potencial das famílias, não contribuindo para a dinamização do mercado consumidor, mas para a acumulação do capital dos financiadores de nossas carências creditícias. Esse fato perpetua uma distorção em nossa economia, indo na direção contrária do discurso de manter o consumo para manter o emprego.

Existe uma relação estreita entre renda e capacidade de endividamento. Como a renda média do trabalhador no período não apresentou um crescimento significativo, o cenário atual mostra claramente o esgotamento da capacidade das pessoas em continuarem se endividando. A inflação em alimentos e serviços é bem superior à estabelecida como meta pelo Banco Central, o que acaba corroendo a renda discricionária das famílias. Tendência ou não, o fato é que, no mês de novembro último, a inadimplência atingiu 7,8%, a maior taxa desde agosto de 2003. Seria um prenúncio do que está por vir?

Até aqui, as autoridades têm mantido o tom de otimismo. Tarefa nada difícil em um país em que, segundo pesquisa do Datafolha, apenas 14% da população se declararam bem informados sobre a crise que se formava, enquanto um contingente de 27% não tomou conhecimento da crise. Parcela de 78% dos entrevistados acredita que em 2009 sua vida pessoal será melhor do que a do ano passado. Está assim provado que a prestidigitação econômica está funcionando.

À medida que os contornos da crise avançam e mostram sua real dimensão, nossos formadores de opinião, juntamente com os políticos, vão mudando o seu discurso, como parte de um instinto natural dos grandes ilusionistas que estão sempre preparando novos números para manter a plateia entretida, à proporção que ela vai se cansando dos dados antigos. A questão agora, para você leitor, é definir-se como irá posicionar-se frente aos fatos para sobreviver nos próximos vinte e quatro meses.

. Por: Carlos Stempniewski, administrador, economista e professor das Faculdades Integradas Rio Branco.

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira