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24/01/2009 - 08:30

Banco de dados de DNA é nova arma da polícia para identificar desaparecidos

Uma simples saída de casa para realizar atividades cotidianas, como ir ao supermercado, ao trabalho ou a uma festa, pode resultar em mais um nome na lista dos desaparecidos no estado, que registrou 3.665 pessoas de janeiro a setembro de 2008, de acordo com o Instituto de Segurança Pública. Mas a investigação de casos de desaparecimento ganhou um aliado na Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro: o banco de dados de DNA do Instituto de Pesquisas e Perícias em Genética Forense (IPPGF). A proposta é do projeto Localizar, que recebeu apoio da FAPERJ por meio do edital Prioridade Rio – Apoio a Estudos de Temas Prioritários. O banco de dados genéticos foi elaborado para processar mais de 300 amostras biológicas, retiradas dos despojos de diversas vítimas fatais necropsiadas pelo Instituto Médico Legal e enterradas como indigentes.

"O objetivo é estabelecer um banco de dados genéticos que permita o cruzamento do exame do DNA extraído das amostras dos restos mortais dos indigentes, a maioria ossadas, com o DNA de parentes dos desaparecidos vinculados a procedimentos policiais em andamento no Setor de Descoberta de Paradeiros, da Delegacia de Homicídios", explica a perita coordenadora do projeto e especialista em biologia forense, Selma Sallenave Sales. E prossegue: "Existe um cadastro desses parentes. Muitos já procuram seus familiares. O que precisamos fazer é relacionar a ossada com o cadastro para identificar as pessoas desaparecidas. Os parentes serão contactados para fazer o exame de DNA por assistentes sociais."

Longe de estar apenas na ficção retratada nos seriados policiais americanos, que apresentam peritos desvendando mortes misteriosas com o auxílio tecnológico de bancos de dados de DNA, o uso de um dos ramos atuais da genética forense, a biologia molecular, para elucidar crimes não é novidade em outros países. O governo espanhol desenvolve o projeto Fênix. Nos Estados Unidos, existe o Sistema CODISmp – CODIS Missing Person’s Database. Na Nova Zelândia, o projeto FEEDS/ESR congrega, em um único banco de dados, os sistemas criminais e de não identificados.

Já no estado do Rio de Janeiro, a iniciativa da perícia técnico-científica de montar um banco de dados de DNA é inédita. "É a primeira vez que a Polícia Civil do Rio tem um projeto com essa finalidade. A iniciativa é trabalhosa e cara", destaca a bióloga. "Ainda não temos um banco de dados nacional entre as Polícias Civis, mas existe essa intenção, para confrontar o material com o de outros estados", acrescenta Selma.

O primeiro momento da pesquisa é voltado para a extração do material biológico no laboratório do IPPGF. A comparação com o DNA de familiares cadastrados será a última etapa. "A fase atual do projeto é levantar os dados dos perfis genéticos, a partir da pesquisa laboratorial no material biológico dos indigentes. A segunda etapa será passar essas referências para a Delegacia de Homicídios, para que ela possa, então, dentro daquele cadastro, indicar possíveis parentes vinculados a esses casos. Não houve ainda nenhum caso de confronto entre o material genético dos desaparecidos e o dos parentes", diz a diretora do IPPGF, Kátia Araújo.

A identificação dos restos mortais será pautada por pistas fornecidas pelos parentes. "Vamos admitir que haja uma ossada da área da 24ª DP. Quando a pessoa próxima do desaparecido for à delegacia, vai contar uma história que fornece características da vítima, como a descrição da roupa que usava no dia do desaparecimento. Esse e outros dados, que estão no cadastro, vão gerar informações que serão relacionadas com o desaparecido. É uma questão de tentativa", conta Kátia.

O termo "desaparecido" enquadra pessoas que sumiram em diferentes circunstâncias. "O desaparecido é uma designação um pouco complicada. Envolve um indivíduo morto e não identificado, uma pessoa que tem interesse em desaparecer e também aquele que está perdido de seus parentes", pondera a diretora, lembrando que, de qualquer forma, a busca é um processo doloroso para a família. "Os familiares têm o desejo de dar um fim à história. Ou encontra o parente morto, ou vivo."

Para cada indigente, a pesquisa deve coletar, em média, DNA de dois parentes relacionados. "O ideal é fazer o exame com pai e mãe. Em segundo plano, seria com os avós e, em último caso, com os irmãos. Ao todo, seriam pelo menos 600 familiares cadastrados para 300 amostras", diz Selma. Atendendo a princípios éticos, o cadastramento dos parentes dos indigentes será voluntário e vai resguardar a identificação do doador. "A coleta do material biológico dos familiares será realizada mediante a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido, de modo a preservar a privacidade dos dados genéticos. Após localizar o desaparecido, os dados de tipagem genética de todos os familiares serão removidos do sistema", ressalta a bióloga.

A técnica de pesquisa envolve o uso de marcadores moleculares, desenvolvidos para traçar e localizar regiões do DNA associadas a determinadas características genotípicas individuais. "Utilizamos como marcadores os STRs autossômicos e os marcadores de linhagem: DNA mitocondrial e STRs do cromossomo Y", diz Selma. "O DNA mitocondrial identifica a linhagem matrilínea, ou seja, os traços genéticos da mãe presentes no material biológico pesquisado. É possível relacionar àquele indigente, não somente a mãe, mas também familiares que partilhem a mesma linhagem matrilínea, como é o caso da avó materna e irmãos."

Já a análise do cromossomo Y identifica indivíduos que partilham a mesma linhagem patrilínea. "Os marcadores de linhagem são utilizados como uma forma inicial de relacionar geneticamente indivíduos, enquanto que por meio da análise dos STRs autossômicos é gerado o perfil genético dos indivíduos, que será acrescentado no banco de dados para busca de vínculo genético", completa.

O IPPGF da Polícia Civil trabalha junto com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "As Polícias Civis hoje têm uma parceria grande com as universidades. Participo do projeto com a professora Rosane Silva, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (UFRJ). Com a universidade, a parceria acontece em termos de desenvolvimento tecnológico, protocolos específicos e colaboração de pesquisadores. Além do corpo pericial, o corpo universitário vem a somar esforços, pensando o projeto na mesma direção", explica Rodrigo Soares de Moura, professor do Instituto de Biologia da UFRJ.

Para Moura, a integração científica e acadêmica com a Polícia Civil vislumbra uma nova forma de perícia. "Pessoas no mundo inteiro estão apostando nessa parceria como o futuro da investigação, que terá uma perícia científica. Mais ciência do que uma prestação de serviços corriqueira, sempre com o auxílio das novas tecnologias. Esses dados, além de contribuírem para a investigação policial, podem resultar em outras pesquisas no âmbito acadêmico", conclui. | Por: Débora Motta/Faperj

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