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18/04/2009 - 11:51

Era uma vez....

Dizem que determinada pequena empresa – PE – resolveu participar de importante concorrência para um grande obra, GO. Com o auxílio de um lobista experimentado, LE – já quase certa do sucesso da empreitada – fez o depósito de um milhão de dólares, requisitados para a habilitação, importância essa que seria devolvida no caso – improvável, de acordo com LE – de não ser declarada vencedora do embate licitatório. A grande empresa – Gr. Emp – nunca roera a corda antes. Disso LE podia se gabar.

O diretor financeiro da estatal Gr.Emp – ia me esquecendo de que se tratava de uma estatal, e na verdade, ser ou não estatal seria irrelevante não houvesse hoje em dia tanta aversão ao neoliberalismo – depositou a importância na conta que mantinha num banco. Estatal, decerto. De posse desse dinheiro, o tesoureiro do banco, transparente como poucos tesoureiros de banco, submeteu ao comitê a sugestão de pagar com esse recurso inesperado a dívida super atrasada ou hiper vencida – como queiram – que o banco tinha com a empresa de manutenção de computadores e de razão social complicada. Com dinheiro na mão, seria tranqüila a dispensa da multa contratual. O cash possui esse efeito em tempos bicudos.

Felizes com o depósito, tão desejado quanto inesperado, os diretores da MANULOCAMICROCOMP – beleza de razão social – hesitaram entre pagar um prêmio aos funcionários ou adquirir novas e potentes máquinas, para poder prestar serviços de melhor qualidade aos seus clientes. Prevaleceu a segunda opção. “O segredo é investir em momentos de crise”, bramiu o CEO da MANU etc. e tal. Para melhorar o moral dos empregados contou pela milésima vez a balela do ideograma chinês que identifica crise com oportunidade. Todos aplaudiram, se bem que ouvidos mais atentos teriam identificado palavras de baixíssimo calão.

Pelo seu notório saber e por não ter a MANU etc. e tal a rigidez de uma estatal, a escolha do fornecedor de servidores levou o tempo necessário a uma votação por acordo de lideranças em certos países emergentes ou nem tanto.

Eis que o milhão de dólares foi parar nas mãos, digo no caixa – viva mais uma vez a transparência – de uma empresa cujo objeto social era justamente fabricar servidores de alto desempenho. “Dinheiro bem-vindo” – exclamou o patrão da empresa de notório saber e dívida de exatamente um milhão com um exportador chinês, que mandava máquinas já montadas com etiquetas “Made in Brazil” em separado. Malditas etiquetas, maldita grafia, mas são ossos do ofício do mercado cinza.

Eis que o milhão de dólares – a repetição do ‘eis que’ foi proposital – atravessa eletronicamente os mares e pousa numa filial de banco chinês, e daí nas mãos do exportador, que de imediato, emprega esse já famoso milhão para resgatar uma debênture de sua emissão – que de acordo com a Moody´s possuía rating ZZZ (em processo de reavaliação para ZZa-, afinal, a recuperação dos mercados financeiros é um fato).

Por uma feliz coincidência, o detentor desse título semi podre era justamente a Gr. Emp, cujo tesoureiro, vítima de alguma antiga ilusão de óptica, ou de uma dose excessiva de coragem, quando da arrojada compra, não hesitou um instante em dar um “fechado” na proposta que, sem mais nem menos, acabava com uma longa série de noites mal dormidas, por causa de um excesso de otimismo e falta de cuidado na aplicação, num passado já nem tão recente assim.

Surge um pequeno problema, totalmente inesperado. Um pouco de paciência.

Sabedor do drama da tesouraria da Gr. Emp, – detentora do tal ativo tóxico – o astuto LE imaginara uma forma de resgate do tal papel podre a partir de uma sofisticada operação envolvendo algum superfaturamento da PE – candidata à grande obra – GO. O valor correspondente ao tal “plus a mais” seria cobrado da PE por uma empresa de fachada, EF – com sede numa gaveta de escrivaninha em *** onde o ISS é bem baixinho – a título de prestação de assessoria para eventos culturais. Depois, de acordo com os grampos habilmente vazados na imprensa, EF compraria serviços de EF1, cliente de EF2 , fechando-se parte do circuito em EFn. EFn compraria serviços de uma “empresa quase séria”, EQS1, cliente de EQS2, sendo que, em função da seriedade crescente nessa cadeia – oops – EQSn poderia já ser considerada uma “empresa séria”, ES. Esquecendo-se, por uma fração de eternidade, da condição de ES – voltando a ser quase séria –, ES adquiriria a famosa debênture podre, pondo fim à já mencionada série de pesadelos do aflito tesoureiro. Como demonstram as leis da Física, nesse trajeto, haveria perdas, destinadas a remunerar os integrantes da tal cadeia – oops, de novo. Possivelmente, alguns tostões imperfeitamente contabilizados financiariam alguma campanha eleitoral. Impossível afirmar. As informações grampogeradas foram mais uma vez incompletas. De qualquer maneira, uma onda de calma indignação se ergueu pouco antes de o esquecimento ou as férias não remuneradas de Mnemósine devolverem a tranquilidade à sociedade.

Qual o pequeno problema, então?

Calma.

Com o “desequilíbrio interno” resolvido, ao anunciar os resultados da concorrência, Gr.Emp surpreendeu LE. Esse pediu desculpas a PE – infeliz segunda colocada, com direito a uma medalha de prata e a um certificado de participação – que recuperou, um tanto desapontada, o valor da garantia, sem nada pagar a um tristonho LE.

Ou seja, o famoso milhão voltou são e salvo, deixando atrás de si uma onda de júbilo, causada pela sua passagem, e à exceção do LE e da cadeia – oops, pela terceira vez – das empresas de seriedade duvidosa, os demais ficaram felizes para sempre. E quanto aos grampos? Bem. Quem disse que são infalíveis?

. Por: Alexandru Solomon, empresário, escritor, é autor de ´Almanaque Anacrônico`, ´Versos Anacrônicos`, ´Apetite Famélico`, ´Mãos Outonais`, ´Sessão da Tarde`, ´Desespero Provisório` , ´Não basta sonhar` e ´Um Triângulo de Bermudas`. (Ed. Totalidade). Confira nas livrarias Cultura, Saraiva, Laselva e Siciliano. | E-mail do autor: [email protected]

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