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30/03/2007 - 08:04

China: NPC reforça discurso de sociedade harmoniosa e define metas para 2007

Entre muitos discursos, importantes mudanças legislativas e algumas novas políticas, a 5ª Assembléia do 10º Congresso Nacional do Povo (NPC, na sigla em inglês) encerrou-se, em 17 de março, apresentando um retrato fidedigno dos principais desafios socioeconômicos que a China enfrenta. De um lado, por meio das reformas econômicas, buscou atender às pressões da classe média emergente (via Lei de Propriedade) e do empresariado nacional (via reforma tributária). De outro, fez um esforço retórico para compor, com esse cenário, a “sociedade harmoniosa” prometida pelo presidente Hu Jintao desde sua posse, na qual o desenvolvimento chinês respeitaria o meio ambiente e combateria as crescentes desigualdades, em especial na zona rural.

Durante 12 dias, cerca de 3 mil delegados do NPC reuniram-se, em Pequim, no encontro anual do Poder Legislativo chinês (ao contrário de parlamentos ocidentais, o NPC reúne-se uma única vez ao ano) a fim de revisar os relatórios anuais do primeiro-ministro, do Ministério das Finanças, da Auditoria Geral, do Judiciário e da Procuradoria Geral da China. Formalmente, este é o mais alto órgão de poder da China. Na prática, os verdadeiros órgãos de decisão fazem parte do Partido Comunista, em especial o Politburo (bureau político) e seu comitê permanente. O NPC termina sendo um órgão que ratifica decisões tomadas previamente pelo Partido. Mas seu papel é importante, tanto por seus debates explicitarem controversas políticas em curso no governo chinês, quanto por ser sua função aprovar novas leis e políticas relevantes. Concomitante à reunião do NPC, o Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo da China organizou o seu encontro anual de membros do Partido Comunista, demais minorias partidárias e representantes de minorias étnicas.

Quatro anos de crescimento acima de 10% demonstraram ser grande motivo de preocupação para o governo chinês no início de março. A desigualdade provocada pelo crescimento acelerado e o conseqüente descontentamento da população com a disparidade de renda foram exaustivamente retratados durante as sessões.

Todas as sessões do NPC são claramente marcadas por uma linha de discursos que norteia os trabalhos legislativos. Em 2004, a lei anti-secessão de Taiwan atraiu o foco das atenções. No ano seguinte, o 11º Programa Qüinqüenal, principal instrumento formal de apresentação de políticas públicas na China, reforçou as condições gerais para a condução macroeconômica do país e estabeleceu diretrizes e planejamento para os cinco anos seguintes. Em 2007, as propostas de lei de propriedade privada e de isonomia tributária instigaram grande interesse da imprensa internacional – qual seria o futuro da economia socialista de mercado chinesa?

Nos últimos anos, o NPC gradativamente ganhou relativa assertividade, em particular nas legislações envolvendo falência corporativa e valores mobiliários. Apesar da significativa aprovação da lei de propriedade privada e da reforma tributária, o último encontro do Parlamento não escapou de ser reprise da retórica das sessões anteriores. A balança entre capitalismo e socialismo na China equilibra-se na prática, porém os discursos continuam a exaltar o desenvolvimento da China como “sociedade harmoniosa”, incorporando igualmente a diversidade de etnias do país.

Na abertura das atividades do Parlamento, o primeiro-ministro Wen Jiabao mais uma vez citou a busca da harmonia na sociedade chinesa, tema que esteve presente na reunião do NPC de 2006. Foram abordados no encontro proposta de lei de propriedade privada, reforma tributária, novo órgão governamental para a administração das reservas internacionais, desequilíbrio regional e desigualdade social, proteção ao meio ambiente, tratamento das forças armadas chinesas e mecanismos para tornar o crescimento da economia mais saudável.

Propriedade privada – Após ter sido retirada da pauta da reunião realizada no ano passado, o Congresso aprovou a legislação sobre propriedade privada, que garantirá direitos iguais à propriedade estatal coletiva e privada na China. A nova lei, um marco no sistema jurídico do país, terá efeitos limitados no campo e, na prática, alivia somente inquietações de empresários e da classe média emergente chinesa, ansiosos para protegerem seus bens.

A China, apesar de ainda esforçar-se para manter imagem de país socialista, passa a adotar o mais importante princípio do sistema capitalista, o reconhecimento da propriedade privada. No entanto, quando entrar em vigor em 1º de outubro de 2007, poucas modificações serão observadas na prática. Na zona urbana, donos de imóveis deixarão de negociar títulos de concessão de uso e passarão a comprar e vender títulos de propriedade. Vale lembrar que, desde 2004, a constituição chinesa já protegia o direito de uso da propriedade privada no país.

Já no campo, a lei limita-se a reafirmar que camponeses que tiverem suas terras confiscadas em prol da realização de projetos para o bem coletivo devem ser indenizados, dessa vez, com base nos preços vigentes no mercado. A propriedade rural conserva-se, portanto, como bem estatal, e não se soluciona o sentimento de insegurança no campo (leia mais no artigo especial de Isabela Nogueira).

É possível imaginar que um dos motivos pelo qual a propriedade privada não foi plenamente aplicada no campo seja o receio dos governantes de que ocorra concentração de terras rurais por parte de investidores estrangeiros. Reforma reduz vantagens tributárias – A nova legislação visa a unificar o sistema tributário a fim de eliminar políticas de tratamento preferencial concedidas, sobretudo, a empresas estrangeiras. A nova lei também evitará que empresas domésticas se beneficiem da diferença média de 10 pontos percentuais existente entre tributos sobre empresas estrangeiras e nacionais, via transferência de seus rendimentos para o exterior para então reinvestir no país. De acordo com o governo chinês, a reforma permitirá ao sistema tributário adequar-se às mudanças econômicas e sociais ocorridas no país nos últimos anos por meio da competição mais justa.

Com base na legislação anterior, a alíquota nominal de imposto de renda para pessoa jurídica era de 33%. Contudo, a alíquota do imposto de renda sobre empresas estrangeiras estabelecidas em zonas especiais poderiam variar de 24% a 15%, enquanto a alíquota sobre os rendimentos de empresas nacionais pouco lucrativas, entre 27% e 18%. A média da alíquota sobre rendimentos de empresas nacionais era de 25%, ao passo que sobre empresas estrangeiras eram, em média, de 15%.

A nova legislação, em vigor a partir de 1º de janeiro de 2008, estabelece alíquota nominal de imposto de renda para pessoa jurídica em 25% e diminui o número de benefícios concedidos conforme origem das empresas e setor receptor dos investimentos. A lei também prevê tributos reduzidos para empresas relacionadas ao setor de tecnologia, assim como para investidores dos setores de energia, conservação ambiental e segurança no trabalho. Estará abolida a política de redução e isenção de tributos para empresas estrangeiras instaladas na China cuja produção destina-se ao mercado interno ou externo.

A reforma tributária beneficiará em especial as companhias chinesas de grande porte, como bancos, empresas de telecomunicações e petrolíferas, não incluídas entre as empresas domésticas beneficiadas pela legislação anterior.

A fim de amenizar o impacto imediato da reforma, empresas que antes desfrutavam do regime tributário preferencial terão, sob aprovação prévia do governo, aumento gradual de seus encargos durante os próximos cinco anos. De acordo com o governo, a elevação da carga média do imposto de renda não fará da China um país menos atrativo aos investidores estrangeiros, uma vez que a média mundial do imposto sobre os rendimentos de empresas estrangeiras é de 28,6% e, nos países vizinhos à China, de 26,7%.

Administração de reservas – A fim de garantir maior lucratividade às suas reservas internacionais, o governo chinês anunciou que será criada nova agência para gerir os mais de US$ 1,070 trilhão acumulados até agora. O novo órgão, que será o maior fundo público de investimentos da Ásia, é uma resposta à necessidade de diversificação das reservas em moeda estrangeira da China. Segundo estimativas não oficiais, cerca de 75% do montante acumulado está lastreado em dólar, notadamente por aplicações em títulos do Tesouro norte-americano.

Detalhes sobre a forma de administração do fundo não foram divulgados, tampouco informações sobre o volume de reservas que passará a ser de responsabilidade do órgão recém-criado. O primeiro-ministro Wen Jiabao apenas anunciou que a agência será independente dos ministérios já existentes e estará vinculada diretamente ao Conselho de Estado.

A expectativa é de que parte das reservas seja destinada à aquisição de recursos naturais estratégicos – sob a forma de investimentos no exterior – a fim de atender à crescente demanda chinesa por matérias-primas, principalmente para o setor energético. É possível que a parcela dos fundos seja utilizada na constituição de um sistema nacional de previdência social. Contudo, além da ausência de informações oficiais, o projeto ainda não tem data para implementação. Metas para o meio ambiente não são alcançadas – A rápida transformação da China de um país de base econômica agrícola para uma plataforma produtiva mundial alterou, de forma substancial, os índices chineses de poluição e consumo de energia. As metas anuais estabelecidas pelo governo de redução de emissão de poluentes, bem como de conservação energética, não foram alcançadas em 2006.

Embora o consumo de energia por unidade do PIB tenha sofrido redução de 1,2% em 2006, a redução manteve-se significativamente abaixo dos 4% definidos pelo governo. No mesmo período, a China também reduziu o volume de gases nocivos emitidos, mas novamente em volume inferior à meta de 2%. Para 2007, foram mantidos os mesmos índices e alguns benefícios fiscais para as indústrias que apresentarem maior eficiência energética e redução de poluentes. Como justificativa para a dificuldade de se alcançar os valores pretendidos, Wen Jiabao apontou o descaso de autoridades locais como um dos principais obstáculos à legislação ambiental e à eficiência energética, uma vez que, a fim de aumentar suas receitas por meio de arrecadação de impostos, buscam atrair investimentos e novas indústrias para as regiões que administram. O pequeno comprometimento do empresariado e os custos relacionados à adaptação de mecanismos produtivos também foram citados.

Mais uma vez, não foram dados sinais claros de que a China pretende comprometer seu crescimento para conter a degradação do meio ambiente, bem como não há um conjunto de medidas que indique que a meta de redução do consumo de energia será alcançada. A reunião do NPC foi cercada de grande retórica em torno destas duas pautas.

Política nos bastidores – O encontro foi breve e a agenda ampla, porém o discurso do governo central manteve a população como foco principal. O resultado substancial da assembléia, a nova lei de propriedade, teve como alvo acalmar as constantes inquietações do campo, ainda que na prática sirva apenas para reafirmar à classe média chinesa que seus direitos de propriedade privada serão reconhecidos.

Além da discussão dos efeitos práticos da última sessão do NPC está o teste crucial da autoridade do presidente Hu Jintao e seu aliado Wen Jiabao. A assembléia trouxe à tona a luta interna de Hu Jintao na consolidação de suas políticas, uma vez que o presidente já havia introduzido o tema da propriedade privada para discussão e, em 2006, a proposta foi retirada da agenda sob pressão da ala mais conservadora do partido. O discurso de manutenção de uma “sociedade harmoniosa” e a instauração de modelo de crescimento mais sustentável estiveram onipresentes desde a chegada de Hu Jintao à presidência, e foi, mais uma vez, a tônica central da reunião do NPC em 2007.

Isto acontece de maneira a afirmar que o mandato do presidente atual não será caracterizado por abertura incondicional da China ao Ocidente – uma clara distinção ao governo de Jiang Zemin. O sucesso dos trabalhos da 5ª reunião do 10º NPC será verificado no último trimestre do ano, quando o Partido Comunista realizará seu 17º Congresso. Caso o governo central saiba controlar os efeitos gerados pelos escândalos de corrupção, o crescimento desenfreado e as reações populares, conforme prometido pelo Parlamento, Hu Jintao terá maior poder de barganha dentro de um Partido Comunista que ainda oscila entre o socialismo de mercado e o capitalismo planificado.

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