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30/03/2007 - 08:05

O programa espacial da China

A mídia mundial dá muito pouco espaço ao programa espacial da China. Em boa parte, isso se deve aos próprios chineses, que divulgam com muita parcimônia suas realizações na matéria. Talvez preocupados com salvar a face, no caso de insucesso; talvez para não alarmar outros países, os chineses tendem a anunciar seus feitos espaciais quando já estão concluídos com êxito. Insistem, por outro lado, em que não se querem envolver com algum tipo de corrida espacial.

Mas o fato é que, desde 1992, está em marcha, de forma sistemática e coerente, um novo programa chinês de exploração do espaço. Novo, porque já tinha havido um outro programa na época de Mao Zedong, abandonado em 1972, por falta de verbas e discordâncias políticas no quadro da Revolução Cultural.

Em séculos passados, cabe lembrar, houve intensa atividade, na China, em torno de foguetes. Afinal, como todos sabemos, foram os chineses que descobriram a pólvora. Só que, numa reação cultural típica, eles não tinham visto possibilidades industriais ou militares na descoberta. Pensaram nela para alegria e festa, e inventaram os fogos de artifícios.

Foi só em 1956 que o cientista Tsien Hsue-shen (Qian Xuesen, numa outra transliteração) logrou convencer Mao Zedong a criar o Centro de Pesquisas Médicas de Vôos Espaciais, pondo em marcha o programa de lançamento dos satélites Dong Fang Hong (O Oriente é Vermelho). A história desse cientista é rocambolesca. Bolsista na Universidade da Califórnia, nos anos 1930, ele se tornaria o aluno mais brilhante e, depois, o assessor mais próximo de Theodore von Kármán, o respeitado elaborador da matemática na raiz do programa de mísseis dos EUA. Os dois foram mandados à Alemanha, envergando uniformes de oficiais superiores do Exército americano, com a missão de debrief o famoso Wernher von Braun, construtor do sistema de mísseis alemão. Tsien foi mais tarde deportado dos EUA, acusado pelos maccarthistas de simpatias comunistas.

Ele levou consigo tudo o que aprendera nos vinte anos de estudos e trabalho sob a direção de von Kármán, e mais o que os dois tinham podido extrair de von Braun. De onde se pode concluir que há muitos pontos em comum nos fundamentos teóricos dos programas de mísseis dos EUA e da China.

A vida e a obra de Tsien estão bem reconstituídas no livro Thread of the Silkworm, de Íris Chang (New York: Basic Books, 1995).

O primeiro programa espacial da RPC veio a ser abandonado, conforme já observei. O atual, Programa Shenzhou, teve início em 1992, já na era das reformas de Deng Xiaoping e, a partir de 1999, começaram os chineses a enviar naves ao espaço, algumas delas levando cobaias animais e vegetais, até a colocação em órbita, a 15 de outubro de 2003, de um primeiro taikonauta, Yang Liwei. Em 12 de outubro de 2005, realizou-se um segundo vôo tripulado, desta vez com dois taikonautas. Para setembro de 2008, estão previstos um vôo com três tripulantes e o primeiro passeio chinês no espaço. Seguir-se-ão vôos não tripulados, destinados à gradativa montagem da estação orbital chinesa. Por volta de 2020, cogita-se de missão tripulada à Lua, e já desde 2014, o início de um ambicioso projeto direcionado para o planeta Marte. A China dispõe, hoje, de conhecimentos técnicos e pessoal treinado, além de dinheiro, suficientes para lhe dar a posição de rival distante dos EUA na conquista pacífica do espaço, situação captada no conhecido filme “Uma Odisséia no Espaço – II”. A Rússia perdeu velocidade e o Japão não conseguiu dar a partida.

Em dois períodos, na década dos 1950 sob Mao Zedong e na virada do século, receberam os chineses ajuda russa em áreas técnicas específicas do programa espacial. Mas é incorreto ver a nave Shenzhou como pura cópia da russa Soyuz. Brian Harvey, que tem uma abalizada obra: The Chinese Space Programme: From Conception to Future Capabilities (John Wiley & Sons, 1998), contesta isso vivamente: “Uma tal opinião” – diz ele – “reflete a noção ocidental de que os chineses não serão capazes de dominar esse tipo de tecnologia. Eu acho mais válido examinar a maneira como os chineses vêm edificando o seu programa, através dos anos. Devagar, com paciência e cuidado, de forma disciplinada, escolhendo bem as suas fontes no exterior, tomando emprestado de várias delas, mas até um certo ponto, apenas.”

Outro livro digno de consulta é: The Chinese Space Program: A Mystery within a Maze (Malabar, Fla: Krieger, 1998), de Joan Johnson-Freese, que na época dirigia o Departamento de Tomadas de Decisão na Área da Segurança Nacional, do Colégio de Guerra Naval, dos EUA. A Professora Johnson-Freese estabelece um paralelo entre as conquistas efetivas e potenciais trazidas para os EUA e a China pelos respectivos programas espaciais, enfatizando os aspectos de prestígio internacional e mobilização de apoio público doméstico. Os benefícios econômicos que os EUA retiraram do programa Apolo (colocação de homens na Lua) foram imensos. A educação e o treinamento direto dos cientistas e engenheiros ligados a esse programa produziram uma geração de pessoal técnico altamente preparado. Programas e cursos foram criados nos institutos e universidades para atender às novas especializações criadas pela era aeroespacial. Igualmente na China, as universidades de ponta estão se envolvendo nessas matérias, e o interesse dos estudantes por tudo o que diz respeito ao espaço está explodindo. Em 1999, o Governo de Pequim criou a CASC (China Aerospace Science and Technology Corporation), no topo de uma pirâmide com mais de 130 organizações, inclusive cinco importantes academias de pesquisas e duas grandes firmas de pesquisa e manufatura: a Sichuan Space Industry Corporation e a Xian Space.

Science and Technology Industry Corporation. A CASC emprega cerca de 110 mil pessoas, das quais mais de 40 mil representam o pessoal técnico, incluindo 1.300 pesquisadores e 21 acadêmicos cooptados da Academia Chinesa de Ciências e da Academia Chinesa de Engenharia. Um Livro Branco, publicado em 2000 pelo Escritório de Informação do Conselho de Estado, apresentou o programa espacial como parte integrante da estratégia abrangente de desenvolvimento da China, capaz por si só de elevar os níveis de realização em áreas como computação, novos materiais, tecnologias manufatureiras, equipamentos eletrônicos, sistemas de integração e teste. Atenção é também chamada para as possibilidades de duplo uso (civil e militar) dos projetos espaciais.

Na verdade, apesar da supervisão exercida pela CASC, são os militares e especificamente o Segundo Corpo de Artilharia que controlam o programa espacial chinês. Embora esforços sejam feitos para separar dos aspectos militares as atividades civis e comerciais, são os militares que mantêm o poder decisório final no que diz respeito aos programas de vôos tripulados e lançamento de satélites. O feito mais recente dos chineses no terreno espacial foi justamente de tipo militar. Em meados de janeiro de 2007, a China realizou com sucesso seu primeiro teste de uma arma anti-satélite, destruindo um velho satélite chinês de meteorologia com um tiro de míssil. Tanto os EUA quanto a antiga URSS haviam feito testes semelhantes, mas há vinte anos, e como observou Jonathan McDowell, um astrônomo de Harvard que monitora lançamentos de foguetes e atividade espacial: a China pôs fim a um longo período de contenção. O satélite destruído pelo míssil chinês estava a cerca de 800 quilômetros da Terra, o que em tese significa estar agora a China capacitada para atingir satélites espiões americanos, cuja órbita fica a menor distância do planeta. Os círculos anglosaxões ligados à defesa espacial acusaram o golpe, e muito se especulou em torno de se a China estava lançando um novo tipo de corrida armamentista ou, alternativamente, uma ofensiva diplomática para forçar Washington a iniciar negociações para o banimento das armas antimísseis.

Em 19.01.07, um comunicado oficial chinês procurou tranqüilizar o mundo, afirmando que seu teste não representava ameaça para os restantes dos países. Mas é difícil ver o teste fora do contexto de uma crescente capacitação chinesa de manter em cheque as atividades de espionagem espacial americana. Não faltou quem relembrasse o episódio de 2001, quando a aviação chinesa forçou a aterrissagem de um avião espião dos EUA e revirou seus equipamentos eletrônicos.

Finalmente, para encerrar estas anotações, cumpre mencionar a parceria sinobrasileira para a construção e lançamento de satélites de sensoriamento remoto. Dois satélites, conhecidos sob a sigla inglesa de CBERS, já foram lançados, mas o CBER-2 já ultrapassou sua vida útil, e estão avançados os trabalhos para o lançamento do CBER-3, possivelmente em setembro de 2009.

. Por Amaury Porto de Oliveira, diplomata de carreira, aposentado após servir durante 45 anos.Seu último posto na carreira diplomática foi como embaixador em Cingapura (1987-1990). É associado ao Instituto de Estudos Avançados (IEA) e ao Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (GACINT), na Universidade de São Paulo. É também membro do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI), em São Paulo. Mantém-se ativo como conferencista e ensaísta nos assuntos asiáticos, com ênfase em China. / CEBC

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