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Gringo ao avesso

Como americano no Brasil, às vezes sinto, quando olho para o meu país (ou para cima, já que agora é do sul para o norte), que estou enxergando através de uma perspectiva torta. Do Brasil, vejo o meu país com outros olhos, e também vejo que às vezes é mais o ângulo do olhar, e não a posição do objeto, que dá a perspectiva.

Refleti nisso no dia em que um jovem brasileiro, em idade de talvez estar na faculdade, comentou comigo, quando soube que sou americano, “Ah, lá que é bom, aqui não presta.” Estou acostumado a responder a perguntas sobre os Estados Unidos, e de ouvir elogios e até críticas a respeito. Mas este jovem me levou a perguntar a mim mesmo, porque é que os Estados Unidos parecem tão diferentes quando vistos de fora?

Perguntei ao jovem se ele já conhecia, se talvez já tivesse feito um passeio.

“Não, mas já li muito sobre os Estados Unidos. Sei que lá é muito bom, que é lá que as coisas funcionam. Quero ir embora do Brasil, ir pra lá.”

Temos um ditado, “The grass is always greener on the other side of the fence” (a grama do vizinho é sempre mais verde.) Sem dúvida é um sentimento universal. Mesmo quando se atravessa a cerca para pisar na grama do vizinho, ela continua parecendo mais verde.

Na Flórida, o meu estado, muitas vezes quando olhei para baixo do 11º. andar do prédio onde trabalhava e vi aquela paisagem toda verde e ensolarada, com palmeiras, iates e mansões nos canais e ruas nobres, pensei comigo que parece mesmo o paraíso. Como defensor público, eu sabia bem da outra realidade das ruas pobres que também vi lá embaixo, poucas quadras atrás dos canais e mansões. Mas posso imaginar como alguém de fora enxergaria aquela paisagem como um mundo perfeito. É igual para o estrangeiro que vem ao Brasil: tudo verde, povo alegre, Carnaval, Garota de Ipanema, terra abençoada, etc. Quem mora no Brasil sabe que tudo não é bem assim, mas o turista nem quer saber, quer acreditar no cartão postal.

Os Estados Unidos também vendem muitos cartões postais, a Flórida até mais do que os outros estados. Não é à toa, pois o turismo é a maior indústria da Flórida. Tem Disney e os outros parques de diversões de Orlando, shoppings cheios de bens de consumo, Miami Beach, vida noturna com sabor latino, e muitas outras atrações do gênero. Com certeza este é o mundo que aquele jovem brasileiro acha que está lhe esperando lá. Mas para os americanos menos afortunados (e são muitos mais do que o estrangeiro imagina), que ralam todo o dia para sobreviver, tudo aquilo não passa do mundo de fantasia do Mickey.

Não quero mudar a idéia que muitos brasileiros, como aquele jovem, têm do seu próprio país, mas talvez mudar a idéia que eles têm do meu. E não quero só falar mal para mostrar que lá também tudo é ruim. Porque não é. Existem grandes problemas no meu país, problemas que nem se imagina no Brasil, mas também há muitas coisas boas, coisas que merecem ser admiradas e respeitadas. Estas coisas não são Hollywood, Disney ou shoppings. São coisas menos palpáveis, como a seriedade na vida pública, o respeito para a lei e a garra das pessoas. E não vamos esquecer da beleza física, das montanhas, das praias e, sim, de algumas das cidades. Se puder, eu gostaria de mostrar aos brasileiros a realidade dos Estados Unidos que, olhando do Brasil, parece estar escondida.

Uma observação profunda atribuída a Edmund Burke, filósofo do século 18, e já adotada por Amyr Klink e muitos outros dos nossos tempos, é mais ou menos assim: “Precisamos aprender a enxergar o mundo como ele é. E não como imaginamos que devia ser”. Se eu ajudar alguém a enxergar melhor a minha parte do mundo, vou ficar satisfeito.

Allen Jordan é defensor público aposentado. Hoje, vive entre a Flórida e São Paulo. Faça parte do Movimento pela Despocotização do Brasil, leia a seção “Iscas Intelectuais” em www.lucianopires.com.br.

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