Página Inicial
PORTAL MÍDIA KIT BOLETIM TV FATOR BRASIL PageRank
Busca: OK
CANAIS

11/04/2007 - 08:18

Inovação: todo o errado

Tecnologia e inovação na China tornaram-se fetiches para os líderes do país, e um bicho-papão para nacionalistas econômicos no Ocidente. A premissa sobre a estratégia científica e tecnológica nos próximos 15 anos, lançada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia no ano passado, é a de que o país permanece preso à parte baixa da cadeia produtiva global porque não possui suas próprias “tecnologias genuínas”. A solução é instituir um programa governamental que estimule o zizhu chuangxin, expressão oficialmente traduzida como “inovação independente”, mas talvez melhor definida por “inovação própria”. Nesta visão, a China somente pode tornar-se rica e poderosa se criar tecnologia própria, que possa ser vendida a terceiros.

Enquanto isso, no exterior, entusiastas ofegantes e críticos delirantes, respectivamente, especulam e menosprezam a suposta emersão do país como “superpotência tecnológica”, o que desafia não só fatos óbvios da China de hoje como também vastas evidências históricas de desenvolvimento em outros países. Lugar de honra nesse rol pertence a Clyde Prestowitz, antiga autoridade da administração Reagan e incompreensivelmente um proeminente pensador de Washington, que passou os anos 80 anunciando que os Estados Unidos estavam fadados ao empobrecimento imposto por um todo poderoso Japão, munido de tecnologia superior e taxa de câmbio subvalorizada. Não tendo, aparentemente, aprendido nada naquele espetacular erro de julgamento, o Sr. Prestowitz agora insiste que os Estados Unidos estão fadados ao empobrecimento imposto pela toda poderosa China, munida de tecnologia rapidamente ascendente, cerca de um bilhão de PhDs e, naturalmente, taxa de câmbio subvalorizada.

Quatro nobres verdades - Tanto fantasias ocidentais e chinesas constituem-se por um emaranhado de equívocos sobre como tecnologia e inovação atuam na economia moderna. A idéia errada mais básica é a de que a única coisa que importa é a produção de tecnologia.

Essa inclinação ao lado da produção é uma velha constante de planejadores e dirigentes estatais, tanto mandarins do Ministério da Indústria e Comércio do Japão e da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China, como vendedores de nacionalismo tecnológico, como o Sr. Prestowitz. A razão é óbvia: o Estado pode controlar e direcionar a produção (ou pelo menos pensa que pode), enquanto o consumo é incontrolável. Na verdade, porém, a capacidade de consumir é economicamente mais poderosa do que a capacidade de produzir e, no fim das contas, são os padrões de consumo que orientam a capacidade de inovação e desenvolvimento tecnológico.

Partindo dessa premissa, eis aqui quatro maneiras melhores para se pensar em tecnologia e inovação na China, exploradas em detalhes: 1. O mais importante sobre inovação é o excedente econômico gerado por ela, e não quem a produz;

2. O mais interessante sobre tecnologia na China não é o quão rápido se dão as inovações, mas o quão rápido se dá sua difusão;

3. Muito em inovação já é feito na China – exceto na atraente indústria high-tech, que encanta governantes chineses e imprensa global;

4. Futuras inovações na China, assim como ocorre nos Estados Unidos de hoje, serão guiadas não por aspirações abstratas de produtores, mas por demanda concreta de consumidores.

O que importa: excedente econômico criado, não quem produz desde aproximadamente a descoberta do fogo, a maior parte do excedente gerado pela tecnologia tem sido acumulada não por seus inventores, mas por aqueles que aprendem a usá-la de maneira mais efetiva. O automóvel foi inventado na Alemanha, fabricado em massa pela primeira vez nos Estados Unidos, e é agora produzido de maneira mais eficiente por empresas japonesas. O excedente econômico total gerado pelos automóveis, entretanto, deriva primordialmente de seu uso: bens podem ser distribuídos de forma mais eficiente, populações podem dispersar-se por áreas mais amplas, o que requer a criação de maior infra-estrutura, serviços, e assim por diante. Tais efeitos são de difícil mensuração, mas provavelmente enormes: algumas estimativas bem sérias sugerem que cerca de 97% do excedente econômico gerado pela tecnologia da informação são apropriados por seus usuários, e apenas cerca de 3% vai para seus produtores. Os Estados Unidos continuarão a beneficiar-se do impacto econômico dos automóveis, mesmo se (como agora parece possível) General Motors e Ford forem ambas para o brejo. Durante um quarto de século nenhum americano criou um sistema televisivo, porém programações de televisão e serviços dela derivados (notadamente a propaganda) estão entre as maiores indústrias do país.

Esse ponto é elementar, mas ainda sistematicamente ignorado por nacionalistas econômicos de todos os tipos, convencidos de que a única coisa que importa é a produção de um grupo limitado e facilmente identificável de bens de capital. A ênfase sobre o “controle de tecnologias genuínas” é em essência não muito diferente da mania por aço de Mao Zedong, que levou a China à fome e à beira da ruína ao fim da década de 50 e início da década de 60. Felizmente para o país, Deng Xiaoping não era tão ignorante. Provavelmente, seu maior acerto ao lançar as reformas econômicas em 1979 foi insistir não somente no gaige (reforma) como também no kaifang (abertura). Deng entendeu que, para desenvolver-se, a China precisava rapidamente difundir bastante tecnologia importada. Graças em parte a essa decisão, a chave do desempenho chinês, desde 1979, tem sido não a inovação tecnológica, mas a difusão tecnológica. O princípio básico da atividade econômica tem sido importar tecnologia de forma barata (por roubo, se preciso), e então produzi-la pelo menor custo possível para o maior número possível de pessoas. Essa é a razão pela qual a China possui taxa de penetração para a maioria dos bens de consumo duráveis (e serviços dependentes de tecnologia, como o uso de internet) substancialmente mais alta do que na maioria dos países com nível de renda comparável.

A solução da difusão -O campo mais notório onde tal política colheu frutos é o das telecomunicações. Entre 1990 e 2005, o número de usuários de telefones celular saltou de zero para cerca de 400 milhões. No mesmo período, a Índia chegou a 60 milhões. O impacto econômico de linhas telefônicas adicionais é, entre os investimentos em infraestrutura, o mais economicamente produtivo, e exerce influência muito maior no crescimento econômico do que estradas e eletricidade. Muito da difusão tecnológica na China, naturalmente, ocorreu através de roubo de propriedade intelectual. A pobre proteção ao direito de propriedade intelectual é amplamente reconhecida como obstáculo à inovação no país, já que inovadores têm a percepção de que é quase impossível auferir recompensa financeira por suas inovações.

Mas isso é mesmo verdade? É verdade apenas se alguém enxergar o mundo através de lentes muito estreitas e assumir que o processo que ocorre no Vale do Silício é a única realidade em inovação. Um olhar mais profundo sugere que a realidade é muito mais complexa e interessante do que isso. Uma quantidade enorme de processos de inovação em pequena escala ocorre todos os dias na China, geralmente em discretas indústrias de base, que geralmente não ocupam a primeira página do Wall Street Journal. A proteção à propriedade intelectual tem pouco a ver com isso, e, na verdade, os processos de difusão e inovação estão fortemente interligados. Inovação não-óbvia

Exemplo de inovação ao estilo chinês está na indústria de magnésio, e foi observado de forma brilhante pela Urandile Investiments, escritório de pesquisa independente. Em meados da década de 90, um produtor de magnésio (usado basicamente como liga de partes mecânicas) baseado em Nanjing viu-se à frente de duas tecnologias de produção: um processo eletrolítico moderno e de alto custo; e um processo térmico mais antigo, mais barato e menos eficiente em energia. A empresa escolheu o processo térmico, não apenas por seu custo, como também porque as demandas do processo eletrolítico por fornecimento de eletricidade e por força de trabalho Gastos chineses em P&D, por tipo qualificada pareceram assombrosas. Uma velha planta japonesa foi então adquirida e remontada em Nanjing, com a ajuda de engenheiros japoneses que ainda ensinaram aos chineses como operá-la. Rapidamente, concorrentes aprenderam a construir plantas similares e houve um período de capacidade largamente ampliada, competição predatória e preços menores do que nunca.

As empresas constantemente aperfeiçoavam seu processo produtivo para conseguirem algum lucro extra. Simplificou-se o desenho das fornalhas (reduzindo custos de construção), aprendeu-se como reposicionar e revestir os destiladores nos quais o magnésio se precipita (aumentando a eficiência energética), e começou-se a reciclar calor desperdiçado. Graças à falta de proteção a patentes, a maior parte dessas melhorias disseminou-se rapidamente entre a concorrência. Como resultado, a eficiência do processo melhorou dramaticamente: o uso de minério e eletricidade foi reduzido em 35-40% por unidade de produção; e o uso de carvão caiu cerca de 60%. A vida média dos destiladores aumentou em dois terços. Os custos chineses tornaram-se os mais baixos do mundo, a produção quintuplicou entre 1996 e 2005, e o país moveu-se da posição de ator pequeno para a de produtor de 80% do magnésio global. Apesar da ausência de direito de monopólio sobre a propriedade intelectual dos inovadores, produtores menos eficientes foram brutalmente eliminados, e a indústria consolidou-se. O número de produtores chineses foi reduzido em dois terços. Aqueles que permaneceram evoluem constantemente para atividades mais complexas, como a produção de partes automotivas fabricadas com magnésio.

Multiplique essa história por mais ou menos um milhão, e você terá a China de hoje: um país que sistematicamente adota e aperfeiçoa tecnologia importada; e explora sua economia de escala única para proferir lucro em operações que, em qualquer outro lugar, simplesmente não encontrariam eficiência em custo. Esse tipo de inovação não coleciona manchetes e não ganhará nenhum prêmio Nobel, mas gera enorme crescimento na produção e no nível de emprego. Os vencedores do processo, além disso, não estão “aprisionados” ao fundo da cadeia global de alimentos, mas sim movendo-se rapidamente para cima.

O futuro nas mãos dos consumidores - Olhando para frente, a inovação chinesa irá se desenvolver nas bases da vantagem comparativa, e não artificialmente como resultado de programas de subsídio governamental, guiados por fantasias inúteis de líderes políticos. Uma política governamental sensível de inovação focaria na criação de infra-estrutura (não somente física como também financeira, na forma de mercados de capitais mais eficientes) que permitisse que se consiga potenciais vantagens comparativas ao se inovar. Isso vem sendo feito, não apenas sob o cartaz de “inovação”. Por outro lado, inundar com recursos públicos projetos como a criação de semicondutores “chineses” apenas propicia grandes incentivos a fraudes e roubos.

Hoje, a China é capaz de sustentar economias de escala na produção, mas não no consumo. Sendo a inovação guiada pelas necessidades dos consumidores e não pelos desejos dos produtores, aqueles capazes de tirar máxima vantagem nesse ambiente são empresas com excelente técnica de produção e design, e acesso imediato a grandes mercados consumidores nos Estados Unidos, Europa e Japão, mas cujos mercados domésticos não os permitam máxima economia de escala na produção. Em outras palavras, Taiwan e Coréia do Sul apresentam-se como grandes beneficiadas da capacidade de inovação chinesa.

Mais a frente na estrada, entretanto, a China começará a criar reais economias de escala em consumo, e sua ampla gama de consumidores começará a orientar a inovação da mesma maneira que o consumidor americano faz agora. A escala será menor, pois consumidores chineses serão, em média, bem mais pobres do que os americanos. Entretanto, é razoável esperar que, em uma década, a China comece a ser o primeiro mercado do mundo para uma grande variedade de bens de consumo. Quando consumidores chineses começarem a consumir em larga escala não somente os produtos mais baratos, como também produtos de médio e alto valor, a inovação aparecerá para suprir a demanda. Não será simplesmente um playground para multinacionais, e muitas menores e ágeis empresas locais, com conhecimento muito mais detalhado do mercado local, emergirão para o desafio. Contudo elas não ficarão devendo agradecimento a políticas governamentais para inovação.

. Por: Arthur Kroeber, editor-chefe da China Economist Quarterly/CEBC

Enviar Imprimir


© Copyright 2006 - 2024 Fator Brasil. Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Tribeira