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27/06/2009 - 10:27

Da extinção da previdência dos advogados no IPESP

A Carteira de Previdência dos advogados foi criada em 1959 pelo governo do Estado de São Paulo para ser mantida pelas contribuições dos segurados e pelas taxas judiciais recolhidas nos processos. Entretanto, em 2003, a Lei Estadual n. 11.608 acabou com o repasse de 17,5% das taxas da Justiça à carteira – equivalente a 85% de sua fonte de custeio – o que levou a Carteira a caminho do déficit. A Emenda Constitucional n. 45/04, chamada Reforma do Judiciário, piorou a situação ao proclamar que o Judiciário é o único destinatário legítimo das custas judiciais recolhidas.

Como se não bastassem os problemas de liquidez, em 2007, a carteira perdeu ainda seu administrador, o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo - IPESP. A Lei Complementar n. 1.010/07 determinou a extinção do instituto e sua substituição pela São Paulo Previdência (SPPrev). Porém, a norma não atribuiu à sucessora a gerência da carteira, colocando os advogados aposentados e os que ainda contribuíam numa contagem regressiva para a perda dos benefícios a que tinham direito. A data marcada na lei vigente para o fim do IPESP era o dia 1º de junho, quando vence o prazo de dois anos para que a SPPrev seja implantada.

O projeto de lei que reformulou o IPESP prevê que a Carteira passará a ser administrada por um liquidante, que será designado pelo governador do Estado, escolhido entre os entes da administração indireta. No entanto, essa indefinição quanto ao administrador é preocupante, assim como a determinação de que, "em nenhuma hipótese o Estado, incluindo as entidades da administração indireta, responderão direta ou indiretamente pelo pagamento de benefícios já concedidos ou que venham a ser concedidos".

Além disso, o projeto livra o Estado de qualquer responsabilidade, ao estipular que o governo do Estado "não responde por qualquer indenização a seus participantes ou por insuficiência patrimonial passada, presente e futura".

Ademais, o aumento da idade mínima de aposentadoria para 70 anos, cumulado com 35 anos de contribuição, também é considerado extremante lesivo aos advogados, principalmente para aqueles que ingressaram na Carteira mais jovens.

Dessa forma, porém, para usufruir a aposentadoria, alguns advogados terão de completar 45 anos de contribuição, como por exemplo, um advogado que ingressou na carteira com 24 ou 25 anos de idade. Pelas regras antes vigentes esse advogado poderia se aposentar aos 60 anos de idade, ao completar 35 anos de contribuição. A nova proposta acrescenta mais 10 anos de contribuição, o que é um absurdo, principalmente levando em consideração que a expectativa média de vida do brasileiro é de 72 anos .

Com tantas regras prejudiciais, é natural que o advogado contribuinte não queira mais continuar. De olho nesse contingente de descontentes, o Governo do Estado de São Paulo abriu a possibilidade para os segurados poderem se desligar da Carteira em até 120 dias contados da data de publicação da nova lei.

Entretanto esse desligamento terá um preço. Os segurados com até 10 anos de Carteira, completados até a data da publicação da nova lei, poderão resgatar 60% do valor a que têm direito a receber. Os segurados com mais de dez anos e até 20 anos de contribuição poderão retirar o equivalente a 65% de suas contribuições. Os contribuintes com mais de 20 anos e menos de 30 terão direito ao equivalente a 75%. E aqueles que já estiverem "no gozo de seus benefícios" – recebendo pensão e aposentadoria – que não se sentirem seguros, poderão resgatar, no máximo, 80% do total de suas reservas.

A opção do resgate do segurado de suas contribuições implicará na "integral quitação quanto ao valor" recebido, além de representar na "renúncia a quaisquer outros direitos em relação à Carteira". A regra expõe a preocupação do governo do Estado de São Paulo em evitar pendências, construindo uma barreira que implica na renúncia por parte do segurado "retirante" de qualquer reclamação posterior.

Por todo o exposto, a aprovação do projeto de lei referente ao IPESP na ALESP não representou nenhuma conquista para a classe dos advogados.

Não há motivos que fundamentem a informação falaciosa de que o IPESP foi mantido e a Carteira salva, porque, conforme teor do próprio artigo 4º da proposta aprovada, não é permitida nenhuma nova inscrição. Os advogados que não se inscreveram e os atuais e futuros estudantes de Direito nunca poderão ter acesso a um regime de previdência alternativo ao INSS. É evidente que a Carteira foi extinta, não havendo a continuidade do Instituto.

Ademais, uma vez que não se admite novas inscrições, comprometido está o equilíbrio atuarial responsável pela proporcionalidade entre contribuição e pagamento de benefícios, ou seja, os advogados mais novos da Carteira, na medida em que o número de aposentados aumenta, deverão, cada vez mais, contribuir com valores mais altos, na medida em que não haverá novos contribuintes. Assim, no final, quando houver apenas aposentados na Carteira, quem os custeará?

Esse desequilíbrio será nocivo no médio e longo prazo, assim, podem os artífices dessa pseudo-salvação da Carteira, usufruir sua aprovação momentaneamente, contudo, aqueles que sofrerão as conseqüências em breve, também deles se lembrarão.

Cumpre mencionar, ainda, que a redação do artigo 11 da proposta vincula a renda do aposentado da carteira ao saldo individual da conta do advogado. O advogado ficará refém de suas próprias contribuições, o que coloca em risco o gozo da aposentadoria para aqueles que esgotarem seus próprios recursos.

Nessa medida, a aprovação pela Assembléia Legislativa do Estado do projeto que extinguiu o IPESP manteve o que já existia para os advogados aposentados, logo, não houve inovação em nenhum momento. Os aposentados do IPESP já tinham o direito adquirido a continuar recebendo sua aposentadoria.

O próprio STF já pacificou entendimento em relação a essa questão: “é firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o aposentado possui direito adquirido ao quantum de seus proventos calculado com base na legislação vigente ao tempo da aposentadoria, mas não aos critérios legais com base em que esse quantum foi estabelecido, pois não há direito adquirido a regime jurídico” (RE 92511, Relator(a): Min. Moreira Alves, Segunda Turma, julgado em 07/10/1980, DJ 28-11-1980 PP-10103 Ement Vol-01194-05 PP-01077 RTJ Vol-00099-03 PP-01267; e AI 145.522-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).

O posicionamento da Suprema Corte acima transcrito foi citado no voto do Ministro Ricardo Lewandowski que concluiu em seguida: “Ocorre que, em conformidade com o princípio tempus regit actum, o tempo de serviço ou de contribuição obtido depois do advento da EC 20/98 não se rege mais pela disciplina legal que vigorava anteriormente, passando a submeter-se à nova ordem por ela instaurada, mesmo porque, como esta Suprema Corte tem decidido de forma reiterada, inexiste direito adquirido a regime jurídico.” (RE 575089, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 10/09/2008, Repercussão Geral - Mérito DJe-202 Divulg 23-10-2008 Public 24-10-2008 Ement Vol-02338-09 PP-01773 RB v. 20, n. 541, 2008, p. 23-26 RT v. 98, n. 880, 2009, p. 122-129)

Dessa forma, não houve benefício nenhum conquistado para os advogados. Pelo contrário. Aqueles que ainda optarem por manter-se vinculados à carteira deverão contribuir por maior período para terem direito à aposentadoria, além de terem que continuar descontando parcelas dos benefícios que serão revertidos para o fundo em virtude da mudança do regime jurídico do Instituto.

Assim, o projeto de lei aprovado é extremamente prejudicial ao advogado, pois de forma alguma foi mantido o direito a uma justa aposentadoria para a classe, bem como de uma justa contribuição, fato esse que constituía o objetivo principal da criação da, de fato, extinta carteira.

. Por: Sônia Mascaro Nascimento, doutora, mestre e especialista em Direito do Trabalho pela USP. Integra o Instituto de Direito do Trabalho do Mercosul. Sócia-titular da banca Sônia Mascaro Nascimento Consultoria e Advocacia Trabalhista, onde presta consultoria jurídica trabalhista, pareceres, processos especiais e sustentação oral junto aos Tribunais. Especializada em Assédio Moral no Trabalho. É professora, diretora e coordenadora de cursos de graduação e pós-graduação na área de Direito Trabalhista e palestrante e conferencista em cursos, seminários, congressos e empresas. Possui diversos livros publicados, entre eles, "Flexibilização do horário de trabalho", "Flexibilização da Jornada de trabalho - Globalização e Impactos nas Relações Sociais e Trabalhistas" (Obra Coletiva - Coordenador Armando Garcia) e "Trabalho da Mulher - das Proibições para o Direito Promocional", todos pela Editora LTr; além de "O Trabalho da Mulher no Brasil - Organização Internacional do Trabalho", pela Editora OIT. É autora de diversos artigos sobre Assédio Moral e Constrangimento no Trabalho.

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