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01/07/2009 - 11:03

Contradição e retrocesso no fim da obrigatoriedade do diploma em Jornalismo

Em pleno alvoroço causado pela decisão do Supremo Tribunal Federal, que cancelou a obrigatoriedade do diploma para o exercício da prática jornalística – pondo fim a uma conquista de 40 anos do jornalismo, profissão comparada pelo ministro Gilmar Mendes como a do cozinheiro, por ambas supostamente não dependerem de uma formação universitária para se obter um produto de qualidade – torna-se prudente refletir sobre possíveis desdobramentos de tal decisão e, afinal, em que acarreta a desregulamentação em um país de uma atividade absolutamente central ao exercício da democracia.

Quando o ministro Gilmar Mendes diz que “a profissão de jornalista não oferece perigo de dano à coletividade” – ao contrário do que ocorreria, por exemplo, com o exercício da medicina ou da engenharia – parece ignorar erros clássicos que indubitavelmente efetuaram prejuízos irreversíveis à sociedade. Apenas para citar os mais conhecidos, é impossível esquecer o erro coletivo da imprensa no caso da Escola Base, em que uma denúncia de pedofilia sem devida comprovação devastou a vida dos donos de uma escolinha infantil em São Paulo, ou os (voluntários) erros na veiculação de pesquisas eleitorais, como o famoso caso Proconsult, em 1982, em que a Rede Globo inverteu os dados que colocavam Leonel Brizola como favorito à eleição do governo do Rio de Janeiro. Tendo em vista o caráter irreversível da comunicação (após emitir uma mensagem com erro, intencional ou não, é impossível “apagá-la”, mesmo com erratas posteriores), equívocos como esses oferecem sim danos incalculáveis ao coletivo. São erros cometidos por jornalistas e repensados, regulados e jamais esquecidos pelos próprios pares. E a quem responde um profissional sem representação de uma entidade, além de sua própria empresa?

Há, por trás da decisão, uma equivocada confusão entre jornalismo e liberdade de expressão. O argumento de que a obrigatoriedade do diploma cerceia a expressão na esfera pública parece ignorar que o mercado de ideias nunca foi tão plural e livre no Brasil. Vivemos um fenômeno, possibilitado pelas mídias digitais, em que todos são potencialmente enunciadores de comunicação, podendo criar seus próprios veículos. Exigência de diploma, portanto, nada tem a ver com liberdade de expressão. Na verdade, esse momento histórico de pluralidade de vozes que se manifestam simultaneamente traz uma necessidade ainda mais intensa de termos clareza dos parâmetros que regem o jornalismo. Todos podem falar, mas, a princípio, os jornalistas são os únicos profissionais capacitados (pois refletiram, aprenderam e executaram tais parâmetros em seus anos de vida universitária) a auto-regular suas atividades conforme princípios éticos e técnicos condizentes com seus conhecimentos. Um jornalista, por exemplo, é obrigado a ser minimamente plural, objetivo e isento no que enuncia – ao contrário do cidadão comum, que presta contas, vulgarmente falando, apenas à sua “consciência”.

Curiosamente, a decisão do Supremo coincide temporalmente com a expectativa da vinda ao Brasil do talvez maior jornalista vivo atualmente, o norte-americano Gay Talese. Autor de obras cruciais na formação de estudantes e jornalistas, como “A Mulher do Próximo” e “Fama e Anonimato”, Talese lança no Brasil sua biografia, “Vida de Escritor”, em que reflete, ao contrário do que promete o título, sobre sua extensa carreira jornalística. Longamente analisada em ambiente acadêmico, a carreira de Gay Talese aponta justamente a pertinência do uso de procedimentos próprios do jornalismo para a concretização de uma grande reportagem. Sua escuta, seu respeito às fontes, sua necessidade de ouvir incontáveis entrevistados para construir um relato (basta dizer que, para perfilar Frank Sinatra sem entrevistá-lo, ouviu nada menos que 90 pessoas), seu extremo cuidado e submissão exclusiva ao real, aos fatos como eles efetivamente aconteceram, refletem anos de amadurecimento da prática jornalística.

Gay Talese, que estará na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) em julho, tem formação em jornalismo pela University of Alabama. Mas talvez ainda seria possível argumentar que temos toda uma geração de grandes jornalistas – como Mino Carta, José Hamilton Ribeiro – que não passaram pelos bancos das universidades. Confiar nesse argumento é fechar os olhos para a transitoriedade de vários processos sociais que tornaram imprescindível a especialização e o aprimoramento de todas as profissões. Mais do que isso, revela uma tendência contestável a olhar para o jornalismo feito há décadas de forma nostálgica, valorizando de modo acrítico o passado. José Hamilton Ribeiro, considerado uma verdadeira lenda viva do jornalismo brasileiro, avalia que as antigas redações eram formadas, em sua maioria, por semi-alfabetizados. Em suas palavras, “a escola de jornalismo e a obrigatoriedade do status universitário para o jornalista fizeram um bem enorme à imprensa e ao Brasil. Só não vê quem não quer”. Uma verdadeira contradição à lamentável decisão do STF.

. Por: Maura Oliveira Martins, jornalista diplomada, mestre em Ciências da Comunicação e coordenadora do curso de Jornalismo da UniBrasil.

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