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15/07/2009 - 08:36

Valor de compra de submarinos franceses superaria orçamento das Forças Armadas

O acordo entre Brasil e França do final do ano passado, para fornecimento de submarinos à Marinha brasileira, chama a atenção pelas cifras e pelo atropelo. O valor estratosférico, de quase 7 bilhões de Euros (quase R$ 20 bilhões), superior aos 4,1 bilhões de euros de todo o orçamento das Forças Armadas para este ano. O projeto incluiria a construção, pelo Consórcio DCNS/Odebrecht, de um estaleiro e de uma nova base na Baía de Sepetiba-RJ.

Surpreso com as cifras, o deputado Júlio Delgado (PSB/MG), da Comissão de Relações Exteriores e Defesa, trabalha para a instalação de uma Audiência Publica na Câmara dos Deputados no próximo dia 30 de julho, e não descarta a possibilidade de convocação de uma CPI sobre o assunto.

Pelo acordo, seriam fornecidos ao Brasil quatro submarinos convencionais da classe Scorpène, o único projeto de submarino convencional da estatal francesa DCNS. Estes seriam montados pela DCNS/Odebrecht no novo estaleiro.

A estatal francesa DCNS – Direction dês Constructions Navales Services - também se comprometeria a transferir tecnologia para o projeto do casco de um submarino de grande porte, a ser utilizado no futuro submarino nuclear brasileiro, a ser montado também pela DCNS/Odebrecht, para receber o reator e a propulsão nuclear da Marinha brasileira, quando estiver concluído, testado, "marinizado" e homologado pelos órgãos ambientais e de segurança nuclear – algo que ainda deve levar duas décadas.

A tecnologia para o casco de grande porte oferecido pela França seria, na verdade, uma adaptação do próprio Scorpène. Ocorre que o Scorpène é um submarino considerado obsoleto no mercado internacional. O modelo sequer é utilizado pela Marinha Francesa. Os poucos países que o compraram, como Índia e Chile, tiveram problemas de qualidade, fornecimento e transferência de tecnologia.

A Índia já passou a recorrer a outros fabricantes na licitação para seus novos submarinos, e está processando a DCNS por descumprimento de prazos e pela não transferência de tecnologia, conforme previa o contrato.

O acordo bilateral Brasil-França traz uma série de salva-guardas que não permitem a transferência efetiva de tecnologia para projeto e construção/ manutenção de submarinos nucleares - como alardeado, pois as partes associadas a todo e qualquer aspecto nuclear estão expressamente excluídas do protocolo.

Além disto, o acordo impõe ao Brasil uma total dependência à França, pois impede o país de buscar tecnologias alternativas. A Cláusula 2.3 do Acordo, especificamente, estabelece que equipamentos usados nos submarinos têm que ser de fabricantes franceses.

Com este acordo político firmado com a França, o governo brasileiro impôs à Marinha que encerrasse as negociações técnicas com o consórcio alemão HDW. No ano passado, o consórcio alemão ratificou uma proposta para o fornecimento e financiamento de dois (2) submarinos convencionais de sua nova classe, para serem construídos no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, com opção de mais dois, além da transferência de tecnologia para projeto de cascos de submarino de grande porte, no valor de 670 milhões de Euros. Esta proposta se enquadrava nas condições da autorização dada pelo COFIEX ao projeto de submarios apresentado pela Marinha ao governo em 2005.

Com esta tecnologia a Marinha resolveria o seu principal problema, o de obter o conhecimento para ela mesma projetar o seu submarino nuclear. Esta proposta de 2 submarinos, aprovada pelo COFIEX, mesmo atualizada para 2009 e somada à mão de obra e custos nacionais de construção, inclusive a expansão do Arsenal de Marinha, tudo financiado, ficaria pouco acima de 10% da atual proposta francesa.

O consórcio alemão tem longo e positivo histórico com a Marinha. Os submarinos brasileiros da classe IKL 209 (Tupi, Tamoio, Timbira, Tapajó e Tikuna) são projetos da HDW, o primeiro deles fabricado na Alemanha e os demais no Arsenal de Marinha, com efetiva transferência de tecnologia.

Este programa, que se estendeu de meados da década de 80 até 2005, incluiu o treinamento de centenas de engenheiros, técnicos e tripulações brasileiras, bem como a modernização e ampliação das instalações do Arsenal de Marinha-AMRJ e a introdução do sistema logístico operacional adequado a estes submarinos.

Na época o contrato incluía também a transferência de tecnologia e o projeto no Brasil de um submarino de grande porte (SNAC-1), que seria a base do submarino nuclear brasileiro (SNAC-2). Este submarino, de casco maior, na epoca poderia ser construído no próprio Arsenal do Rio, bastando para tanto pequenas obras de ampliação (altura do teto, pontes rolantes e reforço do cais), não superiores a U$80 milhões.

Esta solução, se adotada hoje, estaria bem longe do dispendioso projeto de bilhões dos cofres públicos em um novo estaleiro e Base Naval na Baía de Sepetiba, a ser entregue à DCNS/Odebrecht - e que na realidade não passa da construção de obras civis e industriais que o Brasil domina tão ou melhor que a França. Este atropelo suscita a desconfiança que as obras serão usadas para outra finalidade que não os submarinos da Marinha.

Chama a atenção no acordo França-Brasil a forma intempestiva e apressada como ele foi decidido, afastando qualquer possibilidade de outros fornecedores brasileiros e estrangeiros, mais tradicionais, discutirem suas propostas com base em critérios técnicos e econômico-financeiros muito mais eficientes e sustentáveis.

No caso da HDW, a proposta que vinha sendo discutida e delineada com a Marinha, tendo em vista o histórico de sucesso de uma relação comercial iniciada na década de 1980, foi sumariamente engavetada, sem maiores explicações.

Neste sentido, vale dizer que a HDW é líder mundial na produção de submarinos, tendo fabricado, entre 1960 e 2006, 169 unidades de diferentes modelos, - dos quais 43 foram produzidos nos países dos clientes com transferência de tecnologia, incluindo o Brasil.

De 2006 para cá a HDW já contratou ou entregou mais 17 submarinos para cinco países. A DCNS francesa não contratou um submarino sequer nesses últimos anos. A participação HDW no mercado mundial de submarinos convencionais hoje é de quase 90%. Por essas razões, é de se estranhar a preferência pela DCNS, num processo que transcorreu sem a devida transparência, afastando, portanto, a possibilidade de uma efetiva concorrência com base em preço, qualidade, otimização de aplicação de recursos e experiência na transferência de tecnologia.

As cifras envolvidas exigiriam uma seleção mais rigorosa, livre de atropelos políticos - como aparentemente aconteceu. A Audiência Pública em gestação na Câmara dos Deputados pode ser a oportunidade para uma revisão do assunto, em prol do interesse da sociedade e da preservação do erário.

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