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19/04/2007 - 05:41

Guimarães Rosa no jardim dos justos


Bons tempos aqueles em que havia o saudável habito de reunir as pessoas somente para conversar, contar piadas, atualizar informações. Pedro Bloch foi um desses patriarcas, acompanhado da sua Miriam. Era comum, no apartamento da rua Constante Ramos, em Copacabana, encontrar escritores famosos, jornalistas, editores, somente para viver momentos de congraçamento.

Foi assim que conhecemos o escritor Guimarães Rosa, sempre retraído, sem dar sinais do que já era: um dos maiores nomes da literatura brasileira de todos os tempos.

Os mais jovens, como era o meu caso, cobravam do escritor a sua posse na Academia Brasileira de Letras. Ele desconversava. No fundo, como sempre nos conta Vilma Guimarães Rosa, sua querida filha e colega de ofício, ele temia que a solenidade fizesse mal ao seu coração. Foi exatamente o que aconteceu. Morreu quatro dias depois da gloriosa festa da sua consagração, na Casa de Machado de Assis.

Como diplomata, viveu as agruras de representar o Brasil na cidade alemã de Hamburgo, em plena II Guerra Mundial. Contrariando totalmente sua formação, recebera do Governo brasileiro da época (ditadura Vargas) a incumbência de negar vistos a todos os judeus que, pressentindo o Holocausto, quisessem viajar para o Brasil, em busca de uma nova vida.

Com a cumplicidade da sua Aracy, desobedeceu as ordens superiores, liberando mais de 100 passaportes que asseguraram a sobrevivência de todos eles. Ainda há pessoas vivas, dessa época, que lembram a epopéia. Não esquecerão jamais do que foi, ao mesmo tempo, um ato de coragem e de profundo conteúdo humano daquele que assumira, na Alemanha, como vice-cônsul, o seu primeiro posto no exterior.

O Governo de Israel, como faz com personalidades desse porte, batizou com o nome do escritor um lindo bosque de arvores que margeiam os caminhos para Jerusalém. É o hoje famoso “jardim dos justos”.

A recordação desses fatos, na Associação Religiosa Israelita, foi de extrema importância, sobretudo para as novas gerações. Muita gente esqueceu que, nos idos de 1942, Getúlio Vargas e alguns dos seus colaboradores, como Felinto Muller, andavam de namoro com Hitler e Mussolini, o que também acontecia com Joseph Stalin. O rabino Sérgio Margulies fez muito bem ao promover uma sessão na ARI para recordar todos esses fatos.

No caso do autor do clássico “Grande Sertão: Veredas”, o gesto demonstrou como era corajoso e o quanto o seu espírito de justiça e de solidariedade estava acima de quaisquer outras considerações de ordem pessoal ou poderão ser esquecidos. É o caso de Pascoal Carlos Magno, grande figura do teatro brasileiro, que fez o mesmo quando cônsul em Liverpool, na Inglaterra.

Integramos um povo que não se dissocia de três elementos vitais: a justiça, o direito e a liberdade. Reagindo à injustiça de um regime assassino, resgatamos o nosso apreço pelo estado de direito e a defesa da liberdade, fundamento da própria democracia.

. Por: Arnaldo Niskier, professor emérito da Eceme e memebro da Academia Brasielira de Letras (ABL). Contato: ([email protected])

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